Integrantes do Palácio do Planalto e do núcleo militar do governo avaliam segundo o jornal Folha de S. Paulo, que a derrota de Donald Trump nos Estados Unidos e o resultado das eleições serviram como recados ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e indicam que ele terá de fazer adaptações para triunfar nas urnas em 2022.
O principal aprendizado, avaliam fardados, é que a população passou a rejeitar extremos, e discursos inflamados em relação à pandemia podem levar a queda de popularidade.
A análise de aliados de Bolsonaro é que a postura de Trump durante a crise sanitária foi decisiva para sua derrota.
Por isso, Bolsonaro deveria abandonar ou ao menos moderar discursos como o de que o Brasil precisa deixar de ser “um país de maricas”, sob pena de perder apoios até mesmo dentro das Forças Armadas.
No lugar de fazer acenos à base mais ideológica de seus eleitores, o principal objetivo do presidente deve ser, pregam auxiliares próximos, trabalhar para aprovar medidas no Congresso que movimentem a economia e façam o Brasil reagir à crise causada pela pandemia.
A chave para a reeleição, afirmam assessores presidenciais e políticos experientes no Congresso, estará na economia.
Além da derrota de Trump para o democrata Joe Biden, não reconhecida nem pelo presidente nem pelo Itamaraty, a eleição municipal teve como grandes vencedores os partidos de centro e centro-direta.
O MDB foi o líder no ranking de prefeituras obtidas por partido. Já PP e PSD, duas siglas do chamado centrão, e DEM foram as que mais ascenderam em número de municípios governados pelo país.
Em outra frente, o pleito mostrou encolhimento do PSDB e do PT pelo país e também aponta o relativo fracasso do PSL, sigla pela qual Bolsonaro se elegeu presidente.
O próprio presidente viu a maioria dos candidatos que apoiou fracassar no pleito.
Nas grandes cidades, apenas Marcelo Crivella (Republicanos), no Rio de Janeiro, e Capitão Wagner (Pros), em Fortaleza, foram para o segundo turno.
Essa derrota reforçou no Planalto a avaliação de que o discurso radical está perdendo espaço na população e, por isso, aconselham Bolsonaro a moderar o tom.
Em 10 de novembro, na semana da derrota de Trump, Bolsonaro afirmou que o Brasil precisa “deixar de ser um país de maricas” ao enfrentar o coronavírus.
“Tudo agora é pandemia. Tem que acabar com esse negócio. Lamento os mortos, todos nós vamos morrer um dia. Não adianta fugir disso, fugir da realidade, tem que deixar de ser um país de maricas”, disse.
Também fez alusão à vitória de Biden. Sem citar o nome do presidente eleito dos Estados Unidos, Bolsonaro citou a necessidade de ter “pólvora” para fazer frente a candidatos que ameacem sanções pelo desmatamento da Amazônia.
“Assistimos há pouco a um grande candidato à chefia de Estado dizer que, se eu não apagar o fogo da Amazônia, levanta barreiras comerciais contra o Brasil. E como é que podemos fazer frente a tudo isso? Apenas a diplomacia não dá, não é, Ernesto [Araújo, chanceler]? Quando acaba a saliva, tem que ter pólvora, senão não funciona”, continuou Bolsonaro. Em debate com Trump na campanha presidencial, Biden disse que “a floresta tropical no Brasil está sendo destruída”.
A fala de Bolsonaro incomodou profundamente aliados, que temeram um retorno ao seu estilo mais agressivo. Irritou, principalmente, setores das Forças Armadas.
Militares se sentiram ridicularizados por Bolsonaro ter insinuado que o Brasil poderia usar armamentos e iniciar uma guerra contra os EUA.
A avaliação dos fardados é que, se o presidente fala para sua base mais radical e a entusiasma, pode perder o eleitor que votou nele em 2018 como uma alternativa ao PT.
Os mais ideológicos são cerca de 30% do eleitorado bolsonarista, calculam aliados. Estão com Bolsonaro mesmo nos momentos mais críticos.
São, portanto, considerados fiéis. O restante dos votos é daqueles que Bolsonaro precisa lutar para manter, avaliam.
Além das eleições municipais e de Trump, assessores palacianos dizem que é preciso olhar para os vizinhos do Brasil, que emitem sinais de alerta de que o projeto Bolsonaro pode fracassar se não for bem elaborado.
Auxiliares presidenciais citam o caso da Argentina, que no ano passado elegeu o esquerdista Alberto Fernández como presidente, tendo Cristina Kirchner como vice.
O candidato venceu Maurício Macri, apontado por Bolsonaro como um aliado.
Além de adaptar o discurso, aliados lembram que Bolsonaro precisa pensar em questões práticas, como a que partido ele se filiará.
Integrantes do Planalto atrelaram a derrota dos candidatos do presidente na eleição municipal, em parte, ao fato de Bolsonaro não ser filiado a partido algum.
Teria sido mais fácil, avaliam, lançar candidatos de uma sigla da qual o presidente fizesse parte e associar o número deles ao do presidente, como ocorreu com o número 17 em 2018.
Além disso, Bolsonaro não pode viajar para fazer campanhas pelo risco de ser acusado de desvirtuar viagens da Presidência para outros fins. Presidentes da República podem participar de campanhas políticas, mas essas viagens costumam ser bancadas pelas legendas da qual fazem parte.
Bolsonaro deixou o PSL no ano passado após atritos com a direção. Depois, investiu na criação da Aliança pelo Brasil, sigla que não saiu do papel.
Agora, volta à estaca zero e precisa escolher um novo partido. Boa parte dos aliados avalia que ele deve desistir da ideia de criar a Aliança e partir para uma sigla já existente.
Os auxiliares se dividem sobre se o presidente deveria ir para um partido menor ou um mais consolidado, como os do centrão.
Progressistas, Republicanos e o próprio PSL são opções. Na frente nanica, o Patriota é uma possibilidade. Bolsonaro quase se filiou à sigla em 2018.
Mesmo que não escolha um partido centrista, aliados afirmam que será importante para Bolsonaro se esforçar para manter as alianças com esses partidos —atualmente boa parte deles faz parte da base do presidente no Congresso.
A ideia é ter o apoio das legendas em 2022 e ainda garantir palanques em municípios importantes.