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segunda-feira 10 de agosto de 2020 às 06:27h

Reforma corta R$ 70 bi em benefícios fiscais e pode elevar carga tributária, diz jornal

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Considerados ineficazes e concentradores, incentivos deram salto na gestão PT e chegam a R$ 320 bi

A proposta de reforma tributária do governo federal prevê o desmonte de parte dos R$ 320 bilhões concedidos hoje a dezenas de setores em benefícios tributários, mecanismo considerado vetor de distorções econômicas e concentrador de renda.

Em sua primeira fase, a reforma eliminaria quase R$ 70 bilhões desses incentivos, o que representa cerca de 1% do PIB (Produto Interno Bruto).

Isso ocorreria pela substituição dos tributos PIS e Cofins pela nova CBS (Contribuição sobre Operações com Bens e Serviços), com alíquota de 12%.

Mesmo assim, o total de benefícios tributários permanecerá muito acima do montante de antes dos governos do PT (Lula e Dilma), que escalaram esses incentivos do equivalente a 2% do PIB para 4,5%.

O governo federal alega que a retirada dos benefícios sobre PIS e Cofins não resultará em aumento da carga tributária, mas há dúvidas sobre se parte dos R$ 70 bilhões não ficará no caixa da Receita Federal.

Segundo Claudemir Malaquias, chefe do Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros da Receita, os 12% incidentes sobre a nova CBS foram fixados de modo que o fim dos incentivos não aumente a carga tributária.

“O ganho fiscal [com o fim dos incentivos] foi convertido em uma alíquota menor. Ela teria de ser superior a 12% para termos ganhos de arrecadação”, afirma.

A CBS prevê o fim de um complicado sistema de uma centena de regimes especiais que representam os benefícios tributários —e a eliminação da cobrança do tributo “por dentro”, que inclui o valor do próprio imposto em sua base de cálculo.

Estudo da Fundação Getulio Vargas sustenta, no entanto, que a primeira fase da reforma proposta pelo governo (a fusão de PIS e Cofins na nova CBS) elevaria o recolhimento federal em R$ 50,3 bilhões.

A nova CBS pesaria mais nos serviços consumidos pelos que pagam mensalidades escolares, profissionais de saúde, advogados e arquitetos, entre outros.

Muitas dessas atividades recolhem hoje 3,65% de PIS/Cofins e distribuem cerca de 85% do que faturam sem pagar impostos.

Malaquias afirma que não haverá aumento da carga porque a base de incidência da nova CBS em relação ao PIS/Cofins foi reduzida de R$ 8 trilhões para cerca de R$ 6,2 trilhões —o novo tributo, portanto, alcançaria menos pagantes.

Apesar do fim dos benefícios hoje incidentes sobre PIS e Cofins, a CBS manterá alguns incentivos e regimes especiais correspondentes aos antigos impostos, a um custo fiscal anual de R$ 55,4 bilhões.

Com a nova CBS, ficam mantidos, por exemplo, os benefícios na tributação de micro e pequenas empresas pelo Simples (R$ 28,3 bilhões) e na cesta básica (R$ 16 bilhões).

A Zona Franca de Manaus também segue incentivada, com um total de R$ 9,6 bilhões. Nesse caso, os produtores terão um crédito presumido de 25% da nova CBS incidente sobre a venda de produção própria.

A agricultura/agroindústria e os transportes coletivos também mantêm incentivos, de R$ 804 milhões e R$ 694 milhões, respectivamente.

O objetivo do Ministério da Fazenda é que o total de benefícios tributários no Brasil diminua dos atuais 4,2% do PIB (R$ 320 bilhões) para 2% em dez anos, meta que chegou a constar na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2019.

Alguns economistas consideram fundamental a redução desses incentivos, que seriam concentradores de renda (pois protegem setores específicos) e teriam gerado poucos benefícios em termos de atividade econômica e aumento da arrecadação.

“Em um sistema normal, a tributação deve ser igual para todos, com transparência e sem uma inacreditável quantidade de casos com regras particulares”, diz Marcos Lisboa, presidente do Insper e colunista da Folha.

Lisboa costuma usar a expressão “meia-entrada” para descrever o processo em que alguns grupos obtêm privilégios e benefícios do governo que acabam distorcendo e debilitando a economia.

Para o economista Alexandre Manoel, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), embora o fim dos benefícios possa resultar em aumento da carga tributária, ele é bem vindo por tratar todos os agentes econômicos “horizontalmente”.

Manoel suspeita que boa parte da diminuição da capacidade do governo nos últimos anos de produzir superávits primários (economia para reduzir a dívida pública) tenha relação com o aumento dos benefícios tributários, que diminuíram a receita federal.

“Isso ocorreu sem que houvesse ganhos para o PIB ou na arrecadação”, afirma.

Análise recente do Banco Mundial sobre os resultados das política de benefícios fiscais de Brasil, Austrália, Canadá, Coreia do Sul, Holanda e México concluiu que apenas o caso brasileiro resultou em uma combinação de aumento dos gastos tributários e redução da arrecadação.

Para Felipe Salto, da IFI (Instituição Fiscal Independente), do Senado, o Brasil deveria ter uma avaliação periódica dos resultados de seus incentivos, a exemplo da chamada “spending review” (revisão de gastos) adotada pelos países avançados.

“O Brasil tem um engessamento de quase 94% de sua despesa total, e o pequeno espaço que sobra deveria ser direcionado às políticas que apresentem melhores resultados.”

Os benefícios tributários no Brasil representam cerca de 23% das receitas administradas pela Receita Federal e, do ponto de vista regional, também são considerados fontes de desigualdades.

Segundo estudo do Ministério da Economia, os estados mais pobres, como Maranhão, Piauí, Acre, Alagoas, Pará e Paraíba, receberam menos de um terço da média nacional dos benefícios tributários per capita em 2018.

Já Amazonas (por causa da Zona Franca), Santa Catarina e São Paulo se beneficiaram mais de renúncias tributárias proporcionalmente ao que contribuíram para o PIB.

Para o economista Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central e colunista da Folha, a revisão e a diminuição dos benefícios tributários são bem-vindas. Mas ele considera difícil o Brasil escapar, neste momento, de uma elevação da carga tributária como resultado da reforma de seu sistema de impostos.

“Não vejo como o Brasil atravessar esse período de forte aumento do endividamento público [por conta das medidas contra os efeitos da Covid-19] sem uma elevação de impostos no curto prazo”, afirma.

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