As comissões provisórias compõem mais da metade da estrutura organizacional de 26 dos 35 partidos no Brasil. É o que aponta um levantamento publicado pelo G1 com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A estrutura temporária, que prevalece mesmo em partidos mais antigos e é mais frequente na esfera municipal, permite que os caciques indiquem dirigentes aos seus comandos.
Uma resolução do TSE determina que a duração máxima de comissões provisórias seja de seis meses, contados a partir de 1º de janeiro deste ano. O prazo vence em 29 de junho. Porém, essa data limite pode ser esticada, já que o presidente Jair Bolsonaro sancionou em maio deste ano uma lei que amplia a duração máxima das comissões provisórias para oito anos.
Em números absolutos, o PL (antigo PR) é o partido com mais comissões provisórias. São 2.865 comissões provisórias, 492 diretórios permanentes e uma comissão executiva. Todas as comissões provisórias são na esfera municipal.
Segundo o G1, a assessoria de imprensa do PL disse que o partido tem o maior número de comissões provisórias por conta da “intensa e permanente procura pela legenda liberal, na maior parte dos mais de 5 mil municípios do país”.
Para especialistas, esses órgãos temporários centralizam o poder, funcionam a partir de indicações de pequenos grupos ou de caciques e mantêm o controle do partido com os dirigentes nacionais.
Na comparação com os outros órgãos partidários, em termos percentuais, os partidos PMB, PROS e Podemos são os que mais têm comissões provisórias. Os percentuais são altos: 100% (PMB), 99,2% (Podemos) e 99% (PROS).
Segundo o levantamento, o PP tem o maior número de comissões interventoras (81), seguido por PRTB (7) e PMN (4). As comissões interventoras ocorrem quando a direção nacional ou estadual do partido decidem intervir ou dissolver o diretório municipal, segundo os pesquisadores Emerson Cervi e Felipe Borba.
Já as comissões executivas são os órgãos partidários responsáveis por questões internas, como fazer normas sobre o funcionamento da sigla. Nos dados do TSE, 26 dos 35 partidos têm executivas nacionais.
Em nota, o PMB diz que “respeita a cláusula estatutária, que prevê o mínimo de 1% de eleitores filiados por município para nomeação de uma Comissão Provisória em Comissão Definitiva” e que os dados devem ser atualizados após as convenções de julho e agosto.
Procurado, o Podemos não comenta os dados. Já o PROS afirma, em nota, que, por ser um partido jovem (criado em 2013), “é comum que tenha mais órgãos provisórios”. “A intenção da sigla é tornar todos os diretórios permanentes, mas, para que isso aconteça, é preciso um processo de qualificação e bons resultados eleitorais convergentes com as bandeiras do partido.”
O PT, por outro lado, tem o maior número de diretórios permanentes. São 3.187. O partido tem ainda 289 comissões provisórias.
Segundo especialistas, os diretórios permanentes descentralizam o poder, realizam votações para definir os dirigentes e dão mais autonomia a lideranças locais.
Em termos percentuais, o Novo, o PSTU e o PT são os que mais têm diretórios permanentes. Os percentuais de diretórios permanentes nesses partidos são 100%, 97,4% e 91,7%, respectivamente. O Novo é o único partido formado apenas por órgãos definitivos, mas é também a legenda com o menor número de órgãos partidários no Brasil.
Órgãos partidários suspensos
Os dados do TSE mostram ainda que há 7.890 órgãos partidários suspensos. Do total, as comissões provisórias respondem por 78% das suspensões, enquanto os diretórios permanentes ficam com 21,7% e as comissões executivas, com 0,3%.
A maioria dos casos se refere a órgãos partidários municipais que não fizeram a prestação de contas. O outro motivo frequente é a suspensão por não informar o número do CNPJ no prazo de 30 dias, contados desde a criação do órgão partidário. Os partidos PL, PROS e PT registram o maior número de casos de suspensão.
Duração máxima de órgãos
Uma resolução do TSE determinou, em junho de 2018, que os partidos têm o prazo máximo de seis meses para constituir diretórios permanentes, em substituição às comissões provisórias, a partir de 1º de janeiro de 2019. O prazo: 29 de junho deste ano. Porém, a lei 13.831 de 2019, sancionada por Jair Bolsonaro em 17 de maio deste ano, estabeleceu que o prazo para a duração de comissões provisórias é de oito anos.
A ex-ministra do TSE Luciana Lóssio afirma que a lei tem prioridade em relação às resoluções do TSE. Ela acrescenta que, no aspecto formal, uma resolução “não pode se sobrepor” ao direito legislado e que, no aspecto material, é possível discutir se “a longa duração de órgãos provisórios, ou mesmo de órgãos definitivos, está em sintonia com a democracia intrapartidária, prevista na Constituição”.
Ela lembra ainda que o plenário do TSE já havia negado, em fevereiro deste ano, um pedido do PMN para ampliar de quatro para oito anos os mandatos de dirigentes de diretórios permanentes e da executiva nacional do partido.
“Evidente que é possível discutir a constitucionalidade desse dispositivo (lei 13.831 de 2019), o que provavelmente deve ocorrer perante o Supremo Tribunal Federal, já que não cabe ao TSE realizar controle de constitucionalidade em processos de natureza administrativa, como são aqueles voltados ao registro de alterações partidárias”, diz a ex-ministra do TSE.
Poder na cúpula
Para especialistas, as comissões provisórias, formadas por indicações e não pela eleição de dirigentes, facilitam o controle do partido por caciques ou poucas lideranças. Segundo os especialistas, a estrutura faz sentido apenas em partidos recém-criados, que ainda não conseguiram se expandir pelo país.
“Um partido que tem uma estrutura formada, com uma grande quantidade de comissões provisórias, concentra muito poder na cúpula partidária porque você não tem muitos filiados disputando e tentando espaço dentro do partido. A democracia intrapartidária é muito frágil, fraca”, diz a cientista política Maria do Socorro Braga, professora da UFSCar.
Ela acrescenta que a predominância de comissões provisórias deixa decisões internas sob responsabilidade de poucas lideranças do partido. Essas pessoas são responsáveis por controlar o dinheiro, como o dos fundos partidário e eleitoral, definir quem será candidato, filiar ou desfiliar algum eleitor, indicar nomes para cargos no partido, além de decidir se o partido vai participar de determinada coligação nas eleições.
Para Fernando Guarnieri, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp-Uerj), ao analisar os dados da estrutura dos partidos, é possível verificar o “balanço de poder” dentro de cada partido.
“Quando você controla a estrutura de diretórios municipais, que é a mais capilar de todas, você acaba controlando todo o partido. Você controla quem está votando em você mesmo na direção nacional. Dá uma super vantagem estratégica para as lideranças atuais do partido, e ninguém quer abrir mão disso. E tem também o lado de você dar mais tempo para o partido constituir algo em um lugar que não alcançou ainda”, afirma.
Democracia intrapartidária
Guarnieri ressalva, porém, que uma democracia interna muito forte pode diminuir a flexibilidade do partido e, por exemplo, dificultar a participação em uma coligação nas eleições, principalmente se os filiados “forem muito ideológicos”.
“Até que ponto um ambiente muito democrático dentro do partido permite a flexibilidade suficiente para que esse partido participe da arena eleitoral ou da arena parlamentar como deve participar – ou seja, conversando com outros partidos?”, questiona.
Já a cientista política Maria do Socorro Braga aponta que, além de estimular a criação de diretórios permanentes, os partidos deviam fazer mudanças para aumentar a democracia dentro das legendas.
“Os partidos, de fato, devem abrir maiores formas de entrada para esses segmentos sociais [mulheres, negros, indígenas]. E também criar mecanismos internos para eles participarem dos processos decisórios, e não ficar uma ‘cúpula oligarquizada’ escolhendo os candidatos e os principais rumos do partido e mesmo distribuindo os recursos partidários dessa forma.”
Já a ex-ministra Luciana Lóssio afirma que, com a prática da democracia interna, a rotina dos partidos políticos melhorará “de forma substancial”.
“Naturalmente, teríamos avanços em outras questões relevantes, tais como as relacionadas à participação feminina na política, ao acesso dos candidatos ao financiamento eleitoral proporcionado pelos fundos públicos (Fundo Partidário e Fundo Especial de Financiamento de Campanha) e à distribuição de tempo de propaganda eleitoral entre os candidatos”, diz.