domingo 23 de fevereiro de 2025
Em 2021, pesquisadora trabalhava na criação da vacina de RNA, na farmacêutica BioNTech, na Alemanha — Foto: AFP
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domingo 23 de fevereiro de 2025 às 10:10h

5 anos após pandemia: como a Covid-19 revolucionou a ciência e a medicina para sempre

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O Brasil acompanhava com apreensão o noticiário internacional naquela quarta-feira de cinzas de 2020. Poucos dias antes, a cidade italiana de Veneza havia cancelado seu tradicional Carnaval como forma de contenção ao avanço de um vírus de síndrome respiratória grave desconhecido, inicialmente identificado na China, e que no país europeu tinha rapidamente vitimado três pessoas e infectado outras 150.

Àquela altura, em solo brasileiro, porém, ainda não existia indicativos do desembarque da doença. Isso mudaria no dia 26 de fevereiro, quando foi anunciado que um paciente de 61 anos havia dado entrada no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, com sinais compatíveis aos da doença. O homem em questão, que tinha passado uma temporada trabalhando na Lombardia, no norte da Itália, se recuperou bem. A confirmação de seu diagnóstico para Covid-19, contudo, foi o estopim para que o Brasil entrasse de vez em uma corrida global capitaneada pela ciência na busca pela cura de uma doença fatal e misteriosa – e que rende frutos até hoje.

Cinco anos depois, especialistas ouvidos pela reportagem de Mariana Rosário, do jornal O Globo, ressaltam que o legado deixado pela pandemia se difundiu por diferentes áreas gerando ações inéditas como o desenvolvimento em tempo recorde de vacinas, a otimização de estudos clínicos e a formação de alianças globais para acompanhar a evolução da pandemia.

— A maior contribuição (do período de pandemia) foi a geração de tecnologia, o que é natural para emergências do tipo. Situações assim congregam pessoas em um plano comum. Naquele momento, o objetivo comum era muito claro, precisávamos de vacinas, remédios e estratégias — afirma a colunista do GLOBO Natália Pasternak, microbiologista, presidente do IQC (Instituto Questão de Ciência) e professora na Universidade de Columbia (EUA). — Foi uma colaboração inédita e global de cientistas, comunicadores e líderes políticos que não poderia ter acontecido fora desse contexto.

RNA mensageiro

Dentre as inúmeras ações médicas e esforços na pesquisa, é possível afirmar que um dos maiores legados desse período foi o uso em larga escala de uma nova geração de vacinas baseada no chamado RNA mensageiro — plataforma utilizada nos imunizantes das farmacêuticas Pfizer e Moderna no Brasil. A tecnologia já era estudada há décadas, mas na pandemia recebeu investimentos sem precedentes para seu desenvolvimento e, pela primeira vez, foi utilizada em larga escala com resultados bastante positivos.

O grande salto permitido por essa geração de vacinas, entre outros aspectos, foi a rapidez em seu desenvolvimento. Graças a isso, hoje é possível criar um novo imunizante em menos de um ano e com alta capacidade em gerar resposta protetora no organismo. O trunfo desse tipo de vacina está em seu mecanismo de ação, que transporta para dentro do organismo um tipo de código (o RNA) relacionado à doença que se busca prevenir. Desse modo, o organismo pode criar proteção imune contra o agressor externo.

Por sua capacidade de adaptação, é possível que essa nova geração de imunizantes seja em breve usada para combater diferentes tipos de doenças, como o câncer de pâncreas, doença difícil de tratar e para a qual uma candidata à vacina já é avaliada.

Outros estudos em desenvolvimento levam em conta a combinação de dois vírus capazes de acometer um grande número de pessoas de uma só vez a cada ano: justamente a Covid-19 e a gripe. Resultados recentes da candidata à vacina que combina a proteção contra as duas infecções, contudo, ainda mostraram que o imunizante teve resultados para Influenza B abaixo do esperado, o que requer ajustes. Ao mesmo tempo, candidatas à vacina adaptadas para novas cepas da Covid avançam nos estudos e na aprovação de agências com menos dificuldade. Em novembro do ano passado, por exemplo, a Anvisa aprovou rapidamente uma vacina adaptada para a subvariante JN.1. da cepa Ômicron, tanto da Pfizer quanto da farmacêutica Moderna. Prova de que a Covid-19 segue sob observação e preocupação de especialistas.

— Todas as vezes que surge uma cepa nova, nós testamos junto à nossa vacina mais atual. Assim podemos entender se a cobertura do imunizante é eficiente. Quando entendemos que uma nova vacina vai ser melhor e oferecer mais proteção, nós começamos a produção — diz a diretora médica da Pfizer, Adriana Polycarpo Ribeiro.

Enquanto isso, no Brasil, uma das vacinas candidatas à Covid-19 nascidas no país ainda percorre a fase de bancada para chegar à população. Trata-se de um imunizante nasal em formato spray, inovador no combate ao coronavírus mesmo cinco anos depois e desenvolvido por um grupo comandado pelo imunologista Jorge Kalil, professor titular Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e diretor do laboratório de Imunologia do Instituto do Coração (InCor).

— É uma proposta totalmente inédita. Queremos induzir uma resposta (imune) de mucosa e assim impedir que haja a infecção pelo vírus, interrompendo a transmissão — explica Kalil, que enfrenta desafios para escalar a produção da vacina de maneira industrial.

Pesquisadores

Sue Ann Costa Clemens, professora e figura central nos estudos da vacina de Oxford no Brasil, ressalta que as alianças globais, como a feita para desenvolver este imunizante amplamente utilizado no país, demonstraram a importância de capacitar pesquisadores para que consigam desenvolver estudos de ponta a ponta, da bancada de um laboratório até o uso da população, mesmo em países onde não havia tradição de produzir imunizantes.

— A grande revolução foi o entendimento de diversos atores desse sistema de desenvolvimento, que vai desde a molécula no laboratório até a o acesso da população, de que a agência regulatória precisa fazer parte desde o início. É uma coisa que nem sempre acontece (no desenvolvimento de fármacos), mas na Covid-19 aconteceu — diz a pesquisadora. — Antes desse momento, as agências não tinham um sistema de recepção desse material, de receber o dossiê regulatório de maneira contínua. O material pode passar a ser entregue de maneira progressiva. Foi criado um novo sistema regulatório a partir disso.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por exemplo, adotou a submissão contínua como um método de trabalho que permite a apresentação dos dados de pesquisas clínicas de maneira faseada e progressiva, como explicou Sue Ann. Esse mecanismo é neste momento utilizado na troca de informações entre a Anvisa e o Instituto Butantan no âmbito da vacina da dengue, que busca aprovação inédita no Brasil.

— A agência se abriu mais para a possibilidade de que é possível usar procedimentos emergenciais em alguns casos. Houve um legado na comunicação que a Anvisa tem com reguladores (internacionais) ou na prática de considerar o que outras agências têm feito internacionalmente. Hoje é possível se aproveitar de análises e conclusões feitas em outros países para as decisões da própria agência — diz Gustavo Mendes ex-gerente geral de medicamentos da agência e atual diretor de regulação, controle de qualidade e estudos clínicos do Instituto Butantan.

Os especialistas ainda observam um outro legado absolutamente positivo deixado pelos duros tempos da Covid-19: o surgimento de especialistas em saúde e cientistas cada vez mais conscientes de que é preciso orientar a população a tomar decisões seguras, baseadas em evidências científicas, em relação à própria saúde.

—Existe uma geração pós-pandemia de jovens cientistas que percebeu a importância de você ter uma comunicação efetiva com o público e com os tomadores de decisão. Isso abre espaço para que a ciência faça parte de novas carreiras, além do laboratório — diz Pasternak. — As pessoas perceberam que a falha em comunicar a ciência de maneira efetiva para o público ou tomadores de decisão custou muito caro durante a pandemia.

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