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quinta-feira 23 de julho de 2020 às 09:17h

Igreja de Edir Macedo processa ex-aliado por uso de símbolos e até pela ‘marca’ Jesus Cristo

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A Igreja Universal do Reino de Deus, comandada pelo líder religioso Edir Macedo, decidiu brigar na Justiça com o ex-número dois da instituição, o bispo Romualdo Panceiro, pelo uso de marcas e símbolos supostamente pertencentes à denominação, inclusive “Jesus Cristo” e “Pomba”.

Apontado por Macedo como o seu sucessor, Panceiro rompeu com o antigo chefe e lançou, no início de junho, a sua própria igreja.

O nome é praticamente idêntico ao da Universal: Igreja das Nações do Reino de Deus. A nova denominação usa como um de seus símbolos uma pomba branca, semelhante à utilizada pelo grupo de Macedo, embora esteja junto de uma cruz.

No caso de Jesus Cristo, o questionamento é motivado pela representação gráfica do nome, que segundo a Universal seria muito similiar à sua.

A Universal entrou, então, com uma ação na 1ª. Vara Empresarial e de Conflitos Relacionados à Arbitragem do Fórum Cível de São Paulo reivindicando o direito de imagem.

A igreja de Macedo afirmou ter o registro das marcas “Universal”, “Universal Igreja do Reino de Deus”, “Universal Jesus Cristo é o Senhor” e “Reino de Deus”.

Também disse que Panceiro utilizou “indevidamente” as marcas e outros símbolos da Universal, como “Jesus Cristo” e “Pomba”, segundo o texto da ação judicial, para “solicitar doações de fiéis por meio de depósitos bancários, induzindo-os a erro”.

A Universal requereu a concessão de tutela de urgência para que Romualdo e a Igreja das Nações “se abstenham imediatamente de utilizarem indevidamente e de maneira não autorizada o nome, imagem e marcas registrada da entidade religiosa”, a fim “de obter vantagem econômica indevida ao induzir fiéis”.

A juíza Paula da Rocha e Silva Formosa, no entanto, indeferiu a imediata suspensão do uso do nome. Panceiro disse na terça-feira (21), por meio de um porta-voz, não ter sido notificado oficialmente.

“Não sei do que se trata o processo, mas estou perplexo com essa atitude. Eu só quero fazer uma coisa: com base na Bíblia sagrada, ganhar almas falando da fé”, declarou. Procurada, a Universal não retornou até o fechamento desta reportagem.

‘Concorrência’ próxima

O ex-número dois na hierarquia da Universal inaugurou a sua igreja na avenida Celso Garcia, no bairro do Brás, região central de São Paulo, nas proximidades do Templo de Salomão, o gigantesco centro religioso erguido por Edir Macedo.

Ex-responsável pela Universal no Brasil e em Portugal, Panceiro deixou a instituição em 2018. Estava na igreja havia mais de 30 anos. Sua saída foi atribuída oficialmente a “condutas inadequadas”. Fora flagrado em adultério, segundo ex-colegas.

Em um vídeo divulgado no YouTube em 2018, Macedo confirmou o seu desligamento e o chamou de Sambalá — o personagem da Bíblia considerado traidor, que se opôs à obra de reconstrução do muro de Jerusalém.

Em uma gravação, disse que o ex-aliado estava “no inferno”. Em um culto no Rio de Janeiro, no ano passado, atacou novamente Panceiro e outro ex-bispo da igreja, João Leite.

Disse que os dois eram “pastores apagados” e viviam “em pecado”, “na rua da amargura”. Panceiro, segundo Macedo, teria se envolvido “com mulheres da rua”.

Macedo tinha uma avaliação de Panceiro completamente diferente até há alguns anos. Na biografia O Bispo, escrita em parceria com o jornalista Douglas Tavolaro e lançada em 2007 (Editora Larousse), apontou Panceiro como “o maior milagre da Igreja Universal”.

E anunciou: “Se eu morrer hoje, o Romualdo assume tudo. E tenho certeza de que os demais bispos irão respeitá-lo como me respeitam hoje. A Igreja Universal não é um trabalho pessoal, mas uma obra espiritual”, garantiu.

Além da falha comportamental apontada, o que mais pesou no afastamento de Panceiro foi a desistência de Macedo de alçá-lo ao posto de líder máximo da igreja no futuro. Macedo passou a dar maior espaço e visibilidade na igreja ao bispo e genro Renato Cardoso, casado com a sua filha Cristiane.

Cardoso foi consolidado como o herdeiro, o futuro comandante do império de Macedo, um conglomerado que abrange, além da igreja, a TV Record, o Banco Renner (agora Digimais) e dezenas de empresas nos mais diversos ramos, de hospitais e plano de saúde a seguradora e companhias de transporte e segurança.

Com o genro no comando, Macedo optou por deixar a igreja e os negócios com a família. A ascensão de Cardoso desagradou profundamente Panceiro, gerando atritos com o antigo líder.

Outros religiosos antigos e influentes na Universal têm feito oposição ao crescimento de Cardoso, gerando desgastes e riscos de novas rupturas.

Apesar de não ser ainda tão conhecido fora do mundo evangélico, Panceiro é visto como uma forte liderança da Universal, com ascendência sobre muitos bispos e pastores — pois ajudou a formar muitos deles —, e com poder e prestígio suficientes para arrebanhar uma leva significativa de fiéis. Internamente, tinha uma liderança maior do que, por exemplo, o bispo Valdemiro Santiago, que rompeu com Macedo e fundou, em 1998, a Igreja Mundial do Poder de Deus.

O outro concorrente da Universal mais conhecido é o missionário RR Soares, cunhado de Edir Macedo e fundador da denominação, hoje, à frente da Igreja Internacional da Graça. RR era o número um da Universal quando saiu, em 1980.

“Eu passava os finais de semana me drogando. Meu pai era louco. Eu não tinha o que comer. Não havia futuro para mim”, contou o então aliado de Edir Macedo, na obra O Bispo.

De mero frequentador da igreja, tornou-se evangelista, depois obreiro e pastor. Dirigiu uma igreja em Copacabana, no Rio. Chegou a bispo e acumulou poder na hierarquia. Mas a relação entre ele e Macedo estremeceu. Chegaram a ter discussões ásperas, segundo ex-colegas.

No início do mês, Panceiro utilizou a sua conta no Instagram para responder a ataques que teria sofrido de Macedo.

Segundo ele, Macedo teria, em uma reunião de pastores, lhe chamado de “endemoniado” e rotulado a sua igreja de “botequim”.

O ataque teria sido motivado pelo telefonema de um fiel que denunciara um suposto aliciamento de Panceiro a pastores da Universal, a fim de fortalecer a sua igreja.

“É um desrespeito chamar a casa de Deus de botequim. Eu cometi erros, mas falei dos meus erros ao senhor (Macedo), e pedi perdão. E o senhor disse que eu iria morrer. Essa é a palavra que se deve dar a uma pessoa que cometeu erros, dizer que ela vai morrer? Ou é dar uma palavra de fé para que ela possa se levantar?”, questionou o antigo aliado.

Panceiro considerou que Macedo deveria ser grato a ele por ter devolvido à igreja tudo o que mantinha em seu nome, até sua saída. Entre outros bens, havia emissoras de rádio e TV em Campos, no Rio de Janeiro.

“O endemoniado aqui que o senhor chama assinou os documentos e passou uma procuração para a igreja, tirando todos os bens do seu nome. Eu poderia ficar com tudo e estar muito bem, mas eu não achei justo”, afirmou Panceiro.

“Com uma procuração, entraram na minha conta. E para validar a situação movimentaram mais de R$ 12 milhões. Fizeram doações para instituições da igreja ou para a própria igreja. Eu tenho provas disso. Tudo isso está declarado no meu imposto de renda. Inclusive, foi feito pela contabilidade da igreja. Eu não fiquei com um tostão”, garantiu o ex-integrante da Universal, na rede social.

Outras disputas

Além de Romualdo Panceiro, outros nove bispos deixaram a Universal nos últimos quatro anos. No ano passado, Rogério Formigoni, ex-apresentador do programa religioso Nação dos 318 (ex-Congresso para o Sucesso), dirigido a empresários e transmitido pela TV Record, foi afastado.

Formigoni abriu recentemente, em Belo Horizonte, a Igreja Hospital da Alma. O ex-bispo da Universal João Leite fundou, também em 2019, no Rio, a Igreja do Tratamento Espiritual.

Vários outros antigos bispos da Universal foram removidos por Macedo nos últimos anos, estrategicamente, para outros países. A ideia era deixar o terreno livre no Brasil para o crescimento de seu genro, Renato Cardoso.

Criticado por atuais e ex-colegas, Cardoso é visto como “inexperiente”, alguém que “não ralou” e não teria contribuído “para o crescimento da instituição”.

As maiores igrejas evangélicas hoje no Brasil são a Assembleia de Deus (12,3 milhões de fiéis), a Igreja Batista (3,7 milhões) e a Congregação Cristã do Brasil (2,2 milhões).

A Universal (1,87 milhão) é a quarta, e a maior entre as chamadas neopentecostais. São as igrejas que enfatizam a cura e o milagre e se identificam com a Teologia da Prosperidade, doutrina que considera a riqueza material uma benção de Deus.

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