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segunda-feira 21 de dezembro de 2020 às 05:57h

Incertezas sobre pautas em alinhamento com Guedes rondam novo Congresso

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​A eleição para presidência da Câmara e do Senado, em fevereiro, pode marcar uma guinada na forma como o Congresso conduz as pautas de costumes, como armas e minorias, e também um flerte com políticas econômicas mais desenvolvimentistas, em contraste com a austeridade fiscal pregada pelo ministro Paulo Guedes.

O risco de uma visão mais flexível sobre temas como teto de gastos e pautas mais conservadoras é maior na Câmara, com o candidato apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o deputado Arthur Lira (PP-AL).

A expectativa do governo com a eleição de Lira é tamanha que, nos últimos meses, vários integrantes do Planalto, incluindo o próprio Bolsonaro, sugeriram que vão reeditar medidas controversas que não prosperaram durante a presidência de Rodrigo Maia (DEM) na Câmara, como a ampliação das causas excludentes de ilicitude —o que aliviaria punição a agentes de segurança acusados de cometer crimes.

O Senado, por sua vez, tende a manter uma postura mais aberta à agenda econômica proposta por Guedes. A Casa chegou a barrar medidas neste ano como a MP da Carteira Verde Amarela, mas os senadores afirmam que se tratou mais de uma discordância com a forma atropelada —inclusão de vários itens que configuravam uma mini-reforma trabalhista— do que com a visão econômica.

Uma certeza é que as pautas de costume não devem ganhar espaço na agenda do Senado ou pelo menos nascer naquela Casa. Nisso, destacam a postura de Davi Alcolumbre (DEM-AP), que foi sutil ao barrar essas propostas, sem que isso resultasse em crise com o Planalto, um modelo que deve ser copiado por seu sucessor, independentemente de quem seja.

NA CÂMARA, DISPUTA ENVOLVE INDEPENDÊNCIA OU MAIOR ALINHAMENTO A BOLSONARO

O embate na Câmara se dá entre o bloco apoiado por Maia e o grupo de Lira, que conta com a benção velada de Bolsonaro.

Do lado de Maia, os seis primeiros partidos a embarcar na coalizão (PSL, MDB, PSDB, DEM, Cidadania e PV) ganharam, na última sexta-feira (18), o reforço da oposição. PT, PSB, PDT, PC do B e Rede se somaram ao grupo, e o PSOL ainda estuda aderir, mesmo com candidatura própria.

A estratégia de Maia para atrair partidos de espectros políticos tão distantes —caso do PSL e do PT— foi construir um bloco centrado em uma mesma ideia: tentar barrar a suposta ameaça de uma Câmara servil ao Palácio do Planalto.

As legendas concordaram em apoiar essa diretriz comum, mesmo com marcadas divergências entre si, em especial na pauta econômica. Os dois candidatos de Maia, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) e o presidente do MDB, Baleia Rossi (SP), representariam a continuidade da veia mais liberal na economia personificada pelo atual presidente —e alinhada com o ministro Paulo Guedes.

Além disso, a articulação para barrar pautas controversas seria semelhante à que Maia fez para desidratar o pacote anticrime do ex-ministro Sergio Moro (Justiça) e para esvaziar o projeto de porte e posse de armas enviado por Bolsonaro.

Por outro lado, Maia associa uma eventual vitória de Lira a uma subserviência ao Planalto e a uma inclinação maior a votar projetos como flexibilização de porte e posse de armas ou temas envolvendo minorias.

“Ele [Bolsonaro] não ter a pauta de costumes na Câmara reduz esse ambiente polarizado que, do meu ponto de vista, na opinião dele, é o que constrói a eleição. Construiu a outra [eleição, de 2018], vai construir a próxima”, ressaltou no dia 16.

“Ele não ter um debate mais intenso sobre meio ambiente, sobre armas, sobre minorias, na Câmara reduz o espaço de um debate nacional sobre costumes.”

Nas redes sociais, Lira expressa apoio a pautas de favor das mulheres e defende uma maior participação feminina na política.

Ao lançar candidatura, por exemplo, afirmou que desejava trabalhar com líderes partidários e presidentes de partidos “para que a composição da Mesa Diretora tenha uma mulher num cargo de direção nessa casa”.

No passado, Lira já se manifestou sobre a pauta de costumes de Bolsonaro. Em 27 de junho de 2019, usou a mesma rede social para criticar o governo. “O governo precisa entrar em sintonia com a real necessidade da população e deixar de lado a pauta de costumes e polêmicas que não contribuem e não apontam para a construção de um futuro melhor ao nosso país”, escreveu.

Nos bastidores, parlamentares e especialistas veem risco de que, para agradar ao Planalto, Lira tenha que ceder e pautar os temas controversos.

Na avaliação de Leonardo Martins Barbosa, cientista político e pesquisador do OLB (Observatório do Legislativo Brasileiro), a pauta de costumes é a agenda do governo, e a candidatura de Bolsonaro é a de Lira.

“Independentemente das preferências do Lira, e claro que isso vai influenciar na maneira como ele vai conduzir os trabalhos, se ele vier a vencer, claramente vai ter uma dependência maior do governo do que outros candidatos”, afirma.

“Com uma pauta mais conservadora, mais alinhada ao governo, certamente uma candidatura do Lira parece mais adequada, menos aberta a compromissos com a esquerda.”

Na economia, o líder do centrão já vem moldando o discurso para expressar um alinhamento maior com a política de Guedes, embora, no passado, já tenha manifestado apoio a uma reforma da Previdência com flexibilizações indesejadas pelo ministro da Economia —que foi obrigado a engolir as alterações para aprovar as mudanças na aposentadoria.

“Mais uma vitória. Além da retirada do BPC [benefício pago a idosos carentes] e dos trabalhadores rurais do texto principal, avançamos nas alterações da reforma da Previdência que afetavam nossos professores”, comemorou, em julho do ano passado.

Alguns de seus pares o veem mais inclinado à corrente econômica do ministro Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional), que já defendeu publicamente o aumento do gasto público para impulsionar a economia brasileira.

O próprio Bolsonaro já sugeriu, em agosto, flexibilizar o teto de gastos, mecanismo que corrige as despesas pela inflação até junho do ano anterior.

PERFIS DE CANDIDATOS NA CÂMARA

Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) e Baleia Rossi (MDB-SP)
Aliados do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), representariam a continuidade da atual condução econômica representada pelo deputado. Na pauta de costumes, também tendem a acompanhar Maia e barrar tentativas de pautar projetos que poderiam atender à base ideológica do governo, como flexibilização do porte e posse de armas.

Arthur Lira (PP-AL)
Candidato favorito de Bolsonaro para ocupar a Câmara dos Deputados, Lira defende a pluralidade para o desenvolvimento do país. No passado, já criticou o governo e a tentativa de emplacar sua pauta de costumes e também demonstrou pouca afinidade com a política liberal de Paulo Guedes. Recentemente, porém, indicou concordar com a agenda econômica do ministro.

NO SENADO, DUELO PODE SER ENTRE ALCOLUMBRE E MDB

Os eventos da última semana no Senado indicam que a disputa pode se centrar no embate entre o grupo do atual presidente Davi Alcolumbre (DEM-AP) e o MDB, que busca recuperar a presidência, evitando o racha que custou a eleição de 2019.

Há outros nomes já lançados ou cogitados, como Major Olímpio (PSL-SP) e Mara Gabrilli (PSDB-SP), que buscam representar o movimento Muda Senado. Esperidião Amin (PP-SC) afirma que não é candidato ainda. E Antônio Anastasia (PSD-MG) é sempre lembrado, mas seus pares dizem que ele pouco se movimenta para se viabilizar.

O nome de Alcolumbre é Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que começou a última semana bem cotado e terminou em baixa. O senador mineiro chegou a receber um sinal positivo do Planalto, que indicou um aliado para o comando da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres)

A família de Pacheco mantém empresas de transporte de passageiros.

Mesmo o nome passando na Comissão de Serviços de Infraestrutura, houve questionamentos abertos sobre o apadrinhamento e o nome nem chegou a figurar na pauta do plenário ao longo de uma semana em que dezenas de outras indicações foram aprovadas.

No momento de fraqueza do candidato de Alcolumbre, o MDB deu uma demonstração de força ao sair de uma reunião de bancada na quarta-feira (16) anunciando que terá candidato único nas próximas eleições do Senado.

“A manifestação do MDB foi o primeiro sinal republicano que recebemos depois da decisão do STF (Supremo Tribunal Federal)”, disse à Folha Esperidião Amin, em referência à decisão que barrou a reeleição no Congresso.

A movimentação do MDB agradou diversos senadores mais experientes, porque busca resgatar a regra da proporcionalidade, na qual o comando da Casa deve ficar com a maior bancada —o MDB tem 13 senadores.

São pré-candidatos pelo MDB o líder da bancada Eduardo Braga (AM); o líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (TO); o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (PE); e a presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), Simone Tebet (MS).

Um eventual retorno do MDB à presidência representaria uma Casa mais aberta para as propostas de Paulo Guedes. A própria nota do partido, ao lançar a candidatura, afirmava que a bancada estava comprometida com as “reformas estruturantes” que o Brasil precisa.

Mais do que isso, os dois líderes do governo, Gomes e Bezerra, além do senador Márcio Bittar (MDB-AC), relator das PECs do Pacto Federativo e Emergencial, viraram presenças constantes no gabinete de Guedes, buscando acordos para os relatórios.

As mais recentes tratativas naufragaram, mas muitos reconhecem que se tratava de uma “missão impossível” abrir espaço no teto de gastos para acomodar um novo programa de transferência de renda de Bolsonaro.

O alinhamento pouco mudaria com um indicado de Alcolumbre, visto que ele próprio encampou iniciativas pró-mercado, como colocar em pauta a proposta de autonomia do Banco Central, iniciativa que nasceu no Senado.

Em relação às chamadas pautas de costume, o próprio processo legislativo facilita um pouco a vida do presidente do Senado, evitando confronto com o presidente. As pautas do Executivo começaram a tramitar pela Câmara. Além disso, não há no Senado uma bancada “bolsonarista raíz” que encabeça as propostas alinhadas com o pensamento do presidente.

Davi Alcolumbre ainda foi considerado hábil e discreto ao evitar confronto com o Planalto nesses assuntos, tendência que deve ser mantida pelo sucessor, independente de quem seja. Um exemplo recente mostra que não se trata apenas da posição do presidente, mas de um ambiente menos propício para o avanço dessas pautas na Casa.

Na terça-feira (15), o plenário analisou o projeto de regulamentação do Fundeb, principal mecanismo de financiamento da educação básica. A proposta que veio da Câmara continha destaques que previam repasses do sistema público para escolas religiosas, uma inclusão para agradar o governo.

Em uma articulação grande articulação, o relator no Senado Izalci Lucas (PSDB-DF) decidiu resgatar o texto original da Câmara —sem os destaques— que foi aprovado por unanimidade, inclusive com o apoio dos líderes do governo.

“O governo, lá na Câmara, votou a favor desses destaques que, numa boa decisão, o senador Izalci, recolhendo a opinião unânime das lideranças partidárias nesta Casa, resgata o texto original do trabalho”, disse na sessão o líder do governo e pré-candidato Bezerra.

Senadores também apontam que a volta do MDB à presidência está longe de representar uma ameaça ao Palácio do Planalto, mas vai exigir do governo uma “ginástica” na relação. Lembram que se trata do mais complexo, federalizado e heterogêneo partido do país, situação que se reflete na bancada no Senado e que não poderá ser ignorado pelo presidente da Casa.

Nisso, será mais delicado que a relação com Alcolumbre, que nos últimos meses se contentou com apoio para tentar eleger seu irmão prefeito de Macapá —Josiel Alcolumbre (DEM), porém, foi derrotado neste domingo (20).

PERFIS CANDIDATOS NO SENADO

Rodrigo Pacheco (DEM-MG)

Candidato do atual presidente do Senado Davi Alcolumbre (DEM-AP). Está em primeiro mandato como senador, por isso enfrenta resistência de parlamentares que consideram que o Senado pode cair numa relação de submissão com o Planalto. Defende uma agenda econômica liberal, mais alinhada ao ministro Paulo Guedes

MDB

Partido se fechou em uma candidatura única, que pode ser Fernando Bezerra (PE), Eduardo Gomes (TO), Simone Tebet (MS) ou Eduardo Braga (AM). A bancada como um todo se mostra disposta a avançar com reformas econômicas estruturantes.

Os dois primeiros nomes são líderes do governo, por isso têm boa relação com o Planalto e com o ministro Paulo Guedes, mas isso não significa abertura para pautar agenda de costumes.

Simone Tebet é a mais distante dos quatro do perfil do governo Bolsonaro, mas justamente por isso pode viabilizar sua candidatura com os votos dos independentes.

Antonio Anastasia (PSD-MG), Major Olímpio (PSL-SP) e Mara Gabrilli (PSDB-SP)

Anastasia poderia correr por fora em meio à possível disputa entre Alcolumbre e MDB, pois é respeitado na Casa e considerado um senador extremamente técnico. No entanto, pouco vem fazendo para se viabilizar. Os outros nomes são ligados ao movimento Muda Senado, que busca uma postura mais independente da Casa em relação ao governo.

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