Quarenta e três políticos foram assassinados no estado do Rio nos últimos 20 anos em casos com suspeita de participação do crime organizado, revela levantamento feito por Marcelo Remigio e Alan Souza , do jornal O O Globo. São homicídios — em geral execuções brutais, com emboscadas, homens encapuzados e múltiplos disparos — nos quais há indícios concretos de atuação de milicianos, traficantes, contraventores do jogo do bicho ou grupos de extermínio. Na média, é como se uma pessoa ligada a atividades políticas fosse morta a cada seis meses.
A violência contra políticos se concentra em anos eleitorais, períodos que correspondem a dois terços dos casos (29). Os ataques são ainda mais frequentes em pleitos municipais, como o de outubro próximo, que somam quase três vezes mais assassinatos do que as eleições gerais: 21 e oito, respectivamente.
A Baixada Fluminense é o epicentro do problema. A região se consolidou como a mais perigosa para quem ocupa cargo eletivo ou está em campanha para tal. Mais de 72% dos casos (31 de 43) do gênero ocorreram nos 13 municípios da região, onde vivem cerca de 4 milhões de habitantes.
Na capital, com população de 6,7 milhões, houve sete casos, sendo o ataque contra a vereadora Marielle Franco (PSOL) e o motorista Anderson Gomes, em março de 2018, o mais emblemático. Dois ex-PMs — um deles expulso da corporação apenas cinco anos após o crime — que possuem vínculos estreitos com milicianos estão presos como executores do duplo homicídio, e a Polícia Civil ainda busca os mandantes.
Magé, na Baixada, foi a cidade com o maior número de políticos mortos no período, dez no total, seguida por Duque de Caxias, empatada na segunda posição com a capital (7). A lista tem Nova Iguaçu (5), Seropédica (4) e Nilópolis (3), todas na Baixada. Houve ainda dois casos em São Gonçalo, além de um em Niterói e um em Itaboraí — as três na Região Metropolitana. Rio Claro, com uma execução, é a única representante do interior.
‘Morre quem desafia’
Pioneiro no estudo de milícias e autor do livro “Dos barões ao extermínio: uma história de violência na Baixada Fluminense”— primeira obra a alertar, ainda em 2003, para o risco da entrada dos grupos paramilitares na política — , o sociólogo José Cláudio Souza Alves afirma que as quadrilhas se expandiram desde então. Uma das razões, diz ele, foi justamente a ampliação da atuação dos milicianos em diferentes frentes, inclusive embrenhando-se pelo poder público.
— Morre quem não faz acordo com a milícia e desafia seus integrantes, lançando candidaturas em áreas dominadas pelo crime sem autorização, assim como morre quem quebra pactos internos ou não aceita financiar a quadrilha — afirma o pesquisador da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
O livro de Alves, que também trata da expansão do tráfico de drogas e da evolução dos grupos de extermínio, teve como ponto de partida a tese de doutorado defendida pelo sociólogo. O aniversário de 20 anos da publicação inspirou o levantamento feito pelo O Globo, que revisitou os mesmos métodos de apuração do pesquisador: dados públicos disponibilizados pelas autoridades, conteúdos jornalísticos e acervos de centros de pesquisas católicos da Baixada.
Entre as 43 execuções, há outros casos marcantes, além da morte de Marielle, ligados ao crime organizado. Indiciado pela CPI das Milícias, concluída na Assembleia Legislativa do Rio em 2008, Josinaldo Francisco da Cruz, o Nadinho de Rio das Pedras, foi executado um ano depois por três homens encapuzados que invadiram o condomínio em que ele morava, na Barra da Tijuca, na Zona Oeste. Em 2004, impulsionado pelo amplo apoio na comunidade que lhe rendeu o apelido — um dos principais berços da milícia no estado —, ele havia sido o nono vereador mais votado da capital.
Relator da CPI das Milícias, o então deputado estadual Marcelo Freixo, hoje presidente da Embratur, disse à época que a lista de alvos do colegiado estava “se tornando um obituário”. Mais de uma década depois, a declaração seguiu ganhando ares de profecia. Também indiciado pelo colegiado, o ex-vereador Jerônimo Guimarães Filho, o Jerominho, foi morto à luz do dia, a tiros de fuzil, em agosto do ano passado.
O crime ocorreu em Campo Grande, na Zona Oeste, outra região de nascimento dos grupos paramilitares. Ao lado do irmão, o ex-deputado Natalino Guimarães, Jerominho fundou a maior milícia do estado, hoje pulverizada entre bandos menores que travam uma guerra — a morte recente de três médicos na Barra da Tijuca, após um deles ser supostamente confundido com um miliciano, está ligada a essa disputa por territórios.
— Se no início eram três grupos, hoje o total é desconhecido, tamanha a expansão e o surgimento de novas milícias, originárias de bandos mais antigos. Elas se espalharam por todo o estado, com exceção da Região Noroeste, onde o poder aquisitivo é menor — detalha José Cláudio Souza Alves.
A execução mais recente de um político no estado foi a do ex-vereador do Rio Jair Barbosa Tavares, o Zico Bacana, mais um citado na CPI das Milícias. Após sobreviver a um ataque anterior, ele e o irmão foram assassinados em agosto último, em Guadalupe, na Zona Norte. A família culpou traficantes, mas a Polícia Civil ainda apura o caso. Uma das linhas de investigação aponta para uma rixa entre quadrilhas rivais.
Na Baixada Fluminense, palco do maior número de crimes do tipo, histórias semelhantes são constantes. Em 2020, Danilo Francisco da Silva, o Danilo do Mercado, foi executado junto do filho em Duque de Caxias, onde era vereador em exercício. Em paralelo à atuação política, Danilo foi investigado como chefe de um grupo de extermínio que age na região.
Nem todas os alvos de ataques, porém, são suspeitos de envolvimento com atividades criminosas. Líder comunitária em Magé, na Baixada, Aga Lopes Pinheiro era pré-candidata a vereadora quando foi surpreendida por homens armados em um bar, recebendo vários disparos no rosto. A suspeita é que tenha havido uma retaliação de traficantes que dominam o bairro no qual ela atuava.
Aga foi assassinada em 2016, ano recordista de mortes no levantamento (12). A onda de violência contra candidatos naquele pleito municipal chegou a motivar um pedido do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para que a Polícia Federal (PF) investigasse os crimes.