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domingo 10 de janeiro de 2021 às 06:51h

Lentidão de ministros e dificuldades burocráticas atrasam apurações no STF

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A redução das investigações criminais no Supremo Tribunal Federal (STF) com a restrição do foro especial em 2018 não tem tornado a corte mais célere para concluir suas investigações, ao contrário das expectativas criadas na época.

Segundo o jornal Folha de S. Paulo, a lentidão dos ministros somada ao excesso de prazo em investigações conduzidas pela PGR (Procuradoria-Geral da República), à quantidade de recursos à disposição dos investigados e a dificuldades burocráticas, como uma simples notificação para apresentação de defesa, atrasam as apurações sob a responsabilidade do Supremo.

Atualmente, estão em curso no tribunal 82 inquéritos públicos e em segredo de Justiça que miram 60 políticos. Em 41 casos as apurações estão em andamento.

Existem 11 inquéritos em que ministros decidiram pelo declínio de competência, alguns deles há mais de dois anos, para que a investigação tenha continuidade na primeira instância, mas seguem tramitando na corte graças a recursos dos investigados.

Há também um acervo de 76 inquéritos que tramita em sigilo e sobre o qual não há informações disponíveis, à exceção de alguns casos de repercussão. Não é possível aferir nesses inquéritos sigilosos, por exemplo, a quantidade de políticos investigados. Pouco mais da metade foi aberta no ano passado.

Desse conjunto de apurações sob sigilo fazem parte os casos conhecidos como atos antidemocráticos e fake news, além de seus eventuais desdobramentos. Os inquéritos miram familiares e aliados do presidente Jair Bolsonaro.

Atualmente, 31 ações penais estão abertas. Dessas, 13 já resultaram em condenação. Outras 11 ainda estão em instrução, termo que representa a fase de preparação da ação penal para julgamento, por exemplo, a realização das oitivas de testemunhas de acusação e defesa. Além delas, três resultaram em absolvição, duas estão julgamento e duas suspensas.

Diante da sobrecarga de processos, em julgamento de 2018 prevaleceu a tese de que era necessário remeter à primeira instância parte das investigações. O STF decidiu restringir o foro especial a investigações sobre supostos crimes cometidos durante o mandato e que tenham relação com o cargo.

O ritmo do STF beneficia todo espectro político: pedido da PGR para remeter à primeira instância uma investigação contra a deputada e presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PT-PR), está pendente de julgamento desde agosto de 2019.

Inquérito aberto em março de 2018 contra o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, não teve andamento desde maio de 2019, quando o político pediu para o caso ser arquivado.

É contra Marinho um dos inquéritos mais antigos em tramitação no STF. Foi autuado em 2010, baixado em 2018 para a primeira instância, mas voltou a tramitar no tribunal em razão de um ato equivocado de um juiz de Natal, terra de Marinho.

Outro fator que atrasa o andamento das investigações são os pedidos de vista. A abertura de ação penal contra o senador Ciro Nogueira (PP-PI) e o deputado Eduardo da Fonte (PP-PE) está paralisada porque o ministro Gilmar Mendes solicitou mais tempo para analisar a matéria em novembro de 2018 e não devolveu o caso para julgamento.

Questões burocráticas também são entraves. O ex-deputado Luiz Sérgio (PT-RJ) foi denunciado em janeiro de 2019. Em 12 de março de 2020, Gilmar mandou notificar em 15 dias o ex-parlamentar e a outra acusada, Camila Paschoal, para apresentarem suas contrarrazões —última etapa antes de o recebimento da denúncia ser julgado.

Mais de sete meses depois, Paschoal ainda não havia sido notificada. Em 12 de novembro, Gilmar (relator) determinou que a medida fosse tomada “com urgência”.

Já a apuração contra o deputado Carlos Zarattini (PT-SP) foi iniciada em 2017 e até hoje não foi concluída. A defesa do petista acusa a PGR de nem sequer ter intimado para depoimento as pessoas que pediu para serem ouvidas no inquérito.

Um dos campeões de investigações na corte, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) também é beneficiado pelos atrasos no trabalho do Supremo.

Em dezembro de 2019, a Segunda Turma recebeu parte da denúncia contra o parlamentar por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, mas, em razão de recursos envolvendo outros acusados, sem foro, o caso até hoje não foi autuado como ação penal.

Preferido de Bolsonaro na eleição para a presidência da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) é outro que conta com a lentidão do STF a seu favor. Em 27 de março de 2018, a PGR ofereceu uma denúncia contra o parlamentar.

Foi recebida parcialmente em outubro de 2019. Lira recorreu. No dia 24 de novembro deste ano, a Primeira Turma formou maioria para mantê-lo réu. Em seguida, o julgamento foi suspenso. Não há data prevista para a retomada.

E não é só neste caso que Lira está na mira no STF. Junto com ele, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), Eduardo da Fonte e Ciro Nogueira foram acusados pela Lava Jato de formar uma organização criminosa.

A Segunda Turma do STF aceitou a denúncia da PGR em junho de 2019, mas ela ainda não foi autuada como ação penal em razão de recursos e trâmites burocráticos.

Em 2018, na gestão da ex-procuradora-geral Raquel Dodge, os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli arquivaram investigações da Lava Jato contra o deputado Bruno Araújo (PSDB-PE) e contra o ex-senador Jorge Viana (PT-AC) sob a alegação de excesso de prazo nas investigações. Há recurso da PGR contra essas decisões ainda em trâmite no tribunal.

O professor associado do Insper Ivar Hartmann afirma que a única solução para o Supremo tornar mais céleres as investigações é com a criação de mecanismos que forcem a tramitação mais acelerada dos casos. Como exemplo, ele cita que tribunais constitucionais de outros países fixam prazos para o julgamento de uma ação penal.

Em alguns países, quando há pedido de vista, se o ministro não devolver o processo para análise dentro de um determinado período, a matéria volta para o plenário automaticamente.

Em outros casos, frisa ele, o ministro perde automaticamente a relatoria do caso se ele não seja julgado em um prazo prédeterminado.

“Só estabelecer prazo não faz diferença porque eles já têm para uma série de procedimentos. A questão é criar uma punição. Prazo sem punição, para mim, não vale nada”, diz.

O especialista também rechaça a ideia de que a morosidade pode estar atrelada à sobrecarga de trabalho. “Os processos que querem julgar rapidamente, eles julgam. Não é questão da quantidade de trabalho, porque os ministros têm gabinetes grandes, com cerca de 30 pessoas”, afirma.

Hartmann acredita, inclusive, que os ministros desejam manter um elevado número de processos na sua alçada. “Eles querem porque é mais poder, são mais casos em que podem atuar para exercer seu poder. Isso sem ter qualquer tipo de ônus, porque pode deixar parado quantos anos quiser que não acontece nada. Ficam só com o bônus de poder escolher dentre inúmeras ações aquelas que querem julgar”, diz.

Ele afirma que o acervo grande também reduz a visibilidade sobre cada caso. “Se eu tenho cinco e um está atrasado, fica mais visível. Se tenho 4 mil, um atraso tem menos visibilidade”.

A Folha enviou na quinta-feira (7) perguntas ao STF e à PGR sobre a tramitação de inquéritos na corte, mas não houve resposta até a conclusão desta reportagem.

Em outro pedido de informação, também feito na quinta, sobre os inquéritos sigilosos, o STF prometeu tornar pública a quantidade deles em tramitação.

“A fim de cumprir seu papel de transparência, o STF passará a esclarecer na página de estatísticas que os dados não incluem os inquéritos sigilosos. Além disso, informará a quantidade dos casos dessa espécie que estão em andamento.”

A assessoria do STF afirmou que desde 2020 trabalha para atualizar o sistema.

“Está em implantação a mudança na forma de captação dos dados para que os inquéritos sigilosos também sejam contabilizados no painel do site. A expectativa é de que a migração do sistema-fonte seja concluída até o início do segundo semestre deste ano.”

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