Uma série de erros de digitação ‘transformou’ alguns candidatos das eleições municipais deste ano nos mais novos bilionários do Brasil, pelo menos no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Os concorrentes aos cargos de vereador e prefeito de nove cidades distintas viram seus patrimônios hipervalorizar nas declarações de bens para a campanha eleitoral de 2020. Segundo eles, por um justificado erro de preenchimento, a adição de alguns zeros transformou imóveis em patrimônios bilionários, o que precisa ser corrigido nas próximas semanas, antes do julgamento do requerimento das candidaturas pela Justiça Eleitoral.
O Pará é o estado com mais casos dos supostos “candidatos bilionários”. Ao todo, três concorrentes possuem declarações de bens com mais de nove dígitos. Entre eles, está Adamor Bitencourt, que concorre à vaga de prefeito do município de Abaetetuba pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).
Conforme a Jovem Pan, a lista de patrimônios do candidato inclui itens como quatro terrenos declarados, sendo um deles com valor superior a R$ 15,1 milhões, reserva pessoal de R$ 96 mil e quotas de capital de R$100 mil. No entanto, o imóvel responsável pelo suposto patrimônio bilionário é uma casa em “forma de um polígono irregular de seis lados” com R$ 10,5 bilhões de valor declarado. No total, a declaração do candidato chega a R$ 10.613.585.493,22. Em nota enviada à Jovem Pan, a assessoria de Bitencourt informou que a declaração é “desproporcional” ao seu valor e “fora da realidade”, o que causou “um constrangimento para todos”. Segundo o comunicado, um erro de digitação teria causado a irregularidade, que será alterada em breve.
Valdivino da Sussuapara também é outro político paraense com supostos bens bilionários. Candidato à Câmara Municipal de Santana do Araguaia pelo partido Democratas, ele possuía, no pleito de 2016, bens declarados no valor de R$ 283 mil. No entanto, neste ano, Sussuapara declarou automóveis, um trator, uma fazenda de R$ 11,4 milhões, uma casa de R$ 500 mil e, segundo declaração, 800 bois estimados em R$ 1 bilhão, o que caracteriza a possível irregularidade de preenchimento. Além dele, a candidata Neuza Confecções (PTC) também tem divergências entre as declarações de 2016 e a deste ano. Com apenas um item no documento de bens, a concorrente soma R$ 1 bilhão de patrimônio oriundo de uma casa na rodovia Fernando Guilhon, em Santarém, no Pará.
Em São Paulo, o candidato ao cargo de vereador de Guarulhos, Dr. Antônio Patrício (PSL), teve a irregularidade inserida ao declarar um apartamento. Segundo o documento apresentado, o imóvel seria avaliado em R$ 1,1 bilhão que, somado a um veículo de R$ 170 mil e a um terreno em condomínio de R$ 300 mil, eleva a declaração para R$ 1,570 bilhões. No Rio de Janeiro, no entanto, os valores são ainda maiores. O candidato a prefeito em Angra dos Reis Mario Deschamps (PV) possui uma declaração que soma cerca de R$ 4,913 bilhões, sendo que aproximadamente R$ 4,910 bilhões seriam de um prédio comercial situado na Praia de Botafogo, no Rio de Janeiro. O documento declaratório possui ainda outros imóveis, mas com valores mais reais, como uma casa em Santa Catarina, um apartamento, também em Botafogo, avaliado em R$ 300 mil; uma residência em Angra dos Reis de R$ 400 mil; automóveis, rendimentos de aluguéis, uma loja, aplicações de renda fixa e até um jet ski. À Jovem Pan, o candidato afirmou que a correção já foi solicitada ao Tribunal Regional Eleitoral.
Justificativas
Dos supostos novos bilionários, a maioria alega que um erro de preenchimento levou aos dados incorretos, justificando que a inserção das informações é de responsabilidade do partido – o que é verdade. No entanto, a declaração de bens é um documento que, obrigatoriamente, deve ser assinada pelo candidato. Portanto, os concorrentes deveriam estar cientes das irregularidades, explica o advogado especialista em direito eleitoral, Alberto Rollo. “A declaração de bens, assinada pelo candidato, é uma exigência da lei, está no artigo 11, parágrafo primeiro da Lei Nº 9.504/97. E precisa da assinatura do candidato, porque ele é o responsável pelas informações que estão ali [na declaração]. Só que o formulário é eletrônico, então, pode ser que na hora de preencher, colocou um zero a mais ou a menos, o que é um erro e deve ser corrigido.”
Eugênio Soares Mascarenhas (Avante), conhecido como Eugenio da Rapadura e concorrente ao cargo de vereador em Paracatu (MG), declarou a Fazenda Indaiá, de 120 hectares, no valor de R$ 1,5 bilhão. Segundo ele, o valor correto seria R$ 1,5 milhão. Ao site da Jovem Pan, Eugenio da Rapadura afirmou que “houve um erro no momento de se digitar, e zeros a mais elevaram o valor originariamente declarado ao patamar de bilhões”. O candidato afirma que a correção já foi solicitada e efetivada pela Justiça Eleitoral.
Completando o grupo de nove “bilionários”, em Manaus, o Dr. Sergio Machado (DC), concorrente ao cargo de vereador, informou como patrimônio um apartamento no valor de R$ 1,4 bilhão. Em Formosa, cidade localizada em Goiás, o candidato Antônio Marcos do Banco (PSC) também teve o erro de preenchimento na declaração de um imóvel, com valor inicial declarado de R$ 1,2 bilhão. Com outros patrimônios como terrenos, automóveis, lotes e outras residências, a declaração do candidato a vereador já foi corrigida e a candidatura deferida pela Justiça Eleitoral. A candidata Adriana da Rondônia (Avante), que concorre a uma vaga de vereadora em Ariquemes, cidade de Roraima, declarou como único bem uma participação societária de R$ 1,5 bilhão, que teria sido preenchida de maneira incorreta. Ela também garantiu à reportagem que a correção já foi solicitada.
Assim como Antônio, os outros candidatos também devem ter pressa para fazer as alterações na declaração de valores. Isso porque a mudança deve ser solicitada antes do julgamento da candidatura, que deve acontecer – no máximo – até 26 de outubro. O advogado Alberto Rollo explica que a irregularidade, se corrigida, não arrisca a candidatura eleitoral. Entretanto, é indispensável que os valores corretos sejam informados. “A lei passou a exigir isso [declaração de patrimônio] para que a sociedade possa controlar um eventual enriquecimento sem justificativa. Então a declaração serve como uma fiscalização do eleitor. O que a lei vai cobrar é a verdade. Se não falar a verdade, como é um documento que você assina para a Justiça Eleitoral, aqueles que assinam um documento errado ou falso podem ser processados por crime de falsidade, previsto do Código Eleitoral.”