Nos últimos dias, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) passou a receber políticos do chamado “centrão” e a negociar cargos federais com os chefes destas legendas. Depois de uma série de derrotas do governo no Congresso, o Planalto quer reconstruir sua base de apoio na Câmara e no Senado — e também mira a disputa para o comando das duas casas do Legislativo, no começo de 2021.
Segundo a BBC Brasil, o movimento acontece ao mesmo tempo em que Bolsonaro e seus apoiadores radicalizam o discurso e aprofundam os ataques contra adversários políticos, como o atual presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Durante a quarta-feira (22), a hashtag #MaiaTraidorNacional foi mencionada ao menos 173 mil vezes no Twitter, e figurou na lista dos assuntos mais comentados do dia na rede social. No último fim de semana, Bolsonaro criticou a “velha política” ao discursar para apoiadores em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília.
“O Bolsonaro subiu na picape (no domingo, 19 de abril) dizendo que ‘não negociava nada’. Agora, está aí pedindo currículo de gente para indicar no governo”, ironizou um político de centro-direita ouvido pela BBC News Brasil.
Segundo congressistas e pessoas que trabalham na articulação política do governo, o principal negociador pelo lado do governo nas tratativas com o “centrão” é o ministro da Secretaria de Governo, o general da reserva Luiz Eduardo Ramos.
A “luz amarela” acendeu-se no Palácio do Planalto depois que os deputados impuseram ao governo uma derrota na votação do plano de ajuda de R$ 90 bilhões aos Estados e municípios, na última segunda (13). Na ocasião, a posição governista foi preterida por 431 votos a 70.
Na luta para ganhar musculatura no Congresso, o Planalto não conta só com a simpatia do general Ramos e de Bolsonaro. Segundo os jornais brasileiros, o governo está negociando o comando de órgãos federais com legendas do centrão, como PP, PL e Republicanos.
Estariam na mesa o controle do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS); do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE); da Fundação Nacional de Saúde (Funasa); do Banco do Nordeste e do Departamento Nacional de Infraestrutura em Transportes (Dnit); além de cargos no segundo escalão do Ministério da Saúde, na gestão do oncologista Nelson Teich.
O teor das negociações foi publicado pela BBC News Brasil.
Na noite de domingo (19), Bolsonaro também fez um aceno ao cacique do PTB, o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB). O presidente fez uma transmissão em suas redes sociais na qual aparecia, no Palácio da Alvorada, assistindo a um vídeo ao vivo de Jefferson. No trecho divulgado, o petebista acusava Rodrigo Maia de tramar um “golpe parlamentarista” contra o presidente da República.
O chefe de um dos partidos envolvidos nas negociações diz que não há qualquer contradição nas ações de Bolsonaro. O presidente está “cortando a intermediação” feita por Rodrigo Maia entre o governo e os deputados do centrão.
“Em relação aos demais partidos do ‘centrão’, o que está havendo é que o Rodrigo Maia está deixando de ser um intermediário. Ele era intermediário. Agora não é mais. Aí acho que a relação (entre o governo e os deputados) tende a melhorar”, diz o líder partidário.
“Está meio que havendo uma cisão. Agora vamos ter o Centrão 1 (ligado a Maia) e o Centrão 2 (dos demais partidos), por assim dizer”, diz ele à BBC News Brasil, sob condição de anonimato.
No jargão da política, o termo “centrão” é uma designação pejorativa usada para referir-se a partidos conservadores sem orientação ideológica clara, que costumam buscar proximidade com o Executivo em troca de cargos e outras benesses. Partidos como PP, PL, PSD, PTB, Republicanos, PSC, Pros, Solidariedade, PEN, PTN e PHS, entre outros, costumam ser enumerados entre os integrantes do grupo, embora os dirigentes dessas legendas geralmente rejeitem a alcunha.
Política não parou em meio à pandemia
Na quarta-feira (22), Bolsonaro recebeu o presidente nacional do MDB, o deputado federal Baleia Rossi (SP), e o líder do partido no Senado, Eduardo Braga (AM). Nesta quinta (23), Bolsonaro deverá se encontrar com o presidente nacional do Democratas, o prefeito de Salvador (BA), ACM Neto.
No caso de MDB e DEM, políticos ligados às duas legendas negam que cargos estejam sendo negociados.
“O MDB não tem nenhuma intenção de indicar qualquer cargo no governo. Acho que este tema não deve nem circular neste momento, porque estamos no meio de uma pandemia, uma situação na qual a população está sofrendo. Portanto o MDB não pede, não reivindica e não ocupará qualquer cargo”, disse Baleia Rossi a jornalistas, depois da reunião com Bolsonaro.