– Se o primeiro ano de governo Jair Bolsonaro (sem partido) foi tomado pela reforma da Previdência e o segundo foi travado pela pandemia de Covid-19, a base conservadora do presidente está trabalhando na formação de uma frente parlamentar para destravar na segunda metade da gestão a pauta de costumes que acabou preterida.
A deputada Bia Kicis (PSL-DF) está coletando assinaturas de colegas para formar a bancada. Até o final da semana passada havia apoio de 30 senadores e 100 deputados, segundo ela.
A intenção é conseguir mais 80 assinaturas de deputados para que a bancada conservadora saia do papel ainda em 2020.
Desde o ano passado, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), têm servido de anteparo à pauta que trata de temas como homeschooling (educação em casa), escola sem partido, o que chamam de ideologia de gênero, e o combate à corrupção.
Kicis disse acreditar que a formação do grupo até o final deste ano terá influência nas eleições para o comando das duas Casas, em fevereiro do ano que vem, embora haja parlamentares que apoiem a criação da bancada, mas não a veem como arma para interferir nas disputas.
“Hoje, embora seja minoria, há uma força muito grande da ala progressista. Eles se impõem muito, pressionam muito o presidente da Casa. Não são maioria, mas são muito organizados”, afirmou Kicis.
“Então, se não nos unirmos, não nos organizarmos, embora sejamos maioria e representemos a maioria do povo brasileiro, não conseguimos levar adiante a pauta de interesse da população”, disse a deputada.
Kicis define conservador como alguém que “quer conservar o que tem de bom e mudar o que não é tão bom assim”.
Ela afirma que há pautas em comum entre os conservadores, como a defesa da vida desde a concepção, por exemplo, mas há divergências em temas como as armas.
“Nem todos os conservadores são favoráveis, por exemplo, ao porte de armas, esta é uma questão que é um pouco controversa, mas a gente quer promover o debate sobre este tema. Se você não tem conservadores para fazer isso, ninguém vai fazer.”
No ano passado, a primeira tentativa do governo de aprovar o texto das armas foi desidratada pelo Congresso, que autorizou a ampliação do porte e da posse apenas por colecionadores, atiradores e caçadores.
Dos temas que já estão em tramitação, o grupo quer priorizar matérias relacionadas à prisão após condenação em segunda instância, voto impresso, contra a expansão das possibilidades de aborto e questões relacionadas a drogas, como o plantio de maconha mesmo que para uso medicinal.
Muitas dessas pautas são bandeiras que ajudaram a eleger Bolsonaro e sua base ideológica, porém não caminharam na primeira metade do governo.
“Havia um acordo, até com o Rodrigo Maia, que nós deixaríamos as pautas de costumes para o segundo ano. Fizemos um acordo de que a gente travaria estas batalhas nas comissões, mas não pautaria no plenário estes temas mais polêmicos, digamos assim”, disse a deputada.
“Só que, neste ano, quando era para estas pautas começarem a caminhar, veio a pandemia. Então, a gente não teve comissão, não teve nada. Já estamos atrasados e precisamos dar uma satisfação para a sociedade”, afirmou Kicis.
Um dos mais influentes deputados da Frente Parlamentar Evangélica, o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), apoia a criação da Frente Parlamentar Conservadora e não vê possibilidade de disputa entre as duas bancadas.
“Acho que elas somam forças e [a bancada conservadora] amplia um pouco o leque da evangélica. Tem conservadores que não são evangélicos”, afirmou Sóstenes.
O deputado disse acreditar que as pautas das duas frentes serão basicamente as mesmas com uma ou outra divergência. Como exemplo, ele citou a proposta de legalização de jogos de azar.
“Não sei se a conservadora ficará contra”, disse o deputado.
Líder da Minoria na Câmara, o deputado José Guimarães (PT-CE) afirmou que vê com naturalidade a criação de uma frente, mas que o trabalho para inviabilizar a pauta conservadora do governo será mantido nos próximos dois anos.
“Vamos continuar na mesma linha. Eles deviam estar preocupados em apresentar sugestões para a retomada do crescimento. Para este governo, se nem o centrão deu jeito, o que dirá uma frente”, afirmou o deputado.
O petista faz alusão ao bloco de partidos que costuma apoiar governos independentemente do ponto que ocupam no espectro político, desde que haja participação na administração por meio de cargos e liberação de recursos.
Integrantes da base ideológica do governo reclamam nos bastidores que se sentem preteridos em relação aos aliados do centrão pela articulação política do Palácio do Planalto.
Em um movimento recente, tentaram forçar a troca do ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, mas não obtiveram sucesso.
Enquanto isso, a investida conservadora tenta ganhar o mundo. Kicis afirmou que está trabalhando na costura de uma frente conservadora sulamericana, reunindo parlamentares de outros países do continente. Ela disse já ter conversado com representantes de Colômbia, Chile e Argentina.
“O objetivo é a gente se unir além das fronteiras, [unir] países que buscam preservar sua soberania, que são contra o desrespeito com que a esquerda e os globalistas tratam os países e os governos conservadores”, disse a deputada.