O pagamento de anúncios em redes sociais, permitido pela primeira vez em uma eleição no Brasil, não está sendo usada só para exaltar candidatos e partidos. Nos 12 primeiros dias de campanha, foram feitas 36 postagens patrocinadas com críticas a presidenciáveis no Facebook.
Até a última segunda-feira (27), tinha sido publicados anúncios com referências negativas a 6 candidatos: Ciro Gomes (PDT), Geraldo Alckmin (PSDB), Guilherme Boulos (PSOL), Jair Bolsonaro (PSL), Lula (PT) e Marina Silva (Rede). Todas as postagens foram pagas por candidatos a deputado federal ou estadual.
Os dados foram levantados pelo portal na Biblioteca de Anúncios, ferramenta do Facebook que permite analisar os posts patrocinados de temas políticos.
A Lei 9.504, conhecida como Lei das Eleições, autoriza que candidatos paguem para impulsionar o alcance de postagens que fazem nas redes sociais. Esses anúncios devem ser claramente identificados, só podem ser pagos por candidatos, partidos e coligações e apenas com o fim de promover ou beneficiar candidatos ou suas agremiações.
Por isso, alguns advogados interpretam que, embora os candidatos fazem críticas a adversários nas redes sociais, só podem pagar para impulsionar postagens positivas sobre si mesmo ou alguém que apoiem.
Outros, por outro lado, consideram que numa interpretação mais ampla é possível entender a crítica a um adversário como uma estratégia para “promover ou beneficiar um candidato” – e, portanto, legítima.
Como o trecho da lei que trata sobre impulsionamento nas redes sociais é novo (de 2017), a Justiça Eleitoral ainda não tomou decisões em casos que indiquem qual será a interpretação da norma em relação a esses anúncios negativos.
Alvos e críticas
O presidenciável mais citado em anúncios críticos no Facebook entre os dias 16 e 27 de agosto foi Geraldo Alckmin (PSDB), em 17 anúncios.
Jair Bolsonaro (PSL) vem na sequência, com 10 menções – todas elas, críticas diretas ao presidenciável. Lula (PT) é citado em 4 anúncios, Marina Silva (Rede), em 3, e Ciro Gomes (PDT) e Guilherme Boulos (PSOL), em 1 cada um.
A maior parte das postagens críticas a presidenciáveis – 21 das 36 – foram pagas por Ivan Valente, candidato a deputado federal pelo PSOL. Destas, 11 foram direcionadas contra Alckmin, mas, em 10 deles, o presidenciável é criticado em anúncios que têm como alvo principal João Doria, candidato do PSDB ao governo de São Paulo, e o presidente Michel Temer (MDB).
Em resposta, a equipe de campanha de Ivan Valente afirmou que vai aguardar a posição dos advogados para decidir se mantém a estratégia das menções aos adversários nas postagens patrocinadas.
As outras 6 postagens que citam Alckmin de forma crítica foram feitas pelo candidato a deputado federal por São Paulo Vinicius Mariani (Novo). O texto diz que “os sindicalistas já estão manobrando com a esquerda e com o Geraldo Alckmin pra voltar o imposto sindical de forma disfarçada”. Em entrevista à GloboNews, o tucano disse ser contra a volta da cobrança.
Mariani afirmou que o artigo 57-D da Lei das Eleições garante a livre expressão de pensamento por meio da internet. O ponto da lei que trata de postagens patrocinadas, entretanto, é o 57-C.
“Ficou claro que o apoio do SD, partido do sindicalista e deputado Paulinho da Força, foi feito tendo como contrapartida a volta da contribuição sindical. Isso é um fato. Para os sindicalistas isso seria um elogio, para as pessoas comuns pode ser uma crítica. Mas acima de tudo, é um fato”, afirmou Mariani.
Os 10 posts críticos a Bolsonaro também foram pagos por Ivan Valente, do PSOL. Todos têm um mesmo texto, que faz referência à denúncia contra o candidato do PSL por racismo. A defesa do presidenciável nega que ele seja racista e diz que a acusação é sem fundamento e um “movimento político”.
Lula é citado em 4, postados por três pessoas diferentes. Marconi Olguins, candidato a deputado federal do RS pelo PSL, pagou para promover uma transmissão ao vivo sobre antecedentes criminais na qual chama o ex-presidente de presidiário – Lula está preso em Curitiba.
Pela Lei da Ficha Limpa, Lula está inelegível, em razão de ter sido condenado criminalmente por tribunal de segunda instância – o ex-presidente foi condenado pelos três desembargadores da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região no caso do triplex. Ele alega inocência. Mas a candidatura do petista ainda será julgada pelo TSE.
Paulo Martins, deputado federal (PSC-PR) e candidato à reeleição, publicou dois anúncios em que critica o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e Lula. E Ivan Monteiro dos Santos, candidato a deputado federal do Rio de Janeiro pelo Novo, trata o ex-presidente ironicamente como “Grande Líder” junto com uma charge que representa o presidenciável.
Procurados, os dois candidatos se mostraram contrários à restrição ao tipo de conteúdo que pode ser publicado nos anúncios.
“A legislação me implica que identifique coligação, quem eu sou e se o post é patrocinado ou não. Ela não diz respeito sobre conteúdo. Em contrário, estaria estabelecendo um censor do TRE [Tribunal Regional Eleitoral] para determinar o que um candidato pode falar e o que ele não pode”, disse Martins.
“Eu não tinha conhecimento dessa parte da lei. Eu vi que o Facebook tinha falado sobre isso, mas achei que fosse uma política interna do site. Avaliando como lei, eu acho complicado restringir o que as pessoas podem ou não falar”, afirma Monteiro.
Marina Silva é alvo de três anúncios com conteúdo crítico. Martins, do PSC-PR, chama a candidata da Rede de “PT com Clorofila”. O terceiro post – chamando-a de “falsa cristã” – foi feito por Alexandre Aleluia, candidato a deputado estadual da Bahia pelo DEM.
Aleluia afirma que impulsinou uma notícia que destacou o posicionamento dele contrário a um candidato a presidente. “Não agredi Marina e, muito menos, publiquei fatos inverídicos. Manifestei minha opinião contrária à dela.”
Martins é ainda responsável por anúncios críticos a Ciro e Boulos. Sobre o primeiro, afirma que a promessa de limpar o nome dos endividados – uma das principais bandeiras de campanha do pedetista – “é uma das maiores picaretagens eleitorais que nós já vimos”. Sobre o segundo, acusa-o de ser “hipócrita”.
Advogados apontam proibição ou limite
Para o advogado eleitoral Hélio da Silveira, o fato de a lei falar em “promover ou benificiar” significa que a propaganda negativa de outro candidato não é permitida.
“O impulsionamento é apenas para mensagens propositivas dos candidatos”, diz Silveira.
O portal também falou com um advogado que pediu anonimato. Para ele, a publicidade negativa nas redes sociais não é permitida pela nova lei.
Mas o texto dá margem a outras interpretações. Ex-ministra do TSE, Luciana Lóssio entende que a legislação não impede de posts com conteúdo negativo contra outros candidatos.
“Acho que aí há um espaço de liberdade, que cabe ao candidato utilizar sem a Justiça Eleitoral se imiscutir nisso (a não ser que haja ilícito, como por exemplo algo passível de direito de resposta). Por outro lado, penso que o Tribunal não verá com bons olhos o impulsionamento de campanha negativa”, diz.
Francisco Brito Cruz, advogado e diretor do centro de pesquisa InternetLab, também vê espaço para a crítica impusionada.
“Em uma interpretação mais aberta, um candidato pode, para se beneficiar, fazer a crítica de outro. Me parece que esse dispositivo está querendo apenas colocar apenas um limite em casos muito extremos de propaganda negativa, que apenas destrua o outro e não coloque nada no lugar. Quando existe algum elemento de comparação, acho que isso se afasta, porque você está de fato beneficiando e promovendo um candidato – no caso em detrimento do outro, mas isso faz parte do processo democrático.”
Em nota, o Facebook informou que cumpre decisões judiciais de remoção de conteúdo específico e que remove conteúdos que ferem as normas internas da rede social e tenham sido denunciados pelos usuários.
Por Rodrigo Ortega, André Paixão e Gabriela Sarmento