A visita do secretário de Estado americano, Mike Pompeo, a Roraima nesta sexta-feira (18) foi duramente criticada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que chamou a presença de Pompeo de uma “afronta” às tradições da política externa brasileira. A vinda do representante do governo de Donald Trump, que esteve também no Suriname e na Guiana e seguirá para a Colômbia, tem como principal objetivo discutir a situação na Venezuela, e acontece a pouco mais de um mês da eleição presidencial americana de 3 de novembro.
No encontro com o chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, Pompeo fez críticas ao presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, a quem chamou de traficante de drogas. No início deste ano, o Departamento de Justiça dos EUA abriu acusações de tráfico contra Maduro e seu círculo íntimo, oferecendo uma recompensa de US$ 15 milhões por sua prisão.
— Não devemos esquecer que ele está destruindo seu próprio país e também é um traficante de drogas. Está impactando na vida dos EUA. Mas vamos tirá-lo de lá — disse.
Para Maia, o Brasil “deve preservar a estabilidade de fronteiras e o convívio pacífico com os países vizinhos”. Ele também citou a Constituição Federal e afirmou que o país precisa seguir os princípios de independência nacional, autodeterminação dos povos, não intervenção e defesa da paz nas suas relações com outros países.
“A visita do Secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, nesta sexta-feira, às instalações da Operação Acolhida, em Roraima, junto à fronteira com a Venezuela, no momento em que faltam apenas 46 dias para a eleição presidencial norte-americana, não condiz com a boa prática diplomática internacional e afronta as tradições de autonomia e altivez de nossas políticas externa e de defesa”, disse Maia em nota.
Segundo o jornal O Globo, Pompeo desembarcou na capital de Roraima por volta das 14h30 e conheceu o trabalho realizado pela Operação Acolhida, força-tarefa criada pelo governo federal em março de 2018 para receber os milhares de imigrantes e refugiados venezuelanos que fugiram da instabilidade política e econômica no país vizinho. Ao visitar um refeitório que atende imigrantes, acompanhado do chanceler brasileiro, Pompeo elogiou os esforços humanitários do Brasil.
Pressão sobre Maduro
Camila Asano, diretora de programas da Conectas Direitos Humanos, no entanto, acredita que há uma “hipocrisia” na visita, já que há seis meses, o próprio governo federal interrompeu parcialmente a recepção aos imigrantes.
A fronteira entre os dois países está fechada desde 18 de março devido à pandemia do coronavírus, e o fluxo de venezuelanos que entram no Brasil caiu bruscamente.
— As regras sobre o fechamento das fronteiras brasileiras têm sofrido flexibilizações ao longo dos últimos meses e hoje permitem a entrada de turistas e investidores por via aérea, mas ainda proíbem pessoas que fogem da crise humanitária na Venezuela de entrar em território nacional — afirmou Asano.
Depois de visitar as instalações, Pompeo se reuniu com o chanceler brasileiro na base aérea de Boa Vista, num encontro que contou com a presença de representantes do Departamento de Estado e da Embaixada dos EUA. Em uma publicação no Twitter, o Itamaraty ressaltou que a reunião serviu para “dar continuidade à ampla parceria” entre Brasil e Estados Unidos, com “destaque para o esforço pela redemocratização” do território venezuelano.
Antes de chegar ao Brasil, Pompeo aproveitou a parada na Guiana para pedir novamente a saída do presidente venezuelano. O chefe da diplomacia americana ainda anunciou que os dois países irão lançar patrulhas marítimas conjuntas com o objetivo de impedir a passagem de drogas perto da disputada fronteira com a Venezuela.
Adiamento das eleições
Maduro reagiu, chamando a visita do secretário de Estado de uma viagem “bélica” que, segundo ele, fracassou:
— Mike Pompeo está em uma viagem de guerra contra a Venezuela, mas o tiro saiu pela culatra. Pompeo falhou em todas as suas tentativas de tentar organizar os governos do continente em uma guerra contra a Venezuela — disse, durante uma videoconferência com militares, transmitida pela TV estatal. — Nem mil Mike Pompeo poderão trazer a guerra à América do Sul.
Um dia antes da visita, o governo brasileiro havia pedido à comunidade internacional para não apoiar as eleições legislativas convocadas pelo “regime ditatorial” de Maduro, acusado por uma missão da ONU de ter cometido crimes contra a Humanidade. Dentre os funcionários citados nominalmente no documento, publicado na quinta-feira, estão Diosdado Cabello, número dois do chavismo e presidente da Assembleia Nacional Constituinte; os Ministros do Interior, Néstor Reverol, e da Defesa, Vladimir Padrino López, e os chefes dos serviços de Inteligência, além de outros 45 funcionários do governo venezuelano.
O tour do representante do governo americano pela região acontece em um momento de tensão política na Venezuela, que se prepara para realizar eleições parlamentares em 6 de dezembro. Enquanto parte da oposição, liderada por Juan Guaidó, afirma que não há condições igualitárias para ir às urnas e anunciou que irá boicotar o pleito, outro grupo opositor, capitaneado pelo ex-governador e ex-candidato à Presidência Henrique Capriles, é a favor da participação nas eleições.
Externamente, Maduro também vem sendo pressionado a adiar as eleições. Na quinta-feira, o Grupo de Contato Internacional, integrado por países da Europa e América Latina, indicou que o atual calendário eleitoral não permite o envio de uma missão de observação eleitoral. Maduro reagiu e garantiu que é “impossível” adiar o pleito. No começo do mês, Caracas convidou a ONU e a União Europeia para participarem como observadores das eleições.
— A União Europeia sugeriu a possibilidade de adiar a data das eleições na Venezuela, mas é impossível porque se trata de uma obrigação constitucional, a Constituição em seu texto diz que em 5 de janeiro de 2021 a nova Assembleia Nacional deve ser instalada — afirmou, na quinta-feira.