Já se sabe que a covid-19 tende a afetar mais os velhos e aqueles com doenças associadas, as chamadas comorbidades. Mas desde que o coronavírus se alastrou e provocou mortes em mais de uma centena de países, uma pergunta vem intrigando cientistas de todo o mundo: por que homens estão morrendo mais do que as mulheres?
A tendência foi observada inicialmente na China, onde o surto teve origem. Depois, se refletiu em países como França, Alemanha, Irã, Itália, Coreia do Sul e Espanha.
E também no Brasil. Segundo últimos dados do Ministério da Saúde, 58% dos óbitos por covid-19 foram de pacientes do sexo masculino.
O número surpreende ainda mais quando se leva em conta que, no país, há 4 milhões mais mulheres do que homens acima dos 60 anos – faixa etária a partir da qual a maior parte das mortes por covid-19.
Cientistas ainda não sabem dizer ao certo por que isso vem ocorrendo.
Mas apostam que a resposta não está em um único fator, mas possivelmente numa combinação deles: biologia, estilo de vida e comportamento poderiam explicar o caráter “sexista” da covid-19.
Estilo de vida pouco saudável?
Uma primeira explicação veio da China. Naquele país, estudos preliminares mostraram que os homens corriam muito mais risco do que as mulheres em relação ao coronavírus.
Um levantamento com 99 pacientes em um hospital na cidade de Wuhan, origem do surto, descobriu que dois terços dos pacientes eram homens e mais da metade dos doentes hospitalizados tinham doenças crônicas como cardiopatias ou diabetes.
Dados mais recentes do Centro de Controle e Prevenção de Doenças chinês, baseados em dezenas de milhares de casos, revelaram que 64% dos mortos por covid-19 eram homens.
A causa mais provável teria a ver, então, com o estilo de vida. Ao redor do mundo, homens tendem a beber e a fumar mais do que as mulheres e, portanto, ficam mais suscetíveis a desenvolver doenças pulmonares e cardiopatias, o que os fragilizariam caso contraíssem o coronavírus.
Os números embasavam essa constatação: 48% dos chineses acima de 15 anos fumam, contra apenas 2%, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Além disso, fumantes tocam a boca a todo o momento, porta de entrada para o vírus, e têm mais chances de compartilhar cigarros contaminados.
Um estudo com 1.099 pacientes na China com covid-19, publicado na revista científica New England Journal of Medicine, em fevereiro deste ano, revelou que 26% daqueles que precisam de cuidados intensivos ou morreriam eram fumantes.
E, num contexto mais amplo, também há o fator comportamental: estudos mostram que homens lavam menos as mãos do que as mulheres, tendem a usar menos sabão, assim como deixam de ir ao médico com regularidade e ignoram os alertas das autoridades de saúde.
Mas outros aspectos começaram a ser considerados a partir do momento em que o coronavírus cruzou as fronteiras da China e atingiu outros países.
Na Coreia do Sul, por exemplo, embora mulheres sejam 61% dos casos confirmados, 54% dos mortos são homens.
Já na Itália, sete em cada dez óbitos por covid-19 são de pacientes do sexo masculino, embora 28% dos homens e 19% das mulheres fumem.
E na Espanha, o número de homens mortos é o dobro do de mulheres.
Então, o que explicaria essa diferença?
Segundo os cientistas, o motivo seriam diferenças biológicas entre homens e mulheres.
Pesquisas mostraram que as mulheres geralmente têm sistemas imunológicos mais fortes do que os homens e, portanto, debelam infecções com mais facilidade.
“Sabemos cada vez mais que há diferenças de gênero substanciais na resposta imune para uma gama de infecções e, no geral, as mulheres reagem mais forte e agressivamente”, diz à BBC Philip Goulder, professor de Imunologia na Universidade de Oxford, no Reino Unido.
De acordo com estudo recente publicado na revista científica Human Genomics, o cromossomo X contém um grande número de genes relacionados à imunidade e, como as mulheres têm dois deles (os homens só tem), largam na frente no combate a doenças.
“Especialmente, genes que decodificam a proteína que detecta os vírus, como o coronavírus. Isso significa que a resposta que as mulheres vão ter contra esse vírus será, de forma geral, mais forte do que a dos homens”, explica Goulder.
Pesquisas também descobriram que o estrogênio, hormônio sexual muito mais prevalente nas mulheres, protegeu fêmeas de camundongos infectadas pelo vírus da SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave), causada por outro tipo de coronavírus e responsável por um surto em 2003.
Durante essa epidemia, os homens também tinham uma taxa de mortalidade muito superior à das mulheres.
O mesmo ocorreu durante o surto da Mers (Síndrome respiratória do Oriente Médio) que surgiu em 2012 na Arábia Saudita e se espalhou por outros países da região.
Até durante a gripe espanhola de 1918, que matou 50 milhões de pessoas ao redor do mundo, homens eram mais propensos a morrer do que mulheres.
Além disso, a testosterona, hormônio sexual mais predominante nos homens, tende a ser imunossupressora. Essa é a razão pela qual homens com níveis mais altos de testosterona tendem a responder pior à infecções respiratórias, por exemplo.
‘Mais dados’
Contudo, apesar das evidências cada vez mais crescentes, especialistas dizem que mais dados são necessários para determinar por que morrem mais homens do que mulheres de covid-19.
Recentemente, o Global Health 50/50, um instituto de pesquisa ligado à Universidade College London, no Reino Unido, analisou os dados públicos disponíveis de 20 países com o maior número de casos confirmados de coronavírus até o dia 20 de março.
O objetivo era entender por que mais homens estariam morrendo de covid-19 do que mulheres.
Desses 20 países, apenas seis tinham dados por gênero tanto para casos confirmados quanto para mortes – China, França, Alemanha, Itália, Irã e Coreia do Sul. Outros sete somente para o número de casos confirmados.
O levantamento ainda não foi submetido a nenhuma revista científica para publicação e tampouco revisado.
“Quando observamos os dados desses países, a taxa de mortalidade dos homens por covid-19 pode superar a das mulheres em um patamar que varia de 10% a 90%”, diz Sarah Hawkes, professora de saúde pública global na Universidade College London (UCL), no Reino Unido, à emissora americana CNN.
Especialistas acreditam que, se mais países tivessem informações mais detalhadas por gênero, governos poderiam basear-se nesses dados para formular políticas públicas de combate ao coronavírus.
“O que a covid-19 revela é um caso clássico de falha no uso de dados para a tomada de decisão. Sabemos o sexo de cada paciente. Mas os dados não são coletados e analisados sob o prisma do gênero”, diz à CNN Kent Buse, cofundador do GH5050 e diretor da Unaids, agência da ONU para a Aids.
“Todos os dados sobre risco, capacidade de recuperação, grau de infecção são cruciais em uma pandemia”, acrescentou Arthur Kaplan, professor de Bioética na Universidade de Nova York, nos Estados Unidos, à emissora americana.