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sábado 16 de maio de 2020 às 16:57h

O que Bolsonaro procura em um novo ministro da Saúde

DESTAQUE, POLÍTICA


Cloroquina, isolamento social, gravidade da covid-19. O presidente Jair Bolsonaro tem uma visão sobre esses temas e como enfrentar a pandemia. Já seus dois últimos ministros da Saúde tinham outra. Nesta sexta-feira (15), divergências sobre esses aspectos provocaram a queda de Nelson Teich meros 27 dias após a sua nomeação.

Antes dele, Luiz Henrique Mandetta já havia deixado o cargo. A segunda queda ocorre no momento em que o país acumula mais de 14 mil mortos por covid-19, dentro de um ritmo que chega a 800 óbitos por dia.

Teich havia sido nomeado em abril com a expectativa de um maior alinhamento com Bolsonaro, que contrariando o consenso científico, vem defendendo uma adoção ampla da cloroquina no tratamento da covid-19, um isolamento parcial de grupos de risco e minimizando a gravidade da pandemia.

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O ex-ministro, um bem-sucedido médico da área privada mas sem experiência no setor público, não chegou a escancarar publicamente suas discordâncias com Bolsonaro de maneira tão explícita como Mandetta. Na sua coletiva de despedida, nem sequer explicou os motivos da saída, mas mais uma vez ficou claro que Bolsonaro só aceita a manutenção de ministros que aceitem uma subordinação completa ao chefe.

Em disputas que resultaram na queda de outros ministros, Bolsonaro conseguiu impor novos nomes que acabaram cumprindo ou silenciando sobre seus planos. A saída de Sergio Moro da Justiça marcou a entrada do até agora dócil André Mendonça, que não se opôs às trocas na Polícia Federal. A queda de Santos Cruz da Secretaria de Governo em junho de 2019, retirou do governo um crítico da rede de apoio radical do presidente na internet. No lugar, entrou Luiz Eduardo Ramos, que nunca mencionou o assunto.

O desempenho de Teich era criticado por autoridades estaduais e membros da comunidade médica, em especial em relação à lentidão no aumento do número de testes e na compra de respiradores, mas esses fatores não parecem ter pesado no desgaste com Bolsonaro.

Entre os cotados para o lugar de Teich estão o general Eduardo Pazuello, que ocupa a secretaria-executiva na pasta. Mas, quem quer que seja o nomeado, parece certo que ele não durará no cargo se não estiver alinhado com o presidente nos temas abaixo:

Procura-se um promotor da cloroquina

Bolsonaro mencionou a cloroquina pela primeira vez em 21 de março, dois dias depois de o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, falar sobre o fármaco. Fã declarado do americano, o brasileiro logo abraçou com entusiasmo o remédio, normalmente usado no tratamento da malária, artrite e lúpus.

Mesmo antes de Trump falar da droga, o suposto potencial da cloroquina já vinha sendo propagado em círculos de extrema direita na internet que promovem teorias conspiratórias e desconfiança contra o establishment científico.

Para Bolsonaro, a existência de um suposto tratamento eficaz se encaixou na sua estratégia de instar os brasileiros a voltar ao trabalho. “Ele quer um medicamento para que as pessoas sintam confiança, para retomar a economia. E isso a pessoa fica na sua tranquilidade achando que o medicamento resolve o problema”, disse nesta sexta o ex-ministro Mandetta ao jornal Correio Braziliense.

Transformada em arma política, a cloroquina ainda não demonstrou sucesso em estudos pelo mundo. Duas pesquisas recentes não encontraram relação entre o uso e a redução da mortalidade pela covid-19 e também apontaram para efeitos colaterais graves. Por conta de resultados assim, a Organização Mundial da Saúde continua a apontar que “não há tratamento específico para a doença causada pelo novo coronavírus”.

A falta de comprovação científica não inibiu Bolsonaro, que ainda em março transformou a cloroquina em um novo tema da sua “guerra cultural”. No dia 29 de março, ele afirmou que a droga seria uma “cura”. “Deus é brasileiro, a cura tá aí”, disse. “Está dando certo em tudo que é lugar.” Ele também apareceu segurando caixas do remédio, o que provocou uma corrida às farmácias.

Bolsonaro ainda usou um pronunciamento em cadeia nacional para promover a droga e ordenou que os laboratórios das Forças Armadas passassem a produzi-la em larga escala. Nas redes sociais, membros do seu círculo radical e apoiadores passaram a atacar figuras que pediam cautela na adoção generalizada, afirmando que eles “torciam pelo vírus”. Alguns apoiadores subiram a hashtag #RemédiodoBolsonaro. No meio dessa discussão, temas como falta de respiradores, leitos de UTI e outras medidas parecem ter ficado em segundo plano nas prioridades do presidente.

Mandetta, o antecessor de Teich, não compartilhava o entusiasmo de Bolsonaro pelo remédio. No final de março, ele afirmou que a cloroquina não era “uma panaceia” e advertiu sobre os riscos de automedicação. Nos bastidores, ele também resistiu a endossar um decreto que estava sendo preparado pelo Planalto para liberar profissionais da saúde e pacientes graves da doença a usar a cloroquina.

Ele chegou a ceder um pouco. No dia 7 de abril, apontou que médicos poderiam prescrever cloroquina desde que eles se responsabilizassem. Não foi suficiente. As diferenças sobre a cloroquina e outros pontos acabaram provocando a queda de Mandetta.

Nas últimas semanas, Trump deixou de lado seu entusiasmo inicial pela cloroquina e parou de mencionar o remédio. Bolsonaro chegou a seguir o exemplo por alguns dias na segunda metade de abril, mas a queda de braço com Teich escancarou que continuou um entusiasta do remédio. Nos últimos dias, passou a cobrar a adoção de um protocolo para que o medicamento seja ministrado também para os casos leves da covid-19.

Na terça-feira, Teich expôs sua posição (e pareceu selar o seu destino) ao advertir sobre os riscos da cloroquina no Twitter. “Um alerta importante: a cloroquina é um medicamento com efeitos colaterais. Então, qualquer prescrição deve ser feita com base em avaliação médica”, escreveu.

Nesta sexta-feira, antes da saída de Teich, Bolsonaro já havia avisado que o protocolo sobre uso da cloroquina no tratamento de pacientes com covid-19 seria alterado para se adequar à sua visão.

Contra o isolamento social

No início de março, quando o Brasil passou a registrar as primeiras mortes por covid-19, governadores e prefeitos brasileiros impuseram medidas drásticas de isolamento, como proibição de viagens interestaduais e fechamento do comércio. No início da segunda quinzena de março, Bolsonaro já começou a afirmar que as medidas prejudicariam “o trabalhador” e que os governadores estavam sendo levados pela “histeria”.

Nas redes sociais, apoiadores do presidente, instigados por contas ligadas à família Bolsonaro, passaram a pedir o impeachment de governadores e a organizar carreatas para pedir o fim das medidas de isolamento. O presidente chegou a falar por vídeo com os participantes de uma carreata em Manaus.

A campanha se intensificou no final de março, quando Bolsonaro transformou sua oposição às medidas de isolamento estaduais em ações sistemáticas, passando a visitar lojas e provocar aglomerações no Distrito Federal. Nas ocasiões, defendeu repetidamente que a população voltasse ao trabalho. O primeiro passeio, em 29 de março, ocorreu logo depois de o então ministro Mandetta reforçar, em coletiva, que a população ficasse em casa.

Bolsonaro vem defendendo uma forma de isolamento parcial (ou vertical), que incluiria apenas idosos e pessoas com doenças crônicas, uma medida que vai na contramão das ações que vêm sendo tomadas pelos países mais atingidos pelo coronavírus. O presidente chegou a afirmar friamente em que “alguns vão morrer”, mas que não se pode “parar uma fábrica de automóveis porque tem mortes no trânsito”.

Mandetta chegou a endossar algumas críticas de Bolsonaro aos governadores, afirmando que qualquer medida drástica, como fechamento de rodovias, não poderia ser tomada unilateralmente, e no início de abril chegou a dizer que o isolamento poderia ser afrouxado em locais onde o sistema de saúde não estivesse sob pressão. Por outro lado, nunca adotou a mesma retórica incendiária do presidente e nunca defendeu o isolamento vertical. O então ministro também desafiou o presidente ao defender medidas de distanciamento social e afirmar que a população deveria ouvir os governadores.

Teich, o sucessor de Mandetta, foi nomeado para encontrar uma fórmula de enfrentamento da pandemia que conciliasse a continuidade da economia. Ele disse na posse que havia um “alinhamento completo” entre ele e Bolsonaro, mas logo passou a sinalizar divergências e reconheceu a eficácia de medidas de isolamento. “Não tem como ter liberação de isolamento quando há uma curva em franca ascendência”, disse no final de abril. No início de maio, disse que o “lockdown”, o tipo de isolamento mais duro, poderia ser necessário em alguns lugares.

Minimizar a pandemia

Bolsonaro já chamou a covid-19 de “gripezinha” e “resfriadinho” e classificou a pandemia de “histeria”. Em março, ele também pôs em dúvida, sem apresentar qualquer prova, o número de casos do novo coronavírus no estado de São Paulo, que lidera o número de mortes no país. “Não tô acreditando nesses números de São Paulo”, disse em entrevista à TV Bandeirantes. “Para nós, aqui no Brasil, pode ser que não seja tudo isso que aconteceu em alguns países”

Ele também já disse, novamente sem apresentar provas ou qualquer estudo, que a maioria das mortes na Itália, um dos países mais atingidos pela pandemia no mundo, “não tiveram nada a ver com o vírus”.

Quando Mandetta ainda ocupava a pasta de Saúde, as redes ligadas à família Bolsonaro criticavam o ministério por não destacar o número de “curados” da covid-19. Recentemente, a Secretaria de Comunicação do Planalto passou a divulgar um “Placar da Vida” para chamar a atenção para esses números. Membros do governo continuam a usar a internet para questionar a quantidade de mortes.

Nesta sexta-feira, uma coletiva do Ministério da Saúde liderada pelo Walter Braga Netto, tentou vender a versão de que o país tem proporcionalmente bem menos mortes do que vários países europeus afetados pela pandemia, como se a situação não fosse tão ruim e o governo estivesse no caminho certo.

No final de março, Mandetta, sempre sob pressão de Bolsonaro, chegou a abraçar rapidamente a cartilha bolsonarista, afirmando que a imprensa era “sórdida” por supostamente só publicar notícias negativas, como “óbitos”. “Nunca vai ter que as pessoas estão sorrindo na rua. Senão, ninguém compra o jornal”. Ele se desculpou depois e logo voltou a destacar a gravidade da pandemia.

Com Teich, também houve um desalinhamento em vender “boas novas”. No início de maio, Teich admitiu que o Brasil poderia chegar a marca de mil mortos por dia. No fim de semana em que o Brasil superou a marca das 10 mil mortes, ele foi o único membro do governo a se manifestar, citando o a “tristeza e sofrimento” após a “terrível marca” ter sido atingida. Bolsonaro, em contraste, passeou de jet ski no mesmo fim de semana e só comentou o assunto na última segunda-feira, aproveitando a ocasião para afirmar que mais mortes vão acontecer se a economia permanecer parada. As informações são do DW.com.

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