Como forma de se proteger do contágio do novo coronavírus, as famílias brasileiras passaram a adotar medidas de isolamento e distanciamento social. Em meio a essas medidas, um dado tem chamado atenção das autoridades públicas do país: de acordo com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, o Ligue 180, que recebe denúncias de violência contra a mulher, registrou um aumento de quase 9% no número de ligações com denúncias desse tipo de ocorrência.
Para a senadora Rose de Freitas (Podemos-ES), que está à frente da Procuradora Especial da Mulher do Senado, a informação é um alerta para que União, órgãos e agentes da justiça estejam atentos a essa questão. A senadora descreveu como “cruel” um cenário onde a mulher, diante de uma pandemia, além de tentar se proteger da doença e resguardar seus familiares, ainda possa ser vítima de agressão física ou psicológica.
Segundo ela, é preciso garantir o pleno funcionamento das delegacias, estimular as denúncias e assegurar que o agressor seja afastado do lar, preservando a segurança e a vida das mulheres.
— É preciso estimular que todas elas continuem fazendo a denúncia. Isso vai permitir que o flagrante seja executado com maior facilidade e o agressor seja retirado de casa. Esse é um problema social que deve ser resolvido — argumentou.
Apesar de o Senado priorizar, neste momento, a votação de matérias de amparo social às famílias de baixa renda, de amparo aos trabalhadores e de reforço orçamentário para a área da saúde, devido à situação de calamidade pública, Rose de Freitas defendeu a inclusão dos projetos de combate à violência doméstica que já tramitam na Casa na pauta emergencial.
— Outras medidas podem ser votadas na pauta emergencial. Podem e devem ser votadas. Podemos muito bem fazer uma pauta paralela, um braço dessa pauta emergencial, com medidas que ampliem essa rede de proteção à mulher — disse.
De acordo com a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos do Ministério da Mulher, entre os dias 1º e 16 de março a média diária de ligações recebidas foi de 3.045, com 829 denúncias registradas. Já entre os dias 17 e 25 deste mês foram registradas 3.303 ligações recebidas, com 978 denúncias registradas.
No Twitter, o senador Luiz do Carmo (MDB-GO) destacou esses números e a importância de realizar a denúncia. “Dados oficiais já registram aumento de violência doméstica durante o isolamento nos estados de Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná. Em Goiás, temos que ficar de olho. Em meio a essa crise, o que menos precisamos é de outra tragédia. Não podemos descuidar desse tema. Se você souber de algo, denuncie no número 180.”
Projetos
Uma das iniciativas que tem como objetivo o combate à violência doméstica é o Projeto de Lei (PL) 1.012/20, da senadora Kátia Abreu (PP-TO). Esse projeto cria o Cadastro Nacional de Pessoas Condenadas por Crime de Feminicídio, Estupro, Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (CNPCMulher). O texto, protocolado pela Mesa do Senado na última quinta-feira (26), determina que a ferramenta seja um instrumento de cooperação celebrado entre União e entes federados, para uniformização e consolidação das informações que subsidiem as políticas públicas de combate à violência contra a mulher.
Entre os dados a serem incluídos no cadastro estão: idade; raça ou etnia; profissão; escolaridade; identificação datiloscópica (dos condenados em segunda instância por esse tipo de crime); identificação do perfil genético (caso condenado por estupro); fotos do condenado; local de moradia e atividade laboral desenvolvida nos últimos três anos (caso esteja em livramento condicional).
Ainda de acordo com o projeto, as responsabilidades pelo processo de atualização e validação das informações a serem inseridas na base de dados serão da União e dos estados. Os custos relativos a desenvolvimento, instalação e manutenção do cadastro seriam bancados com os recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública ou outra fonte de recursos que vier a substituí-lo.
Nos estados e municípios, segundo a senadora, as estatísticas relacionadas à violência contra as mulheres e às políticas públicas voltadas ao seu enfrentamento variaram muito nos últimos anos. Na sua avaliação, a ausência de um banco de dados adequado, com informações uniformizadas, dificulta o combate a esse tipo de problema. “O projeto tem por finalidade criar mais um instrumento para inibir a violência contra a mulher, garantindo a elas o direito à vida, à saúde e à integridade física e moral, de modo a fortalecer as políticas públicas de enfrentamento a esse fenômeno”, afirmou ao justificar o projeto. A matéria aguarda sua distribuição nas comissões para o início de sua tramitação.
Delegacias da Mulher
Também tramita no Senado o PL 781/2020, projeto de lei do senador Rodrigo Cunha (PSDB-AL) que destina recursos da União para a criação de delegacias especializadas de atendimento à mulher nos estados. A proposta estabelece que essas delegacias prestarão assistência psicológica e jurídica às vítimas de violência física ou moral. Seu funcionamento seria ininterrupto, inclusive em feriados e fins de semana, e o atendimento seria feito em sala reservada, preferencialmente por policiais do sexo feminino.
Os recursos para garantir pelo menos uma delegacia em cada microrregião dos estados, conforme a proposta, serão repassados pela União por meio do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP). Os estados teriam cinco anos para criar as delegacias especializadas. De acordo com a Pesquisa de Informações Básicas Municipais e Estaduais (Munic) de 2019, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), não há delegacia especializada de atendimento à mulher em 91,7% dos municípios brasileiros.
Feminicídio
Já na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) tramita o PL 6.410/2019, da senadora Daniella Ribeiro (PP-PB), que obriga todo feminicida a ressarcir o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) pelo pagamento de benefícios previdenciários. No texto, a senadora estabelece que a Previdência Social ajuizará ação regressiva contra os responsáveis nos casos de feminicídio, independentemente de pertencerem à família da vítima. O objetivo, segundo ela, é dar a esse tipo de delito uma evidência ainda maior e distingui-lo das outras formas de homicídio previstas na legislação penal, principalmente diante de um cenário de crise e de aumento de denúncias de agressão.
— Todas as medidas que possam coibir a violência contra a mulher são necessárias, em especial neste momento em que o período de convivência doméstica é maior por conta da necessidade de conter o avanço do [novo] coronavírus. O projeto que apresentei é uma iniciativa para tentar conter o crescente número de feminicídios no país. O feminicida precisa arcar com todas as consequências do seu ato criminoso — afirmou.
Na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) ainda tramitam outras matérias que reforçam a legislação de combate à violência contra a mulher. Entre elas, o Projeto de Lei do senado (PLS) 446/2018, que considera crimes hediondos a lesão corporal gravíssima e a lesão corporal seguida de morte quando praticadas contra mulher, criança ou maior de 60 anos. O texto é da senadora Rose de Freitas. Seu relator é o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
Outra matéria é o PLS 47/2012, que prioriza o atendimento policial à mulher idosa vítima de violência. De acordo com o texto, a prioridade vale inclusive para municípios que não contam com serviço especializado de atendimento à mulher. O projeto é do senador Ciro Nogueira (PP-PI). Seu relator é o senador Humberto Costa (PT-PE).
Campanhas
Ao identificar um maior número de relatos de violência doméstica nestes últimos dias, órgãos da justiça vem intensificando campanhas de conscientização da população e de divulgação dos canais de denúncia, bem como orientações sobre seu funcionamento.
O Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), por exemplo, criou a campanha “Quarentena Sim! Violência Não”. Já o Núcleo de Apoio à Mulher do Ministério Público de Pernambuco (NAM/MPPE) lançou a ação “Mulher, você não está sozinha!”. Com conteúdos veiculados nas redes sociais e nas rádios, essa campanha informa os canais de denúncia que estão à disposição das mulheres, como o Disque 190 (Polícia), o Ligue 180 (Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência) e outros contatos locais, como os que podem ser encontrados na Ouvidoria da Secretaria da Mulher de Pernambuco e no site do MPPE (www.mppe.mp.br).
Como denunciar
Os casos de violência doméstica podem ser denunciados pelo Ligue 180, que é um canal gratuito e confidencial. Por meio dele também são oferecidas orientações sobre serviços de atendimento à mulher e seus direitos. Administradas pela Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, o Disque 100 e o Ligue 180 funcionam 24 horas por dia, todos os dias, inclusive finais de semanas e feriados. Podem ser acionados de qualquer lugar do Brasil e de vários países do exterior. Esses canais de atendimento têm a função de acolher as denúncias, registrá-las, analisá-las e encaminhá-las aos devidos órgãos competentes.