A menos de duas semanas do primeiro turno nas eleições de 2022, apenas 53% dos mais de 29 mil pedidos de registro de candidaturas incluíram o cadastro de algum site ou canal de rede social no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O cadastro não é obrigatório para quem não usar a internet para fazer campanha, mas quem recorrer a uma ferramenta on-line para pedir votos sem cadastrá-la está sujeito a multa de R$ 5.000 a R$ 30.000.
Segundo especialistas em Direito Eleitoral, é improvável que um contingente tão grande de candidatos (43%) esteja simplesmente abrindo mão de fazer campanha na internet. As candidaturas sem muitos recursos, sobretudo as de deputados, dependem muito de aplicativos e ferramentas on-line para alcançar eleitores, mas muitas não tiveram preocupação de registrar seus canais nesses sites.
Até a manhã da última segunda-feira, havia 15.619 candidatos com pedidos de registro que tinham informado ao menos um link ao TSE, de um total de 29.261 candidaturas processadas até agora. As duas redes mais usadas em campanhas são Instagram e Facebook, com 13.495 mil e 12.389 mil candidatos registrados, respectivamente.
O Twitter é o terceiro, com 3.489 candidatos. Entre aqueles que não cadastraram usuário em nenhuma dessas três redes, muitos informaram apenas blogs, sites pessoais ou simplesmente o site de seus partidos.
Segundo advogados especialistas em Direito Eleitoral, o cenário deste ano coloca muitos candidatos em situação jurídica vulnerável. Para Maíra Recchia, presidente do Observatório Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP), a existência de mais de 13 mil candidatos em potencial irregularidade é surpreendente.
— Esse número chama muito a atenção, porque hoje a propaganda é feita essencialmente na internet. É muito mais difícil você ver propaganda no meio físico — explica.
Segundo a advogada, não é crível que tantos candidatos simplesmente não usem internet na campanha. Além disso, a regra de cadastro dos perfis de rede, explicitada em resoluções recentes da Justiça, não é exatamente nova.
— A Lei das Eleições, que é a 9.504 de 1997, no Artigo 57 B, já fala que aqueles candidatos que forem utilizar mídia digital para fazer propaganda obrigatoriamente têm que informar isso no registro de candidatura — explica.
Segundo Recchia, todas as resoluções que o TSE tem publicado sobre o tema desde então são essencialmente atualizações e clarificações dessa regra, e a exigência de registro dos perfis de redes sociais se inclui aí.
Informações falsas e má fé
Para a advogada especialista em Direito Eleitoral Angela Cignachi, muitos casos que envolvem omissão do registro não envolvem exatamente má fé.
— O que que acontece é que quem faz o registro de candidatura normalmente são advogados ou equipes dos dirigentes dos partidos, e muitos deixam isso de lado porque, a rigor, isso não é um requisito para o requerimento do registro — explica. — É uma outra resolução, sobre propaganda eleitoral, que fala sobre a necessidade do registro.
Essa tecnicalidade não pegou de surpresa as candidaturas mais ricas, afirma o InternetLab, centro de pesquisa que atua na interface entre direito e tecnologia.
— A gente vê que as campanhas grandes e profissionalizadas registraram. Mas na “cauda longa” das campanhas menores, especialmente de deputado estadual e federal, mais pobres e com assessoria jurídica de menor qualidade, existe sim um grande déficit — diz Francisco Brito Cruz, diretor-executivo da entidade.
Para o advogado e pesquisador, é de interesse da sociedade que esse cadastro seja levado mais a sério pelos candidatos, porque ele ajuda a disciplinar o ambiente de campanha eleitoral, que sempre foi vulnerável a abuso de poder econômico e disseminação de informações falsas.
— O registro das redes sociais é uma tentativa de puxar isso tudo para dentro da regulação e, a partir disso, conseguir ter maior condição de controle, sobretudo porque na internet muitas vezes é complicado separar aquilo que é propaganda eleitoral daquilo que não é — explica.
Segundo Recchia, da OAB, apesar de a migração de campanhas para as redes sociais ser um fenômeno que ocorreu mais recentemente, nas eleições municipais de 2020 já houve alguns casos de condenação por omissão no registro de sites e redes sociais.
Alguns candidatos estão sendo extra-cautelosos no registro das redes, e não se limitam a contas apenas das mais conhecidas. O jornal O Globo encontrou no TSE registros de sites de campanha no Twitch, site de transmissão de partidas de videogame, e até do Tinder, aplicativo de relacionamentos. Alguns registraram seus grupos de WhatsApp, ainda que seja tecnicamente um aplicativo de mensagens, sujeito a regras diferentes.
Se o candidato não usa a ferramenta para fazer campanha, porém, o registro não é necessário. Os casos em que a Justiça tem sido mais dura nas punições são aqueles em que os candidatos deixam de cadastrar perfis de redes “impulsionados”, ou seja, alimentados com receita publicitária para aumento de alcance.
— Se você não registra o conteúdo e impulsiona, a penalidade pode ser no dobro do impulsionamento. Se o candidato gastou R$ 20 mil de impulsionamento, a multa pode ser de R$ 40 mil, até passando o teto previsto na resolução, que é uma referência para as publicações “orgânicas” (sem impulsionamento) — explica a advogada.
A inexistência de má fé na omissão do registro, além disso, não é um salvo conduto para as candidaturas que não estão em dia, porque a regra é a mesma para todos. Essa falha pode inclusive ser explorada por adversários.
— Essa é a regra que faz com que o Ministério Público, os partidos e os oponentes dos candidatos possam fiscalizar e ter um controle de eventual irregularidade — diz Recchia.