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quinta-feira 26 de março de 2020 às 06:01h

O que diz a Ciência sobre 6 pontos do discurso de Bolsonaro

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Em pronunciamento pela televisão na última terça-feira (24/03), o presidente Jair Bolsonaro atacou governadores, criticou o fechamento de escolas e comércio, e disse que o Brasil deveria “voltar à normalidade” mesmo em meio à pandemia do novo coronavírus.

A fala rapidamente provocou repúdio de parlamentares, profissionais de saúde, opositores e até aliados do presidente.

Nas redes sociais, simpatizantes de Bolsonaro elogiaram o tom de preocupação com a economia, mas também criticaram o pronunciamento.

“Não me arrependi de ter votado no Bolsonaro, mas esse posicionamento dele diante do covid19 tá dando uma vergonha fora do normal”, disse um usuário.

A BBC News Brasil analisou trechos do discurso do presidente à luz das evidências científicas divulgadas até agora e da experiência de outros países. Confira abaixo. A íntegra do discurso está no final da reportagem.

Jair Bolsonaro: Mas o que tínhamos que conter naquele momento era o pânico, a histeria e ao mesmo tempo traçar a estratégia para salvar vidas e evitar o desemprego em massa. Assim fizemos, quase contra tudo e contra todos. Grande parte dos meios de comunicação foram na contramão. Espalharam exatamente a sensação de pavor, tendo como carro-chefe o anúncio do grande número de vítimas na Itália. Um país com grande número de idosos e com um clima totalmente diferente do nosso.

A Itália é hoje o país com o maior número de mortos por covid-19 (mais de 6,8 mil), a doença causada pelo novo coronavírus. O país ultrapassou a China, epicentro da pandemia, nesse quesito no dia 19.

De fato, a Itália tem uma grande população de idosos (23%). Proporcionalmente, é a segunda maior mundo, depois do Japão (27%). Aproximadamente, um a cada quatro italianos tem mais de 65 anos. No Brasil, essa proporção é de um a cada dez (14%).

O país, assim como o restante da Europa, está agora na primavera, mas o surto de coronavírus teve início durante o inverno, quando as temperaturas dificilmente ultrapassam 15 graus, especialmente no norte do país, a região mais afetada até agora. Gripes e resfriados também são mais comuns durante o inverno.

O alto percentual de idosos da Itália, no entanto, não é a única explicação para o número elevado de mortes. O segundo país mais afetado da Europa, a Espanha, com 43 mil casos confirmados até agora, tem, proporcionalmente, a 14ª maior população de idosos.

Já a Alemanha, apesar de sua enorme população de idosos (21%), tem até agora uma das mais baixas taxas de mortalidade entre os maiores países da Europa.

A quantidade de leitos de UTI disponíveis, 25 mil, comparada à de países como a Itália, 5 mil, vem sendo apontada como uma das razões. Ou seja, o Brasil pode ter a suposta vantagem demográfica comprometida pela capacidade do sistema de saúde.

Ainda que idosos sejam o principal grupo de risco da doença – têm mais chances de desenvolver os sintomas mais graves e morrer em decorrência dela, não são os únicos afetados pelo novo coronavírus. Qualquer pessoa com doenças pré-existentes, independentemente de sua faixa etária, também.

Além disso, na semana passada, a OMS (Organização Mundial da Saúde) emitiu um alerta aos jovens.

“Tenho uma mensagem para os mais jovens: vocês não são invencíveis; o vírus pode colocá-los no hospital por semanas ou até matá-los. Mesmo se vocês não ficarem doentes, as escolhas que vocês fazem sobre aonde vão podem significar a diferença entre a vida e a morte para outra pessoa”, disse o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus.

Em entrevista recente à BBC News Brasil, Willem van Schaik, professor do Instituto de Microbiologia e Infecção da Universidade de Birmingham, no Reino Unido, disse “ser muito errado pensar que aqueles abaixo de 50 anos sempre vão ter sintomas leves: haverá indivíduos mais jovens e muito doentes também e eles vão precisar de tratamento”.

Embora o risco de morte por covid-19 entre aqueles abaixo de 50 anos, especialmente os mais jovens, de até 30 anos, seja extremamente raro, o problema é que eles, justamente por serem menos suscetíveis a desenvolver os sintomas mais graves da doença, acabam expondo-se mais ao risco e, como resultado, podem ocupar leitos que poderiam ser destinados àqueles que mais precisam.

Em relação ao clima, não há garantias de que temperaturas mais amenas interrompam o surto. Vale lembrar que uma variedade diferente de coronavírus — causador da Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers), por exemplo — surgiu no verão, na Arábia Saudita. Além disso, é em abril que o número de infecções respiratórias começa a subir no Brasil, principalmente no sul do país.

Bolsonaro: É essencial que o equilíbrio e a verdade prevaleçam entre nós. O vírus chegou, está sendo enfrentado por nós e brevemente passará.

O primeiro caso de coronavírus confirmado no Brasil foi o de um empresário de 61 anos de São Paulo que viajou à Itália e voltou ao país no início de março com os sintomas da doença. A primeira morte, um homem de 62 anos, também de São Paulo, foi registrada no dia 17.

Desde então, já houve transmissão comunitária do vírus — quando ele já circula livremente e já não é mais possível rastrear a origem de todos os casos confirmados.

O Ministério da Saúde vem tomando medidas para mitigar o contágio, como distanciamento social e regulamentação da telemedicina.

Mas em países que já sofreram — ou estão sofrendo — a pior fase da pandemia, o vírus não sumiu naturalmente. Tampouco conseguiram debelá-lo “brevemente” sem tomar medidas duras.

A China, por exemplo, isolou várias cidades com milhões de habitantes e construiu hospitais em menos de uma semana para lidar com a emergência. Foram necessários três meses desde o início do surto para que o país não mais registrasse casos locais, o que aconteceu no dia 19 de março.

Já a Coreia do Sul, considerada um exemplo no combate à pandemia, dado o baixo número de mortos, apesar do alto número de infectados, realizou testes em massa.

“A Coreia do Sul monitora 10 mil pessoas por dia, muitas das que tiveram resultados positivos apresentaram sintomas leves”, explicou à BBC Benjamin Cowling, professor de epidemiologia da Universidade de Hong Kong.

Além disso, dados mostram que a curva de contágio no Brasil segue a mesma tendência observada em outros países do mundo, com o número de casos confirmados dobrando inicialmente a cada três a quatro dias.

Bolsonaro: Nossa vida tem que continuar. Os empregos devem ser mantidos. O sustento das famílias deve ser preservado. Devemos, sim, voltar à normalidade. Algumas poucas autoridades estaduais e municipais devem abandonar o conceito de terra arrasada, a proibição de transportes, o fechamento de comércio e o confinamento em massa.

A preocupação com a economia é generalizada em todo o mundo. Na semana passada, o governo federal anunciou um pacote emergencial de R$ 147,3 bilhões contra o impacto do coronavírus. Segundo o ministro da Economia, Paulo Guedes, as ações visam a proteger a população mais vulnerável e manter empregos.

Os Estados Unidos foram além. Congressistas republicanos e democratas anunciaram nesta quarta-feira (25/03) um acordo preliminar para um pacote de estímulos econômicos que deve injetar US$ 2 trilhões na economia.

A imensa maioria dos países que sofreu ou ainda está sofrendo os efeitos perversos do coronavírus não se furtaram a decretar medidas duras, fechando comércios não-essenciais e confinando as pessoas em casa.

Itália, França e Espanha determinaram que a população não saia de casa a não ser para ir ao supermercado, à farmácia ou ao hospital – e ao trabalho para aqueles que prestam serviços essenciais que não possam ser feitos remotamente.

Quem descumprir a ordem está sujeito a multas e até prisão. O objetivo é “achatar a curva”, ou seja, reduzir o número de infectados e evitar a saturação dos sistemas de saúde.

Bolsonaro: O que se passa no mundo tem mostrado que o grupo de risco é o das pessoas acima dos 60 anos. Então, por que fechar escolas? Raros são os casos fatais de pessoas sãs, com menos de 40 anos de idade. Noventa por cento de nós não teremos qualquer manifestação, caso se contamine.

Ainda que as crianças tenham menos probabilidade de desenvolver os sintomas mais graves da doença, podem transmiti-la para os mais velhos. São consideradas, assim, “super-transmissores”.

Além disso, adultos que trabalham nas escolas podem infectar uns aos outros, além de expor a todos (pais, alunos e outros profissionais) ao vírus. Jovens também podem espalhar a doença.

Além disso, segundo a OMS, em 80% (e não 90%) dos casos confirmados de coronavírus, os pacientes tiveram sintomas leves, parecidos aos de uma gripe, e se recuperaram sem ter a necessidade de cuidados intensivos.

Bolsonaro: Devemos sim é ter extrema preocupação em não transmitir o vírus para os outros, em especial aos nossos queridos pais e avós, respeitando as orientações do Ministério da Saúde. No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus não precisaria me preocupar, nada sentiria ou seria quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho, como bem disse aquele conhecido médico daquela conhecida televisão.

Atletas não estão imunes a contrair o coronavírus e a desenvolver os sintomas mais graves da doença. Mas, por serem mais jovens e cuidarem dos pilares necessários para manter uma boa imunidade, podem debelá-la com mais facilidade, dizem especialistas.

Mesmo assim, o nadador sul-africano Cameron van der Burgh, de 31 anos, medalhista de ouro nos Jogos Olímpicos de 2012, contraiu coronavírus e disse estar com problemas para executar tarefas simples.

“É, de longe, o pior vírus que já encarei, apesar de ser um indivíduo saudável com pulmões fortes (não fumar/praticar esporte), viver um estilo de vida saudável e ser jovem”, disse o nadador na última segunda-feira (23 de março).

“Ainda que os sintomas mais severos (febre alta) tenham diminuído, sinto ainda um forte cansaço e uma tosse residual da qual não consigo me livrar. Qualquer atividade física, como andar, acaba me deixando exausto por horas”, acrescentou Van der Burgh, que concluiu: “A covid-19 não é piada”.

Além dele, o francês Earvin Ngapeth, de 29 anos, astro do vôlei, também recebeu diagnóstico positivo de infecção pelo vírus. O campeão mundial afirmou ter passado “três dias complicados” e precisou ser internado.

Em nota, a Sociedade Brasileira de Infectologia disse que “neste difícil momento da pandemia de COVID-19 em todo o mundo e no Brasil, trouxe-nos preocupação o pronunciamento oficial do Presidente da República Jair Bolsonaro, ao ser contra o fechamento de escolas e ao se referir a essa nova doença infecciosa como ‘um resfriadinho'”.

“Tais mensagens podem dar a falsa impressão à população que as medidas de contenção social são inadequadas e que a COVID-19 é semelhante ao resfriado comum, esta sim uma doença com baixa letalidade”, acrescentou a entidade.

Segundo alerta a Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI), a “COVID-19 não é um resfriado, mesmo que muitos infectados apresentem sintomas similares. Ela é uma doença que em sua forma mais grave leva o infectado a um quadro agudo de pneumonia”.

Bolsonaro: Enquanto estou falando, o mundo busca um tratamento para a doença. O FDA [órgão de controle de medicamentos] americano e o Hospital Albert Einstein, em São Paulo, buscam a comprovação da eficácia da cloroquina no tratamento do covid-19. Nosso governo tem recebido notícias positivas sobre este remédio fabricado no Brasil, largamente utilizado no combate à malária, lúpus e artrite.

Pesquisas recentes mostraram resultados positivos, em caráter preliminar, na administração da hidroxicloroquina no tratamento de pacientes com coronavírus.

Uma dessas pesquisas foi publicada por cientistas chineses na revista científica Nature e trouxe conclusões promissoras desse medicamento para combater o novo coronavírus em células do rim de uma espécie de macacos.

No entanto, ainda não há comprovação da eficácia e da segurança da hidroxicloroquina – ou de qualquer outro medicamento – no combate a covid-19.

Nos Estados Unidos, um homem morreu e uma mulher foi internada depois de fazer uso da droga sem supervisão médica.

No Brasil, a notícia de que a medicação poderia combater a doença, após fala do presidente americano, Donald Trump, provocou uma corrida às farmácias e fez com que a Anvisa (Agência de Vigilância Sanitária) restringisse sua venda.

Veja o discurso completo de Jair Bolsonaro:

Desde quando resgatamos nossos irmãos em Wuhan, na China, em uma operação coordenada pelos ministérios da Defesa e Relações Exteriores, surgiu para nós um sinal amarelo.

Começamos a nos preparar para enfrentar o coronavírus, pois sabíamos que mais cedo ou mais tarde ele chegaria ao Brasil. Nosso ministro da Saúde reuniu-se com quase todos os secretários de Saúde dos estados para que o planejamento estratégico de enfrentamento ao vírus fosse construído e, desde então, o doutor Henrique Mandetta vem desempenhando um excelente trabalho de esclarecimento e preparação do SUS para atendimento de possíveis vítimas.

Mas o que tínhamos que conter naquele momento era o pânico, a histeria e ao mesmo tempo traçar a estratégia para salvar vidas e evitar o desemprego em massa.

Assim fizemos, quase contra tudo e contra todos. Grande parte dos meios de comunicação foi na contramão. Espalharam exatamente a sensação de pavor, tendo como carro-chefe o anúncio do grande número de vítimas na Itália. Um país com grande número de idosos e com um clima totalmente diferente do nosso.

Um cenário perfeito, potencializado pela mídia, para que uma verdadeira histeria se espalhasse pelo nosso país. Contudo, percebe-se que, de ontem para hoje parte da imprensa mudou seu editorial: pede calma e tranquilidade. Isso é muito bom, parabéns imprensa brasileira.

É essencial que o equilíbrio e a verdade prevaleçam entre nós. O vírus chegou, está sendo enfrentado por nós e brevemente passará. Nossa vida tem que continuar. Os empregos devem ser mantidos. O sustento das famílias deve ser preservado. Devemos, sim, voltar à normalidade.

Algumas poucas autoridades estaduais e municipais devem abandonar o conceito de terra arrasada, a proibição de transportes, o fechamento de comércio e o confinamento em massa.

O que se passa no mundo tem mostrado que o grupo de risco é o das pessoas acima dos 60 anos. Então, por que fechar escolas? Raros são os casos fatais de pessoas sãs, com menos de 40 anos de idade. Noventa por cento de nós não teremos qualquer manifestação, caso se contamine.

Devemos sim é ter extrema preocupação em não transmitir o vírus para os outros, em especial aos nossos queridos pais e avós, respeitando as orientações do Ministério da Saúde. No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus não precisaria me preocupar, nada sentiria ou seria quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho, como bem disse aquele conhecido médico daquela conhecida televisão.

Enquanto estou falando, o mundo busca um tratamento para a doença. O FDA [órgão de controle de medicamentos] americano e o Hospital Albert Einstein, em São Paulo, buscam a comprovação da eficácia da cloroquina no tratamento do Covid-19. Nosso governo tem recebido notícias positivas sobre este remédio fabricado no Brasil, largamente utilizado no combate à malária, lúpus e artrite.

Acredito em Deus, que capacitará cientistas e pesquisadores do Brasil e do mundo na cura dessa doença. Aproveito para render minha homenagem a todos os profissionais de saúde: médicos, enfermeiros, técnicos e colaboradores que, na linha de frente nos recebem nos hospitais, nos tratam e nos confortam.

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