De olho na popularidade do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), candidatos a prefeito e vereador têm utilizado o cercadinho do Palácio da Alvorada para fazer fotos e vídeos que são utilizados em suas campanhas, relativizando o discurso oficial do chefe do Executivo de não participar das disputas municipais.
Conforme reportagem do jornal Folha de S. Paulo, eles não marcam horário nem informam o objetivo da visita. Apenas driblam a segurança e aparecem infiltrados no grupo de apoiadores que, diariamente, vai ao Palácio da Alvorada para ver Bolsonaro de perto.
O presidente raramente atende aos pedidos de mandar recados e manifesta preocupação de que a iniciativa possa criar problemas com a Justiça Eleitoral.
Na peregrinação ao cercadinho, a Folha identificou candidatos de PRTB, DEM, PTB, PL e PSD. Eles fazem fotos ou gravam vídeos com o presidente e procuram demonstrar nas publicações intimidade com o chefe do Executivo.
Alegando proteção a informação pessoal, o Palácio do Planalto se recusou a informar os nomes dos visitantes, mesmo via Lei de Acesso à Informação. A romaria teve início em junho, antes mesmo da campanha eleitoral.
“É sempre uma honra encontrar o nosso presidente Bolsonaro”, escreveu Jeferson Lopes (PRTB), que disputa a Prefeitura de Mafra (SC), na legenda de uma das duas fotos que publicou com o presidente. O PRTB é o partido do vice-presidente Hamilton Mourão.
“Presidente Bolsonaro. Obrigado pela sua atenção!”, disse Jadson do Nascimento (PSL), que adotou o nome Jadson Brasil para disputar a Prefeitura de João Lisboa (MA). Ele já publicou três fotos com o presidente em sua rede social.
Bolsonaro sabe que candidatos estão se aproveitando da situação. Para evitar saias-justas, ordenou à segurança presidencial que faça uma triagem e pergunte aos simpatizantes se eles disputam algum cargo nas eleições deste ano, o que não ocorreu todos os dias, segundo relato de visitantes.
Além disso, canais de vídeos bolsonaristas que transmitiam na íntegra as conversas do chefe do Executivo com os simpatizantes passaram a publicar apenas versões editadas.
“Por favor, não quero gravar vídeo, não. Porque estou cansado e estamos em época de candidaturas. E, às vezes, aproveitam para fazer campanha. E o TSE [Tribunal Superior Eleitoral] mete um processo em mim aí depois. Peço desculpas no tocante a isso. Depois das eleições, a gente conversa”, afirmou Bolsonaro à claque em agosto.
Um dos candidatos que aproveitou o cercadinho foi Fernando Izidoro (PL), que disputa um cargo de vereador em Joinville (SC). “Mesmo cansado, Bolsonaro me atendeu”, disse nas redes sociais.
Ele conta que se preparou para o encontro com Bolsonaro em agosto, quando passou uma semana em Brasília. Monitorou as agendas públicas do presidente para estar na porta do Alvorada no horário previsto da passagem do comboio oficial.
Izidoro, filiado a um dos partidos do chamado centrão, chegou à residência oficial por volta das 7h30, mas Bolsonaro já havia partido. O candidato ficou no local até as 19h, quando o presidente retornou após uma viagem. Diz ter saído por alguns instantes apenas para se alimentar.
“Coloquei na minha agenda como um dia totalmente direcionado a conseguir estar ao lado do presidente, conseguir esta foto. Aqui, na nossa cidade, o Bolsonaro tem uma representatividade muito grande. Isso, sim, claro, trazia um grande impacto para a minha campanha, assim como trouxe no momento em que publiquei a foto”, afirmou à Folha.
O candidato a vereador Lincoln Drumond (DEM), de Coronel Fabriciano (MG), não só fez a foto com o presidente, como também associou a sua imagem à de Bolsonaro com faixa presidencial, com o slogan “Contra tudo o que não presta”.
“Não existe isso de candidato aproveitar o cercadinho para fazer foto com o presidente”, disse Lincoln à Folha. Ele publicou a foto com Bolsonaro em 21 de setembro. No dia seguinte, fez nova publicação anunciando que era pré-candidato a vereador.
“Com humildade, amor e fé em Deus vamos juntos conquistar todos os nossos objetivos”, escreveu Leandro Henrique Lopes (PTB), candidato a vereador em Venâncio Aires (RS), para legendar sua foto com o presidente em frente à residência oficial.
Outro que também fez do mandatário cabo eleitoral foi Luan Cardoso (PSD), que disputa assento na Câmara de Picos (PI). Ele gravou vídeo em que agradece a Bolsonaro pelo auxílio emergencial. “A nossa ligação com o governo federal em busca de uma nova Picos”, escreveu.
A Folha procurou todos os candidatos citados nesta reportagem por meio da rede social em que publicaram foto com Bolsonaro, mas eles não responderam.
O presidente já manifestou, em conversas reservadas, receio de associar a sua imagem a candidatos que desconhece. O temor é que, no futuro, eles possam se envolver em escândalos de corrupção, desgastando a imagem de sua gestão.
Antes do início da campanha, Bolsonaro chegou a dizer que manteria neutralidade no primeiro turno. Ele, no entanto, mudou de posição em cidades nas quais considera que há chances reais de seus aliados serem eleitos.
Em sua live semanal, no fim de setembro, por exemplo, ele disse que poderia atuar para influenciar nas disputas em três cidades: São Paulo, Santos (SP) e Manaus. Na capital paulista, ele tem posado ao lado do deputado federal Celso Russomanno (Republicanos), que lidera as pesquisas.
Na porta do Palácio da Alvorada, Bolsonaro também mencionou o nome de um candidato, Coronel Menezes (Patriota), a simpatizantes de Manaus. No Planalto, ele recebeu o desembargador Ivan Sartori (PSD), candidato em Santos (SP).
Na live da última quinta-feira (8), Bolsonaro fez referências a candidatos a prefeito em Belo Horizonte e Fortaleza. Sem citar nomes, deu informações suficientes para identificar Bruno Engler (PRTB), na capital mineira, e Capitão Wagner (PROS), na cearense.
Fez o mesmo com a Coronel Fernanda (Patriota), candidata ao Senado na eleição suplementar que acontecerá em Mato Grosso.
Ele disse ter gravado vídeo para duas candidatas a vereadora de São Paulo. Bolsonaro já gravou também vídeo para Wal do Açaí (Republicanos), sua ex-assessora-fantasma, que concorre a vereadora em Angra dos Reis (RJ).
O presidente afirmou que anunciará quem são seus candidatos duas semanas antes das eleições. O objetivo de Bolsonaro, de acordo com assessores, é garantir que sua campanha à reeleição em 2022 conte com apoios regionais de peso.
A ofensiva também busca não permitir a eleição de candidaturas municipais alinhadas a eventuais postulantes do campo da direita que possam ameaçar sua reeleição, como João Doria (PSDB), Sergio Moro (sem partido) e Luiz Henrique Mandetta (DEM).
Os aliados do presidente apontam que ele já deixou claro que não tomará partido caso os dois favoritos sejam filiados a siglas que apoiam o governo no Congresso. Ele quer evitar um mal-estar em sua base aliada que possa comprometer votações de interesse do Planalto.