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domingo 4 de outubro de 2020 às 08:09h

‘Não agi corretamente’, Witzel diz que se precipitou ao revelar que queria ser presidente

NOTÍCIAS, POLÍTICA


Sentado à mesma mesa onde, realça, o presidente Costa e Silva se reuniu com seus ministros no Palácio Laranjeiras, em dezembro de 1968, para aprovar o Ato Institucional Número 5, o AI-5, o governador afastado Wilson Witzel se dispõe a avaliar os próprios erros. Entre afagos no gato Elvis, que sobe no móvel, e baforadas de charuto cubano, reconhece que foi precipitado ao declarar publicamente o desejo de ser presidente da República. Arrepende-se em entrevista ao jornal O Globo:

— Certa vez, uma jornalista perguntou se eu seria candidato à Presidência. Respondi inocentemente que era o sonho de qualquer governador. Hoje reconheço que não agi corretamente. Uma eventual candidatura, seja à reeleição ou a outro cargo, dependeria de articulação política com aqueles com os quais mantive estreitas relações na campanha eleitoral, especialmente a família Bolsonaro.

Entrevista exclusiva com o governador afastado do Rio de Janeiro Wilson Witzel Foto: Chico Otavio
Entrevista exclusiva com o governador afastado do Rio de Janeiro Wilson Witzel Foto: Chico Otavio

Momentos antes, Witzel havia ligado para o pai, José Witzel, de 81 anos, para perguntar sobre o movimento metalúrgico de São Paulo nos anos 1960. Queria comprovar ao visitante que o pai militou com Lula. Mas Seu José aproveitou o telefonema para avisar ao filho que trocará o marcapasso no próximo dia 7.

— Pai, aguenta firme aí. Mamãe também. Quero os dois sentados ao meu lado no Rolls Royce pela Esplanada dos Ministérios — reage Wilson, referindo-se ao tradicional desfile do conversível durante as cerimônias de posse presidencial em Brasília.

Impeachment

Witzel está afastado do cargo há mais de um mês por denúncias de corrupção na Saúde durante sua gestão. A decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi reforçada pelo processo de impeachment aberto na Assembleia Legislativa. Desde então, ele oscila entre o mundo real, que lhe fechou as portas da vida pública, e as utopias. Há momentos em que, em tom grave, descreve as estratégias de defesa e faz autocrítica. Porém, logo em seguida, fala da convicção de reassumir o governo e se vê de faixa presidencial.

Isolado no ambiente luxuoso do Palácio Laranjeiras, onde qualquer detalhe do prédio secular em estilo clássico francês inspira poder e ostentação, Witzel recebeu o repórter do GLOBO na noite de quarta-feira passada com um discreto sorriso sem máscara, uma das mãos estendidas para o cumprimento e a outra segurando um cachimbo. Antes de subir para a biblioteca, seu local de trabalho, pede ao copeiro Anderson para não se esquecer de levar salgadinhos e o seu uísque.

No caminho, exibe o atual livro de cabeceira, “Bolsonaro, o mito e o sintoma”, de Rubens Casara. Nele, o autor estuda as condições que possibilitaram a propagação da campanha bolsonarista e seu “pensamento empobrecido”. Witzel, porém, gosta mais do que está na página 126: “Ao longo da história do Brasil, não foram poucos os episódios em que juízes, desembargadores e ministros das cortes superiores atuaram como elementos desestabilizadores da democracia e contribuíram para a violação de direitos, não só por contrariarem as regras e princípios democráticos como também por omissões”.

O governador afastado sente-se vítima desse processo. Já acomodado, informa antes de começar que a mesa, além de servir ao AI-5, velou o corpo do presidente Emílio Médici — na verdade, o general-presidente velado no Laranjeiras foi Costa e Silva.

— Sempre tive uma motivação idealista na vida. Nasci em lar pobre e, ao contrário de muitos jovens da minha geração, que tinham ódio à ditadura, aprendi com meu pai que os governos militares fizeram bem à nação. Queria ser militar também, para servir ao Brasil do “ame-o ou deixe-o”. Mas não tive sucesso nos concursos públicos. A alternativa foi fazer um curso técnico de agrimensura, onde conheci um professor que mudaria a minha vida.

José Artur Pimentel de Godoy foi, segundo Witzel, um mestre que defendia com ardor a reforma agrária e dizia ao aluno encantado com o regime que os militares brasileiros eram ao mesmo tempo “heróis e diabos”. O professor o convenceu a ler “Brasil nunca mais”, um dos mais importantes livros-denúncia contra os abusos e torturas praticados na ditadura. Após ser apresentado aos porões do regime, Witzel garante que leu também Leonardo Boff, Paul Singer, John Reed e Julio Cortazar.

O garçom chega com uísque, suco, salgadinhos e queijos sortidos. Witzel acende um charuto e bate as cinzas num cinzeiro imenso da famosa marca cubana Cohiba:

— O garçom (Anderson) é pastor. Ele também participa dos cultos de quinta-feira. Não sei se gosta muito de me ver bebendo — brinca.

Até a operação “Tris in idem”, na qual o Ministério Público Federal (MPF) acusou Witzel de chefiar uma organização criminosa que desviava dinheiro destinado à Saúde, as noites de quintas-feiras eram reservadas ao “clube do charuto” — Witzel recebia amigos, ex-colegas da magistratura, advogados e políticos para trocar baforadas e discutir interesses públicos e privados. Agora, os cohibas deram lugar à Bíblia, em cultos sempre abertos com passagens das escrituras lidas pelo governador.

— Não me converti, mas minha mulher aceitou Jesus — disse, referindo-se à primeira-dama Helena Witzel, advogada de formação kardecista que se tornou protestante.

Entrevista exclusiva com o governador afastado do Rio de Janeiro Wilson Witzel Foto: Chico Otavio
Entrevista exclusiva com o governador afastado do Rio de Janeiro Wilson Witzel Foto: Chico Otavio

Apesar da firme convicção de que reassumirá o governo, algumas desilusões abalaram o governador. Ele esperava contribuir para uma união da direita no país, mas hoje se vê como um político de centro. Acreditava na força do Judiciário, mas agora considera suas decisões um risco à democracia. Apostava em Bolsonaro como um líder da América Latina, mas hoje o enxerga por trás da trama que o derrubou. Finalmente, investiu num discurso belicoso para angariar popularidade, porém agora entende que errou no tom.

— Quando comemorei o desfecho do sequestro do ônibus na Ponte Rio-Niterói, festejei a vida dos passageiros que foram salvos pela ação da polícia, não a morte do sequestrador. A mensagem não foi entendida. Por isso, me arrependo do gesto.

Antes de encerrar a entrevista, Witzel explica que o charuto e o uísque não estão ali por acaso. Ele diz que o primeiro-ministro britânico Wiston Churchill tinha os mesmos hábitos. O governador se inspira nele e o considera o maior “ícone na luta contra o ódio e a intolerância”, que, apesar da vitória contra o nazismo, enfrentou no pós-guerra uma forte oposição interna, mas conseguiu superá-la. Witzel acredita que a história lhe reserva destino semelhante.

Acusações de desvios da Saúde

Em duas denúncias ajuizadas pelo Ministério Público Federal (MPF) junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), Wilson Witzel é acusado de chefiar uma organização criminosa responsável por desvio de recursos da Saúde, especialmente verbas destinadas ao combate à pandemia. Ele teria beneficiado, entre outras, organizações sociais e empresas ligadas ao empresário Mário Peixoto. Em troca, Peixoto teria usado laranjas para repassar recursos por intermédio de contratos de prestação de serviços firmados com o escritório de advocacia da primeira-dama, Helena Witzel.

As denúncias fundamentam também a abertura de um processo de impeachment contra o governador na Assembleia Legislativa. Em sua defesa, os advogados do casal afirmam que a investigação não encontrou sinais de enriquecimento ilícito contra Witzel e Helena e que os valores do contrato são ínfimos, se comparados aos desvios apurados.

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