Empresas distribuidoras e consumidores disputam na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) os direitos pela maior restituição da história do setor, que pode gerar um desconto médio de 30% nas contas de luz nos próximos meses.
A Aneel estima que a União terá de devolver R$ 50 bilhões às concessionárias por ter cobrado impostos a mais dos contribuintes, segundo decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2017.
O tribunal entendeu que o ICMS, principal imposto estadual, não poderia compor a base de cálculo do PIS e da Cofins, dois tributos federais, como acontecia até então.
O valor a ser devolvido pode ser abatido integralmente das contas de luz. No entanto, as empresas entendem que têm direito a ficar com parte do montante, mesmo que os tributos indevidos tenham sido arcados integralmente pelos contribuintes.
“Se as empresas não tivessem identificado o mal feito dessa cobrança indevida e tomado a iniciativa de recorrer à Justiça para que isso fosse interrompido, o consumidor não veria nenhum desses recursos, zero”, afirma o presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales.
Segundo a Aneel, cada concessionária pleiteia um porcentual diferente dessa devolução:
Algumas querem ser ressarcidas pelos custos processuais, uma vez que a disputa na Justiça durou mais de dez anos;
Outras entendem que deveriam receber um bônus de sucesso, já que foram elas que entraram com as ações para reaver os valores pagos indevidamente pelos consumidores;
E outras afirmam que o consumidor só tem direito, pelas regras do Código Civil, à devolução referente aos últimos dez anos. E que os valores anteriores a essa data deveriam ir para o caixa das empresas.
A Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) se enquadra nessa última opção. “Dos R$ 6 bilhões que o consumidor de Minas Gerais arrecadou e que agora o governo terá de devolver, a Cemig acredita que R$ 2 bilhões devam ser dela”, afirmou o relator do caso na Aneel, o diretor Efrain Cruz.
Cruz manifestou que tem um entendimento diferente da empresa.
“Não há que se falar em prescrição, porque ela [distribuidora] está tutelando um direito que é do consumidor. Então eu diria que, nesse momento, nós devemos ter um raciocínio de utilizar todo esse recurso para atenuar as tarifas no Brasil”, disse.
Procurada, a Cemig ainda não havia se manifestado sobre o assunto até a última atualização desta reportagem.
O relator também não vê necessidade de ressarcir os custos processuais: “A tarifa de energia já remunera as distribuidoras para que elas mantenham os seus jurídicos e todos os custos judiciais. Portanto, seria pagar de forma dobrada.”
A decisão final será tomada pelo colegiado da Aneel, que inclui um diretor-geral e quatro diretores, e deve ser anunciada até o fim do ano.
Desconto na conta de luz
Caso todo o valor seja restituído aos consumidores, a Aneel estima que será possível conceder um desconto médio de 30% na conta de luz. “Se considerarmos que a cada R$ 1 bilhão a gente consegue reduzir a tarifa em 0,6% no Brasil, teríamos facilidade em dizer que R$ 50 bilhões têm capacidade de dar um desconto na ordem de 30%”, calcula Cruz.
O abatimento, porém, deve ser dividido ao longo de alguns anos, segundo o relator, e não vai ser igual para todos os consumidores do país. Isso porque algumas distribuidoras têm processos maiores e mais antigos, como é o caso da Cemig, que deve receber R$ 6 bilhões, e da Enel, de São Paulo, que tem direito a R$ 7 bilhões, segundo números da Aneel.
Já a Cemar, do Maranhão, por exemplo, deve receber R$ 700 milhões. Segundo a Aneel, 49 das 53 concessionárias do país têm valores a serem reembolsados.
Do total estimado de R$ 50 bilhões, a agência afirma que praticamente metade (R$ 24 bilhões) já foi habilitado junto à Receita Federal. Ou seja, as distribuidoras já começarão a ter o recurso em caixa para iniciar as devoluções.
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) defende que o bônus bilionário seja revertido na íntegra aos contribuintes e pede celeridade.
“Há um grande potencial de redução de tarifa e quanto antes isso for feito melhor, porque ajuda nesse momento de crise, no qual os consumidores não tiveram tantas benesses quanto as empresas”, diz o coordenador do programa de energia e sustentabilidade do Idec, Clauber Leite.