Com mandato cassado em agosto deste ano pela Câmara dos Vereadores, o ex-prefeito Miguel Machado (PSDB), de Anhembi (SP), usou o episódio para reforçar o seu discurso eleitoral e tentar voltar ao comando da cidade.
Afirmou segundo a Folha de S. Paulo, que a campanha sofreu um golpe, que foi perseguido pelos vereadores e que o atual prefeito, que era o presidente da Câmara, fez um desmonte em sua administração. Miguel havia sido cassado, entre outras acusações, por ter emprestado um carro da administração para amigos viajarem à Bahia.
A versão de golpe funcionou e ele recebeu 51,65% dos votos no último domingo (15). Contudo, não sabe se vai ser empossado: devido à cassação sua candidatura foi anulada pela Justiça Eleitoral.
Seus dois adversários, Rogerião (Cidadania) e Rafaela Gois (MDB), também não poderão apontar o dedo contra o tucano: ambos tiveram as candidaturas anuladas, porque suas convenções foram presididas por pessoas com direitos políticos cassados.
Toda essa situação fez Anhembi virar uma das cidades brasileiras nas quais os eleitores não tiveram votos válidos para prefeito. Pelo menos por enquanto, porque as três chapas ainda recorrem e podem ter a situação revertida.
A cidade paulista não foi exceção —por pouco. A mesma situação também ocorreu em Santo Antônio do Tauá (PA), onde o prefeito Evandro Trabalho (DEM) tenta a reeleição. Tanto ele, que teve 51,37% dos votos, como seu adversário Rodrigo Amorim (MDB) estão com as candidaturas anuladas sub judice.
Em Torixoréu (MT), houve quase isso: dois dos três candidatos também tiveram chapas anuladas, recorrem, e o único concorrente que teve votos válidos foi Rubão (Pros), escolhido por apenas 7% dos eleitores.
A Justiça Eleitoral aceitou argumento do Ministério Público sobre a chapa que teve mais votos na eleição da cidade matogrossense. A Promotoria diz que o grupo familiar da candidata Inês Coelho (DEM) poderia ter um terceiro mandato na cidade, o que não é permitido.
O marido de Inês, Odoni Coelho, foi eleito em 2012 e cassado em 2016. Odoni afirmou à reportagem que foi afastado nove meses antes da eleição de 2016 e que não teve nenhum ato administrativo depois, e por isso a primeira eleição de Inês não pode ser considerada como um mandato continuado da família.
“Nós temos um parecer de um técnico do TRE-MT que diz que ela pode ser candidata e que nosso caso compete ao Supremo [Tribunal Federal], porque a lei não é clara nesse caso”, afirma o ex-prefeito.
“Eu não contribuí para que acontecesse um terceiro mandato, porque foi me tirado o mandato. É diferente dos casos em que pessoas contribuem, com jogada política, para que possa haver terceiro mandato, com afastamento de faz-de-conta”.
O segundo colocado em Torixoréu, Lincoln Saggin (PL), teve a candidatura indeferida devido à Lei da Ficha Limpa.
Desde 2015, a legislação eleitoral prevê novas eleições caso o candidato mais votado tenha a candidatura indeferida pela Justiça Eleitoral, independentemente da porcentagem de votos. Quem assume interinamente, até essa eleição suplementar, é o presidente da Câmara de Vereadores.
Para que isso não aconteça, os recursos dos candidatos mais votados que tiveram a chapa anulada têm que ser analisados e revertidos até o dia da diplomação, que neste ano será em 18 de dezembro.
Alguns deles tentam obter decisões liminares (provisórias) que garantam a sua diplomação, mas a possibilidade é difícil, segundo advogados eleitorais consultados pela reportagem.
“Faz três meses que estamos brigando e tentando uma liminar na Justiça e não conseguimos. Se fosse acusado de ato de corrupção, eu nem candidato sairia. Mas [a cassação] foi um ato político de vereadores para não me enfrentarem nas urnas, e mesmo assim ganhamos”, diz Miguel Machado, de Anhembi.
Ele afirma que foi “massacrado” pelos adversários, que tudo o que fez foi “ajudar o povo” e que prestou contas de suas ações.
Até 2015, a dinâmica era outra. Se o candidato mais votado e com chapa cassada não atingisse 50% dos votos válidos, o segundo colocado assumia. Isso ocorreu, por exemplo, em Osasco (SP) em 2012, quando Jorge Lapas (à época no PT) foi o segundo mais votado, mas acabou assumindo a prefeitura.
Segundo a advogada eleitoral Ezikelly Barros, uma das fundadoras da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), o segundo colocado assumia, entre outros motivos, para que houvesse economia e se evitasse a realização de novas eleições.
No entanto, a lei foi modificada pelo Congresso porque as eleições passaram a ser muito judicializadas pelos segundos colocados. Acabava virando um “terceiro turno” na Justiça.
Em Anhembi, além de as candidaturas dos adversários de Miguel estarem anuladas sub judice, as dos candidatos a vereadores dos seus respectivos partidos, Cidadania e MDB, também ficaram na mesma situação —isso porque as convenções que os escolheram como candidatos foram consideradas nulas.
No caso do Legislativo, porém, a Justiça Eleitoral pode reverter essa anulação mesmo depois do início da nova legislatura, no ano que vem.
“Enquanto a Justiça Eleitoral não liberar, esses votos nos vereadores com candidatura indeferida são absolutamente desconsiderados. Isso só vai mudar se eles vencerem em grau recursal e os votos passam a ser contabilizados de novo. Então, tem que ser feito uma nova cota sobre o quociente eleitoral”, diz o advogado eleitoral Renato Ribeiro.
Há ao menos 100 cidades do Brasil onde candidatos mais votados estão com as chapas anuladas sub judice. É o caso de municípios de médio porte com São Caetano do Sul, no ABC Paulista, com o prefeito cassado José Auricchio Júnior (PSDB).