Amparados pelo aumento da popularidade injetado pelo auxílio emergencial a informais, aliados do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) decidiram tentar emplacar, no Congresso, pautas que buscam agradar sua base eleitoral, como flexibilização do porte de armas e educação domiciliar.
Segundo o jornal Folha de São Paulo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), sinalizou em conversas reservadas, que pode colocar os dois projetos em discussão, mas indicou esperar que eles sofram alterações.
Embora saibam que as propostas enfrentarão resistência da oposição e mesmo de legendas de centro, articuladores políticos do Planalto avaliam que o momento é ideal para tratar das matérias.
O diagnóstico é feito tanto pela popularidade do presidente como pelo fato de que pela primeira vez Bolsonaro tem uma base de apoio na Câmara, com deputados de partidos do chamado centrão, como PP, PL e Republicanos.
“A gente quer tocar homeschooling [educação domiciliar], armas e trânsito. É uma intenção, e estou construindo, consultando os líderes da base para avançar”, afirmou o deputado Ricardo Barros (PP-PR), nomeado líder do governo na Câmara há menos de um mês.
No ano passado, a primeira tentativa do governo de aprovar o texto das armas foi desidratada pelo Congresso, que autorizou a ampliação do porte e posse de armas apenas por colecionadores, atiradores e caçadores.
Em um acordo com o então líder do governo na Câmara, deputado Vitor Hugo (PSL-GO), Maia se comprometeu a colocar depois em votação a proposta para ampliar porte e posse para certas categorias de servidores públicos.
Neste ano, combinaram que o assunto voltaria à pauta quando a Câmara começasse a analisar propostas sem relação direta com a questão sanitária do coronavírus. Em julho, Vitor Hugo apresentou um requerimento de urgência.
“É preciso discutir o tema para fazer avançar a tese vitoriosa nas urnas, em 2018, com a eleição do presidente e pelo quadro caótico de segurança pública que a gente vive”, disse.
O texto de armas prevê que membros das Forças Armadas e das Polícias Federal, Rodoviária Federal, Civil, Militar e Legislativa, além do Corpo de Bombeiros, poderão comprar até dez armas de fogo de uso permitido ou restrito, assim como munição e outros equipamentos de proteção balística.
Caso comprovem necessidade e peçam autorização para o Comando do Exército, o limite a esses profissionais poderia ser ampliado.
O projeto inclui policiais penais e guardas municipais —independentemente do tamanho da cidade— nas exceções previstas na lei e que podem portar armas no país.
O rol também passa a contemplar peritos criminais, agentes socioeducativos e de trânsito, oficiais de Justiça, agentes de fiscalização ambiental, membros da Defensoria Pública e advogados públicos federais.
Ainda que os aliados do presidente vejam espaço para retomar a articulação para votar o projeto de armas, líderes partidários e representantes da bancada evangélica, que apoia Bolsonaro, ainda mantêm resistência ao tema. O receio, de novo, é que se amplie demais o acesso às armas.
Além disso, a pandemia é apontada como um dos fatores que atrapalham a tramitação do projeto.
“Acho que é uma inversão absoluta da noção de prioridade fazer qualquer acordo para pautar tema relacionado a armas neste momento, quando a prioridade do Brasil tem de ser cuidar da vida, da saúde e do emprego das pessoas. Terá toda minha resistência”, afirma o deputado Marcelo Ramos (PL-AM).
Apesar das dificuldades, o líder do governo no Congresso, o senador Eduardo Gomes (MDB-TO), insiste que há ambiente para a discussão de pautas que falem ao eleitorado bolsonarista.
“Leis e projetos de atendimento direto à Covid, essa demanda específica, que era única, vai diminuir, vai vir para pautas de recuperação econômica e outras coisas”, afirmou Gomes. “A diminuição da discussão só sobre Covid abre espaço para votação dessas outras pautas.”
Também polêmica, a pauta de educação domiciliar não agrada a oposição, mas tem chances de avançar sob o comando de Maia.
Segundo o presidente da Câmara disse a aliados, a quantidade de alunos que precisam estudar de casa em razão da pandemia evidenciou que é preciso discutir o assunto e que ele não seria restrito à pauta de costumes.
Já há requerimento de urgência para o projeto que regulamenta a proposta. Assim como no projeto das armas, a solicitação teve assinatura de líderes do chamado centrão, como Arthur Lira (AL), líder do PP, e Jhonatan de Jesus (RR), líder do Republicanos.
Na semana passada, o deputado Jaziel (PL-RR) tentou fazer o pedido de urgência ser pautado em plenário. Ele precisa ser aprovado para o texto efetivamente tramitar mais rápido.
A proposta a ser analisada é a do deputado Lincoln Portela (PL-MG), que já tem relatório da professora Dorinha (DEM-TO), e à qual foi apensado um projeto enviado pelo governo.
A proposta de Portela prevê que os sistemas de ensino admitam a opção de educação básica em casa sob a responsabilidade de pais e responsáveis, “observadas a articulação, supervisão e avaliação periódica da aprendizagem pelos órgãos próprios desses sistemas”.
Uma dificuldade será a regulamentação da proposta. O relatório da professora Dorinha prevê que o aluno tenha vínculo com o sistema de ensino e integre cadastro nacional, mas esse ponto foi rechaçado por entidades pró-homeschooling.
“A família optante do homeschooling deve estar monitorada para evitar abusos, estupro e a negativa do direito de estudar pelo aluno”, diz Dorinha.
Por esse modelo, a escola poderia fazer visitas e até mesmo suspender o homeschooling. Além disso, o aluno seria obrigado a participar de exames nacionais.
Congressistas de oposição criticam. “Cresce o número de mães solo, que são chefes de família. Nem a mãe nem o pai está em casa para cumprir tarefas essenciais para a educação das crianças”, diz o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP).
“Educação em casa é uma ficção diante da trágica realidade social brasileira.”
Outra prioridade para o governo, o projeto de trânsito —que dobra para 40 pontos o limite na carteira antes de a habilitação ser suspensa— deve ser a primeira pauta defendida por Bolsonaro a efetivamente sair do papel.
O texto, que também aumenta de cinco para dez anos o prazo para renovação da habilitação para motoristas com menos de 50 anos, foi aprovado no Senado no dia 3.
Ao projeto da Câmara, os senadores incluíram uma emenda que torna infração grave transportar embalagem não lacrada com teor alcoólico superior a 0,5 grau —a bebida só pode ser levada no porta-malas.
A expectativa do governo é votar e aprovar a proposta na Câmara nesta semana e que o presidente sancione o texto ainda em setembro.