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domingo 6 de setembro de 2020 às 10:27h

Documentos levantam suspeita de simulação de partidos na divisão de fundo eleitoral

NOTÍCIAS, POLÍTICA


Se as eleições de 2018 foram marcadas por esquemas de candidatas laranjas nos partidos políticos, as de 2020 já começam sob suspeita de simulação de reuniões para definir os critérios de distribuição do bilionário fundo eleitoral, a maior fonte de recursos públicos para os candidatos a prefeito e vereador.

O jornal Folha de São Paulo, identificou e publicou ao menos quatro partidos que entregaram ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) atas de reuniões partidárias com trechos idênticos entre si, um “Ctrl+C/Ctrl+V” que indica a suspeita de que siglas possam ter burlado exigências legais.

O PSL, por exemplo, saiu da condição de nanico em 2018 e terá neste ano direito à segunda maior fatia do bolo, quase R$ 200 milhões, por ter recebido uma expressiva votação na onda que elegeu Jair Bolsonaro presidente da República.

A ata da reunião em que o partido do deputado federal Luciano Bivar (PE) teria definido as diretrizes para distribuição dos seus recursos, datada de 3 de junho de 2020, traz a transcrição de uma situação que se assemelha nos mínimos detalhes, incluindo praticamente as mesmas palavras e os mesmos erros de português, a uma descrita na reunião do PL, com data de realização de quase um mês antes, 13 de maio.

Os dois partidos ocupam sedes vizinhas, no nono andar de um dos principais prédios de escritórios de Brasília.

A ata da reunião do PL descreve a seguinte cena, que teria se desenrolado às 15h do dia 13 de maio, uma quarta-feira, na sala 903 do Centro Empresarial Brasil 21, região central de Brasília:

“A senhora secretária-geral, Mariucia Tozatti, fez uso da palavra, para destacar a todos os presentes que entendia que o PL deveria, na distribuição de seus recursos, contemplar os mesmos critérios adotados pelo legislador, demonstrando o fortalecimento de suas bancadas no Congresso Nacional”, diz o documento, que prossegue:

“O presidente [José Tadeu Candelária] franqueou a palavra aos demais presentes [não há vírgula] os quais se manifestaram favoráveis às manifestações feitas na presente Sessão. Diante de tais manifestações, o Senhor Presidente sugeriu a suspensão da presente Sessão para que se possa discutir e elaborar uma Resolução Administrativa desta Comissão Executiva Nacional, estabelecendo critérios da distribuição do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). A sugestão foi aprovada por unanimidade dos membros presentes, tendo a Sessão sido suspensa às 15h15”.

A ata da reunião do PSL descreve uma cena incrivelmente similar, que teria se desenrolado às 9h do dia 3 de junho, também uma quarta-feira, em uma sala no corredor oposto ao do PL, a 906, sede nacional do partido.

“O senhor presidente opinou no sentido de que o PSL deveria, na distribuição dos seus recursos, contemplar os mesmos critérios adotados pelo legislador, demonstrando o fortalecimento de suas bancadas no Congresso Nacional”, inicia o texto do PSL.

“O senhor presidente [Luciano Bivar] franqueou a palavra aos demais prestentes [não há vírgula] os quais se manifestaram favoráveis às manifestações feitas na presente reunião. Diante de tais manifestações, o senhor presidente sugeriu a suspensão da presente reunião para que se possa discutir e elaborar uma resolução interna desta comissão executiva nacional, estabelecendo critérios de distribuição do FEFC. A sugestão foi aprovada por unanimidade dos membros presentes, tendo a reunião sendo [sic] suspensa às 10h.”

Para que cada um dos 33 partidos políticos receba a sua fatia do fundo eleitoral —que na eleição de 2020 irá ratear R$ 2,035 bilhões—, é preciso que ele reúna seus dirigentes e aprove uma resolução estabelecendo os critérios que irá utilizar para repassar a verba pública aos candidatos. Após isso, a sigla deve encaminhar toda a documentação ao TSE, além de fazer ampla divulgação em seus canais de comunicação.

O objetivo é aprimorar a gestão do dinheiro público, forçando a transparência e o estabelecimento de regras mais claras, além de tentar combater a tendência histórica de os caciques partidários decidirem, sem qualquer tipo de satisfação pública ou interna, qual candidato terá direito ao dinheiro e qual não terá.

Na prática, porém, algumas siglas optam por critérios vagos e subjetivos —uma muito usada é a da submissão da decisão à “conveniência partidária”, sem detalhes sobre o que isso signifca na prática—, mantendo, assim, o controle sobre o dinheiro nas mãos dos principais dirigentes.

O PSL esteve em 2018 no centro do esquema das candidaturas laranjas, o que resultou em denúncia do Ministério Público contra o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, então presidente da sigla em Minas Gerais, e em indiciamento de Bivar pela Polícia Federal.

Uma das suspeitas foi o repasse de R$ 400 mil de dinheiro público do PSL para uma secretária de Bivar, Maria de Lourdes Paixão, 68, que oficialmente concorreu a deputada federal e teve apenas 274 votos. Os casos foram revelados pela Folha.

O PSL foi uma sigla nanica até 2018. Naquele ano, saltou para uma das maiores do país após a filiação e eleição de Jair Bolsonaro.

No ano seguinte, Bolsonaro, já presidente da República, se desfiliou da legenda após afirmar que Bivar estava “queimado pra caramba”, em uma disputa, entre outros pontos, pelo controle das verbas do partido.

Diante da dificuldade de montar sua própria legenda, a Aliança pelo Brasil, Bolsonaro agora negocia uma possível volta ao PSL.

Além do caso de PSL e PL, a Folha também identificou que o PMB (Partido da Mulher Brasileira) entregou ao TSE resolução em que estabelece como critérios de distribuição de seus recursos os mesmos apresentados à Justiça Eleitoral anteriormente pelo Solidariedade, com as mesmas 79 palavras, respectivas pontuações e uma vírgula colocada exatamente no mesmo local indevido.

“A distribuição de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) será feita pela direção partidária nacional, [sic] levando-se em consideração os seguintes parâmetros, dentre outros fundamentais para o bom desempenho eleitoral do partido: I – histórico político e de militância partidária do candidato ou candidata; II -potencial de votos da candidatura; III –respeito, defesa e fidelidade aos princípios ideológicos, políticos e programáticos do partido; IV –importância do respectivo colégio eleitoral para o planejamento estratégico de fortalecimento do partido; V-estrutura e organização partidária local”, diz a ata da reunião do Solidariedade, o que é repetido ipsis litteris na resolução do PMB.

O PMB foi criado em 2015 e chegou a ter mais de 20 parlamentares —a quase totalidade deles homens— atraídos pela promessa de controle dos diretórios regionais e das verbas públicas do partido. Assim como chegaram, todos saíram um tempo depois e hoje a sigla não tem mais nenhum deputado.

A sigla entregou ao TSE resolução datada de 30 de junho. O Solidariedade informa ter sacramentado suas regras em 8 de junho. Ela repete os termos definidos dois anos antes, em 2018.

Outro lado

A Folha pediu aos partidos acesso a eventuais gravações em áudio ou vídeo das reuniões, mas nenhum deles as forneceu.

O PSL disse não saber informar a razão da coincidência com a ata do PL, se limitando a dizer que a reunião ocorreu nos termos descritos no documento entregue à Justiça.

Em nota, a assessoria de imprensa do PL afirmou que o documento apresentado ao TSE reproduz fielmente a reunião e as decisões tomadas pela sigla. “A redação do texto que consta da ata citada obedece aos critérios exigidos pela legislação vigente e registra, criteriosamente, os termos da decisão liberal para a distribuição do fundo eleitoral, encaminhada à Justiça Eleitoral.”

A Folha encaminhou perguntas para o email da assessoria de imprensa do PMB informado no site do partido, mas não obteve resposta. O telefone informado no site oficial não completa chamadas.

O Solidariedade disse, também por meio de sua assessoria de imprensa, que a reunião de 2020 foi efetivamente realizada de forma virtual, através de aplicativo de videoconferência, em 8 de junho, “exatamente como consta em sua ata, a qual foi devidamente assinada eletronicamente pelos que se fizeram presentes”.

“Não havia obrigatoriedade de que a reunião fosse gravada, sendo certo que a assinatura válida dos presentes supre qualquer questionamento quanto à sua realização e o que fora ali deliberado”, diz a assessoria, ressaltando que o TSE já declarou o partido apto a receber os recursos.

“Imediatamente após a aprovação dos critérios de distribuição dos FEFC, estes foram amplamente divulgados pelo partido, inclusive em seu site. Ou seja, quando o Partido da Mulher Brasileira deliberou a respeito, em 30/06/2020, a resolução do Solidariedade já estava amplamente divulgada há vários dias, além do que a resolução do Solidariedade para as eleições de 2020 em muito se assemelha com aquela aprovada pelo partido para as eleições de 2018. O Solidariedade não pode responder por atos partidários praticados por outras agremiações, sem o seu conhecimento”, finaliza a nota.

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