Conforme o Estadão, o historiador André Roberto de A. Machado é o coordenador do Blog das Independências, uma iniciativa que reuniu dezenas de historiadores e revistas acadêmicas que já publicou 27 artigos sobre diversos eixos de pesquisa em razão do bicentenário comemorado no 7 de Setembro. Professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Machado fez das guerras de independência seu objeto de pesquisa.
Contrário à visão de que a independência do Brasil foi pacífica, uma visão que ele considera compartilhada tanto pela direita quanto pela esquerda, ele afirma: “Nossa independência não foi no grito, mas resultado de projetos distintos e conflitos”, afirmou. Leia, a seguir, a sua entrevista.
Como surgiu a iniciativa do blog? A ideia foi trazer uma multiplicidade de visões sobre a independência?
O blog nasce de uma discussão minha com minha colega, a Andréa Slemian, da revista Almanack, que é especializada na formação dos estados nacionais na América. Era necessário trazer essas discussões que já estavam muito consolidadas no meio acadêmico sobre a formação do Brasil para um número mais amplo de pessoas. E isso casou com a ida da Andréa para a Associação Nacional de História (Anpuh, ligada à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência). A ideia é retirar o receio das pessoas que não são acadêmicas de procurar esse material. Pensamos em formatos, como o da Revista da História da Biblioteca Nacional, que a discussão fosse de alto nível, mas acessível às pessoas. Montamos uma equipe com historiadores de todo o Brasil e outros países e discutimos os temas dessa discussão, o que inquieta os brasileiros sobre a Independência.
Vocês devem publicar textos até quando?
Nesta semana publicaremos o 27.º texto, mas temos prontos 42 colaborações. Há uma discussão até onde iremos, se até o 2 de julho (data da independência na Bahia) ou 11 de agosto, como no caso do Pará.
O que é importante hoje saber sobre as guerras da independência. Temos em São Paulo uma visão ainda muito centrada no Sudeste, uma representação da independência cujo símbolo maior é o grito do Ipiranga, representado no quadro de Pedro Américo. O que leva essa visão ainda ser predominante, a visão de uma independência única e feita no grito?
Vou dar uma conferência no México, cujo título é justamente esse: Uma independência para além do grito. Nossa independência não foi no grito Tento estabelecer um modelo explicativo da independência a partir da guerra porque eu acho que é mesmo um eixo explicativo. Existe uma operação historiográfica feita no século 19 que tentou vender a independência do Brasil como algo pacífico, feita por acordo. Esse é um estado que nasce mantendo a casa reinante. Como você explica isso?
Então, essa historiografia consolida a ideia do Brasil como estado nacional quase como uma evolução; na infância era colônia e na independência virou adulto. Constrói-se uma narrativa para isso. Isso é o elemento central da construção de uma identidade nacional. Se a identidade americana é a ideia da rebelião pela liberdade, no Brasil foi comprada a ideia de que aqui tudo se resolve pelo acordo, que o brasileiro é avesso ao conflito, o que é compartilhado pela direita e pela esquerda também. As explicações historiográficas tentaram sempre dizer que foi com base em acordos. Esse é o caso da explicação do Luiz Felipe de Alencastro, autor do O Trato dos Viventes.
Ele diz que o Brasil se manteve unido porque era necessário manter o tráfico negreiro, que era uma discussão internacional e envolvia trazer gente pelos mares. O problema era mais sério, envolvia a Inglaterra. E que o único player importante aqui era a Casa dos Bragança. Mas a primeira coisa que d. Pedro abriu mão foi o tráfico negreiro, ao assinar em 1826 um tratado para abolir o tráfico negreiro.