Piauiense, o desembargador Kássio Nunes Marques, de 48 anos, é o mais novo cotado para assumir a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal (STF) com a aposentadoria antecipada do decano Celso de Mello.
Além da larga experiência como advogado e desembargador eleitoral no Piauí, o magistrado compõe, há nove anos e por indicação da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), os quadros do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) – o maior do País em jurisdição territorial, responsável por 13 Estados além da capital federal, onde é sediado.
Desde que assumiu o posto, integrou sessões de Direito Previdenciário, Administrativo e Tributário, além de ter ocupado a cadeira de vice-presidente do Tribunal. As passagens por diferentes áreas do Direito lhe renderam a pecha de magistrado versátil.
Em razão do perfil discreto, ele próprio recebeu com surpresa a investida do presidente Jair Bolsonaro, segundo apurou a reportagem. Entre os colegas de Corte, é tido como uma pessoa simples, humilde, comedida e conhecida pela produtividade.
“Ele tem uma competência inquestionável. O mais importante nessa escolha é que ele não teve apoio político de ninguém. O presidente nessa hora indicou independente disso”, defendeu a desembargadora Maria do Socorro, companheira de trabalho no TRF-1.
Na mesma linha, a desembargadora Ângela Catão, outra colega de Marques, rasgou elogios ao magistrado. “É uma excelente indicação. Muito competente, produtivo, sério e com grande experiência em todas as áreas do direito e do poder público. Teve o meu voto quando concorreu à vaga de Desembargador do TRF-1”, contou.
Segundo o decano do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Jirair Aram Meguerian, Kássio Marques sempre impressionou os colegas de Corte pela clareza, objetividade e juridicidade dos seus votos.
“Fiquei muito feliz pela lembrança do nome dele para ocupar uma das cadeiras do Egrégio Supremo Tribunal Federal, uma vez que é um dos colegas mais qualificados, diligentes, dotado de elevado senso de justiça”, disse.
Apesar da torcida entre os colegas de Corte, a escolha divide opiniões no meio jurídico. Enquanto a indicação agradou aqueles que temiam um nomeado ‘terrivelmente evangélico’, mas sem conhecimento técnico, na forma de aceno à bancada da Bíblia, o núcleo ideológico do bolsonarismo já ensaia uma reação.
Ao Estadão, a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), que anunciou apoio ao atual ministro da Justiça, André Mendonça, na corrida por uma cadeira na Suprema Corte, criticou a sinalização em favor do desembargador. Mendonça é pastor da Igreja Presbiteriana Esperança, em Brasília, e desde que assumiu o cargo no governo passou a atuar em afinidade com a linha ideológica do presidente.
“Em que pese as qualidades do Desembargador Kássio, acreditamos que ele não é o melhor nome que se adeque ao perfil conservador de magistrado que o próprio Presidente Bolsonaro anunciou”, disse o advogado Uziel Santana, que dirige a entidade. “Acredito que o Presidente honrará sua base eleitoral, a começar por esta primeira indicação. E sobre o Ministro André, de fato, ele é o melhor nome neste momento”, completou.
Como mostrou o BRPolítico, o Planalto ainda trata com cautela a escolha, de modo que o nome ainda não é definitivo. Formalmente, a indicação só poder ser feita após a aposentadoria de Celso de Mello, em 13 de outubro – tempo suficiente para testar sua recepção entre a base bolsonarista.
“Ele pode ser bastante atacado até lá.”, avalia Bruno Salles, mestre em direito penal pela USP. Mas, para o advogado, o nome de Kassio conta com apoio relevante de setores evangélicos, católicos e também da comunidade judaica, o que é um ponto a favor para segurá-lo como favorito ao cargo. “É considerado um perfil técnico e teria aceitação entre os atuais Ministros do STF, um fator bastante relevante para a indicação”, pondera.
A reportagem também ouviu um advogado piauiense próximo ao possível futuro ministro. Para o interlocutor, se a indicação se concretizar seria um ‘acerto do presidente’: “Diria que o STF vai estar muito bem servido”.
O conterrâneo de Marques defende ainda que a diversidade é um diferencial para a indicação do desembargador. Segundo ele, o Nordeste tem contribuído com grandes juristas para o País e é ‘importante ter alguém de lá compondo a bancada do Supremo’. A Corte não tem um ministro nordestino desde a aposentadoria do sergipano Carlos Ayres Britto em 2012.
Para o advogado, que preferiu não se identificar, Marques é uma ‘pessoa preocupada com valores morais’. O interlocutor, no entanto, diz que não vê o desembargador como alguém que pode deixar a questão prevalecer sobre a interpretação jurídica da constituição.
Ao longo do dia, notícias sobre o histórico de decisões judiciais do desembargador, incluindo a liberação de uma licitação para a compra de lagostas e vinhos importados pelo STF, e uma entrevista antiga defendendo a prisão após condenação em segunda instância, medida considerada um dos pilares da Operação Lava Jato e derrubada pelo plenário do Supremo em votação apertada no final do ano passado, inflamaram as discussões sobre a indicação.
“A posição divulgada em relação a possibilidade de prisão em segunda instância, me preocupa. Deixa o contexto muito aberto para ser analisado caso a caso. De qualquer forma, parece ser um juiz disponível para opiniões divergentes da sua. Também parece ser discreto. E isso é uma grande qualidade”, opinou a advogada e juíza aposentada do TRF4, Cecília Mello.
Na visão do criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, a indicação é técnica e ‘oportuna’.
“Foi uma escolha surpreendentemente boa, especialmente para quem viu passar como um dos possíveis indicados Moro, Damares, requisitos de pessoas ‘terrivelmente evangélicas’ e a escolha se deu, ao que tudo indica, a um juiz técnico, culto, sério, respeitado, dedicado”, afirmou. “O que estão dizendo aí, que ele é indicado do Ciro Nogueira, na minha visão, pela experiência que tenho de Brasília, de quarenta anos, de ter visto dezenas e dezenas de indicações, é uma injustiça que fazem com ele. Quando ele foi nomeado para o Tribunal Regional Federal da 1ª Região pela Dilma houve muita especulação que ele seria um indicado do governador Wellington Dias. Então isso é prova de quem não conhece muito como se dá esse mecanismo em Brasília”, emendou.
A despedida de Celso de Mello, que esteve no cargo por mais de três décadas, e o ‘peso’ em ocupar sua cadeira também foram lembrados pelos juristas.
“Caso o desembargador Kassio Nunes Marques seja escolhido, ele enfrentará o desafio de ocupar uma cadeira que pertenceu a um dos melhores e mais respeitados ministros que o Supremo Tribunal Federal já teve”, afirma o criminalista Celso Vilardi. “Todavia, o fato de ele ter vindo da advocacia e ter passado pela magistratura, indica que ele terá todas as condições de ser um ótimo Ministro. Essa é uma combinação muito importante para entender a importância das partes no processo; por isso, parece que ele tem um bom potencial para a função”.