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terça-feira 25 de agosto de 2020 às 06:24h

Eleição de pessoas trans depende de estratégia e luta

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O educador social Marcel Borges, 29 anos começou sua transição aos 27 anos e mais do que nunca entendeu a importância das políticas públicas na sua vida. “Todos os serviços que atendem a comunidade trans como tratamento hormonal, saúde clínica e mental foram lutas de movimentos da sociedade civil para que que se tornassem serviços”, conta.

No entanto, segundo o Yahoo Notícias, Marcel, assim como grande parte da comunidade trans, sabe que as coisas seriam melhores se as políticas públicas e leis fossem debatidas e criadas por corpos como o seu. “A gente sabe que existe uma bancada conservadora, elitista, transfóbica, lgbtfóbica, racista e enquanto não acontecer de colocarmos pessoas como nós lá, as coisas não vão mudar”, diz.

A questão de representatividade política é o centro de três projetos que Evorah Cardoso, professora e ativista está envolvida: o #MeRepresenta, plataforma que mapeia candidaturas representativas, o #VoteLGBT que fortalece candidaturas LGBT e da Rede Feminista de Juristas (deFEMde) que pensa o Direito a partir da perspectiva de mulheres e para mulheres.

“A gente tem uma sub representação grande de grupos minorizados no geral, mas se a gente somar mulheres, pessoas negras, indígenas, LGBTs, somos maioria e durante muito tempo se discutiu se representatividade política era algo simplesmente simbólico e inspiracional ou se esses corpos carregam também pautas”, aponta Evorah.

A resposta vem da pesquisa realizada pelo #MeRepresenta nas eleições 2018 que aponta que cada grupo defende de forma muito mais concreta suas pautas. Por exemplo, 97% dos candidatos e candidatas LGBT apoiavam o uso de banheiros com qual a pessoa trans se identifica, ao passo que apenas 63% das pessoas não LGBT acreditam que trans podem usar o banheiro que desejam.

Evorah aponta a violência política e a falta de investimento como as principais barreiras de candidaturas de pessoas LGBT. “Elas são as mais atacadas nas redes sociais, mais agredidas verbalmente e culminou inclusive no assassinato de Marielle Franco em 2018; e além da campanha ser muito violenta, os recursos destinados pelo partido para a candidatura, muitas vezes não existem”, explica.

Erika Hilton, pré-candidata a vereadora nas próximas eleições e co-deputada na Mandata Ativista na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo — condição que manterá até o lançamento da pré candidatura —, reforça a questão de financiamento.

“É o desafio de recurso, são candidaturas muito precárias, muito pobres, que são feitas realmente na garra, na necessidade de existir. A gente tem um olhar transfóbico da sociedade para essas candidaturas. Então a gente tem o desafio muito grande que é de conseguir se provar, de conseguir mostrar que de fato nós temos capacidade de colocar no mundo um projeto político inovador, diferenciado, e ganhar a credibilidade das pessoas”, explica indo além e lembrando a barreira inicial que é a própria existência.

“Primeiro nós pessoas trans temos que sobreviver nessa sociedade. Eu acho que esse é o primeiro problema, a gente tem pouquíssimas pessoas, pouquíssimas candidaturas, para qualquer cargo”, afirma.

Segundo a ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), oito candidatas trans conseguiram se eleger em 2016. Diante dos 57.720 vereadores e vereadoras eleitas, o que significa que apenas 0,014% das cadeiras nas Câmaras das cidades brasileiras são ocupadas por pessoas trans. A organização estima ainda que no total, o Brasil conta com 4 milhões de pessoas trans que somam 2% da população.

Até o dia 22 de julho deste ano, a Aliança Nacional LGBTI+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexuais) contabilizou 411 pré-candidatos assumidamente LGBT para as eleições municipais que acontecem em novembro próximo. Desse montante, 18,2% são pessoas transgênero: 58 mulheres trans, 14 travestis e 11 homens trans.

O aumento é considerável: o número total de pessoas LGBT buscando ocupar lugares nas câmaras de vereadores e prefeituras do país cresceu significativamente. Em 2016, a própria Aliança Nacional LGBTI+ junto da ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos) contabilizou 215 candidaturas.

Vale lembrar que todos os levantamentos são a partir da inscrição dos pré candidatos e candidatas no levantamento das organizações, tendo em vista que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), não contabiliza os dados de orientação afetiva sexual e identidade de gênero das candidaturas.

Nem todo corpo político faz política

Outro fator complexo na atuação política de pessoas LGBT é o uso das candidaturas representativas pelos partidos apenas para angariar votos.

”Muito dos sucesso das candidaturas representativas vem das própria candidatura e não conta com suporte nenhum dos partidos que acabam se beneficiando muito mais do que a candidatura, porque na conta, os votos ajudam o partido a se eleger, mas muitas vezes esse mesmo partido não é a favor das pautas desses grupos minorizados”, explica Evorah.

Erika alerta ainda sobre a representatividade esvaziada, marcada só pela presença e não pelo ativismo e atividade política.

“Apesar de todo esse corpo ser político, se ele não faz política e se ele não transforma, ele não consegue revolucionar porque ele é abduzido, engolido pelo sistema que é muito mais forte e organizado do que nós, que estamos aqui na base. Então a representatividade esvaziada, a representatividade só pelo corpo, não transforma, não modifica”.

Marcel cita o caso do ator e influenciador digital trans Thammy Miranda como um dos casos de representatividade não representativa. “Ele foi candidato nas últimas eleições e vai ser nessa pelo PP (Partido Progressista) e pra mim não faz o menor sentido uma pessoa LGBT ser de direita. Ele constrói essa de imagem de ‘família tradicional’ e está em um partido que não apoia os direitos das pessoas como ele”, afirma.

Outro destaque foi o ataque sofrido por Erika Hilton e pela também deputada trans Erica Malunguinho (PSOL) na Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo) pelo deputado Douglas Garcia (PTB, ex PSL) que afirmou que “tiraria transexual a tapa de banheiro feminino” durante a sessão. Douglas é negro e gay.

“O Douglas Garcia e essa trupe PSLista (integrantes do partido PSL) tem muito essa necessidade do holofote, da plateia, do público. Então quando eles têm ali uma oportunidade de protagonizar qualquer tipo de violência, seja contra mim, Malunguinho, ou contra até outras mulheres daquele parlamento, ele o faz, porque ele tem as câmeras”.

Segundo Erika, a constante é o descaso pelas pautas, de dificultar o andamento das propostas e projetos e menosprezo das discussões. “No cotidiano da Assembleia Legislativa, nas comissões e em outros espaços essa violência é muito mais simbólica, do que declarada, do que explícita, como foi esse episódio”, relata.

Avanços

Nas eleições de 2018, três pessoas trans foram eleitas para as Assembleias Legislativas, Erica Malunguinho e Erika Hilton, ambas em São Paulo, e Robeyoncé Lim, em Pernambuco. As duas últimas obtiveram a elegibilidade por meio das chamadas candidaturas coletivas, pela qual uma pessoa assume o posto, mas conta com mais uma equipe de co-deputados e deputadas para o mandato, permitindo assim maior representatividade nas atuações.

“Essas campanhas tiveram sucesso por conta das estratégias inovadoras como mandatos coletivos que une pautas e coletivos. São novas lógicas de se fazer política, uma campanha coletiva é como a gente faz para quebrar essas barreiras de acesso, são mais competitivas porque entendem que individualmente não é possível se eleger mas se unem para realmente defenderem suas pautas e a de outros grupos”, explica Evorah.

Outro passo dado foi o reconhecimento do nome social no título de eleitor, e consequentemente nas candidaturas, conquistado nas eleições de 2018. Na ocasião, o #VoteLGBT aliado a juristas eleitorais e a então senadora Fátima Bezerra (PT) realizaram uma consulta pública ao TSE apontando a transfobia pela reconhecimento exclusivo do sexo biológico e não identidade de gênero.

“O TSE concordou e houve uma abertura de um prazo excepcional para que as pessoas trans fizessem a alteração no título de eleitor e em 36 dias, seis mil pessoas o fizeram. Isso foi muito importante não só para as candidatura que tinham seu nome de registro em todo o sistema do TSE, como para eleitores e eleitoras que deixavam de votar ou passam por constrangimento ao se dirigir às urnas”, relata Evorah Cardoso.

Dados recentes da Justiça eleitoral apontam que mais de 9 mil pessoas retificaram seus nomes no título de eleitor.

A atuação de resistência é também outro fator e Erika aponta: “Imagina se esses mandatos progressistas não estivesse ocupando essas cadeiras, o que não seria aceito contra as populações chamadas dissidentes?” diz, lembrando que atualmente pequenas vitórias devem acontecer.

“Trata-se de uma luta incansável e diária para tentar minar as violências que eles querem aprovar em plenário, de ficar freando as negações de direito, o ataque às minorias”.

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