Após negociações frustradas e interferência do governo estadual, a Ford se encaminha para concretizar a venda de sua antiga fábrica em São Bernardo do Campo (Grande São Paulo).
A montadora anunciou nesta sexta-feira (19) a assinatura de um memorando de intenções com a Construtora São José, que deve utilizar o espaço em um novo empreendimento logístico.
Outras grandes empresas já haviam sido cotadas para assumir a planta, mas, pela primeira vez, a Ford confirma que o negócio está prestes a ser fechado.
Em um comunicado, a montadora informa que “o acordo é resultado de um processo de seleção que envolveu uma série de potenciais compradores, no qual a Construtora São José apresentou a melhor alternativa para a planta e para a região”.
A conclusão do processo depende de uma diligência conjunta, procedimento padrão que deve durar 90 dias. O negócio é avaliado em cerca de R$ 500 milhões, mas a Ford não revela os valores envolvidos.
A montadora surpreendeu o mercado em fevereiro de 2019, quando anunciou o fechamento da fábrica de São Bernardo. A unidade produzia caminhões e o hatch compacto Fiesta, que foi um dos carros mais vendidos da marca no país.
A notícia inseriu o Brasil nos planos globais de corte das fabricantes de automóveis e virou questão política. A montadora empregava 3.000 trabalhadores diretos e 1.500 indiretos na cidade da Grande São Paulo.
Logo após o anúncio, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), afirmou que iria colaborar na busca de um comprador para a planta de São Bernardo.
Em março, o governo anunciou o lançamento do programa estadual IncentivAuto, pacote de benefícios fiscais para manter e atrair negócios da indústria automotiva. A sanção só ocorreu sete meses depois.
O primeiro candidato a adquirir a unidade de Sâo Bernardo foi o grupo Caoa, que produz modelos das marcas Chery e Hyundai nas cidades de Jacareí (interior de São Paulo) e Anápolis (GO).
As negociações ocorreram sob pressão do Governo Federal, que chegou a cogitar a cobrança de incentivos concedidos à Ford para a construção da planta de Camaçari (BA), onde são produzidos os modelos EcoSport e Ka.
Doria também aumentou a pressão para a conclusão da venda. Em setembro, foi anunciado um processo de diligência conjunta entre Ford e Caoa. O governador desejava que o desfecho da operação ocorresse em outubro.
Entretanto, o negócio esfriou com o passar dos meses. Em dezembro, durante encontro com jornalistas, Carlos Alberto de Oliveira Andrade, fundador do grupo Caoa, disse que as chances de a operação ser concretizada eram remotas.
Em janeiro, Doria admitiu que o grupo Caoa havia desistido da compra. Na época, o governador afirmou que havia duas outras montadoras chinesas interessadas na fábrica.
A reportagem apurou que a principal candidata na época era a BYD, que monta ônibus elétricos em Campinas (interior de São Paulo). O objetivo era aproveitar a estrutura de São Bernardo para produzir caminhões, que também seriam movidos a eletricidade.
O negócio não foi adiante mais uma vez, e o assunto foi suplantado pela pandemia do novo coronavírus– que trouxe problemas bem maiores para toda a indústria automotiva.
Caso a Construtora São José conclua o processo de compra, a Ford ganhará fôlego para investir no mercado da América do Sul. A montadora está com uma linha de produtos demasiadamente enxuta, sem possibilidade de concorrer em segmentos de grande volume e alta rentabilidade.
É o caso do nicho dos utilitários esportivos de porte médio. A empresa ainda não oferece um concorrente para disputar mercado com Jeep Compass, Volkswagen Tiguan e Chevrolet Equinox.
Para ocupar esse espaço, a Ford lançará primeiro o Territory, SUV de origem chinesa, e depois um segundo modelo de maior porte. Os modelos devem ter produção dividida entre Argentina e México e estrear entre o segundo semestre de 2020 e o primeiro trimestre de 2021.
Ainda há a possibilidade de um terceiro utilitário esportivo ser produzido na região, provavelmente em Camaçari (BA). Seria um modelo maior que o EcoSport, pioneiro entre os jipinhos urbanos nacionais.