Em ao menos seis anos de maior exposição, desde que o marido assumiu a condução de processos da Lava Jato em Curitiba, a advogada Rosangela Wolff Moro, 46 anos, não é afeita a entrevistas.
Suas declarações com viés político ou opinativo, chegando a provocar brigas com o marido, Sergio Moro, geralmente partiam das redes sociais.
Coincidentemente, segundo a Folha de S. Paulo, após o período de quarentena jurídica do ex-ministro da Justiça, em que ele não poderia exercer funções, e diante dos indícios de embarque de Moro na disputa pela Presidência em 2022, Rosangela resolveu abriu a caixa de pandora.
Seu livro “Os Dias Mais Intensos: Uma História Pessoal de Sergio Moro” é uma espécie de dossiê positivo sobre o marido com um misto de bastidores de eventos jurídicos e políticos que construíram a história recente do país pincelados com detalhes da vida pessoal do casal.
“Nada seria possível se essa verdadeira ‘Dama de Ferro’ não estivesse ao meu lado, especialmente nos momentos mais difíceis”, escreveu o ex-ministro na divulgação da obra.
Nele, Rosangela conta, por exemplo, que votou em Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2002, mas que “no PT de 2018”, em que Fernando Haddad foi o candidato da legenda, não conseguia votar.
Então, escolheu Jair Bolsonaro (então no PSL), que, segundo ela, surgiu como “outsider de fora do sistema e que se propunha a mudar os rumos do país”.
À Folha, questionada sobre qual escolha faria hoje, Rosangela diz que prefere não especular, mas concorda que, sob a regência do PT, o Brasil tinha órgãos de fiscalização e controle, como os responsáveis pela Lava Jato, mais fortalecidos do que atualmente.
Ela condena ainda a declaração de Bolsonaro de que a operação acabou porque não há mais corrupção no governo.
“Não acabou a corrupção. Essa fala é inapropriada e também destoa de uma bandeira que o presidente, enquanto candidato, vendeu para todo mundo. Ele tem o compromisso de fortalecer mais as instituições e manter a Lava Jato trabalhando diariamente.”
Dizendo escolher os candidatos conforme seus projetos, ela cita o Bolsa Família como algo “relevante” a ser destacado dos governos do PT e que ainda espera a “marca” da atual gestão.
“A medida do voucher [auxílio emergencial] foi necessária na pandemia, mas é uma medida pontual, não um programa de governo. Então, vamos aguardar o que vem pela frente.”
A decepção da esposa de Moro sobre o atual governo fica evidente em outros trechos do livro, a forma que encontrou, diz ela, para “virar a página” sobre parte da história da família.
Rosangela conta que foi um pedido do marido, ainda como ministro, que a fez apagar um post que publicou em abril no Instagram. Na postagem, ela defendia Luiz Henrique Mandetta, que comandava o Ministério da Saúde, na queda de braço com Bolsonaro sobre a gestão da pandemia.
“Não há liberdade de expressão para discordância de atos do governo. Nesse caso, você vira inimigo”, opina sobre o episódio, que virou motivo de briga dentro de casa.
A indignação, segundo ela, foi maior sobre o fato de ter perdido o direito de se manifestar, como cidadã, desde que o marido assumiu os processos da Lava Jato, ainda como juiz em Curitiba.
Mais de um ano antes, com as demissões dos ministros Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral da Presidência) e Santos Cruz (Secretaria de Governo), ela diz que já sentia que Moro poderia ser alvo de “fritura” pelo próprio governo e eventualmente teria que deixar o cargo.
“Mais dia menos dia, o sistema detonaria Moro para se proteger ou para impedir avanços anticorrupção.”
Longe de protagonismo político, ela afirma que é este sistema, da velha política, com conchavos envoltos em corrupção, que Moro buscou combater durante a carreira, incluindo na condução da Lava Jato. Suas pautas, no entanto, “eram órfãs do governo”, diz ela no livro.
Apesar de atuar na advocacia tributária, Rosangela dedica algumas páginas da obra para defender a atuação do marido na operação.
Afirma, por exemplo, que os princípios da ampla defesa e do contraditório foram cumpridos e aponta que a maior parte das canetadas de Moro foi confirmada em instâncias superiores, inclusive em ações envolvendo Lula.
Também critica quem diz que a operação tinha apenas o PT como alvo e exalta a tranquilidade do marido sobre momentos-chave, como quando levantou o sigilo de áudios de Lula com a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e ao esclarecer mensagens trocadas entre ele e procuradores do caso, como o ex-coordenador da força-tarefa Deltan Dallagnol.
Como profissional do direito, Rosangela vê com naturalidade as conversas de juiz com as partes, e acredita que, no caso, elas foram elevadas de grau.
“Há uma fantasia de que eles [Moro e Deltan] são amigos e ficam conspirando para prejudicar determinada pessoa e isso não ocorre”, diz.
Ao ser indagada sobre o que faria se fosse defensora de algum réu da operação, ela é categórica: “Não iria para a imprensa, iria adotar alguma medida que a lei me permite”.
No livro, ela lamenta o fato de o marido não ter conseguido transformar sua experiência em um avanço para o país. Cita ainda que esse é um dos fatores que leva Brasília a viver numa bolha e que impede “melhores pessoas que poderiam estar na política” a saírem da sua zona de conforto.
Questionada se ela poderia ser uma dessas pessoas, Rosangela exclui qualquer pretensão.
“Não passa pela minha cabeça nem me filiar”. Já sobre uma possível aventura do marido em cargos eletivos, ela nada comenta. “Na atividade privada, também há condições de ajudar a tornar o país melhor. Mas, nosso radar está em 2020, reorganizando nossas vidas.”