Existe um conjunto de problemas clássicos da antiga matemática que parecem encantadoramente simples. Mas, na verdade, não é apenas difícil resolvê-los – é impossível, diz Dalia Ventura, em reportagem da BBC News.
Foram necessários milênios para comprovar essa impossibilidade. Enquanto isso, gênios como Euclides, Arquimedes, René Descartes, Isaac Newton e Carl Friedrich Gauss, além de artistas e intelectuais, tentaram encontrar a solução desses problemas, sem sucesso.
Mas suas tentativas não foram em vão. Elas foram inspiradoras e impulsionaram o desenvolvimento da matemática.
Não se sabe ao certo como esses problemas surgiram, mas o mais famoso deles – procurar a quadratura do círculo – já aparece no papiro de Rhind, um documento egípcio de cerca de 4 mil anos atrás.
O que se sabe é que foram os antigos gregos que apresentaram esses problemas com precisão, em termos matemáticos.
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Resumidamente, os objetivos desses problemas eram encontrar:
• a quadratura do círculo
• a trissecção do ângulo
• a duplicação do cubo
• a inscrição de todos os polígonos regulares em um círculo
Expressos desta forma, podem parecer confusos, mas, na verdade, o que está sendo pedido é:
• desenhar um quadrado cuja área seja a mesma de um círculo dado
• dividir um ângulo em três ângulos iguais
• desenhar um cubo que tenha o dobro do tamanho de outro
• dividir um círculo em partes iguais
Assim está mais claro, não?
Mas, como disse o escritor americano Donald Westlake (1933-2008), “sempre que algo parece fácil, é porque existe uma parte que você não ouviu”. Ou, neste caso, que nós não dissemos.
Você só pode resolver estes problemas no estilo usado na Grécia antiga. Ou seja, além de algo para traçar um desenho, algo onde desenhar e da sua mente, você só pode usar um compasso e uma régua sem marcações.
Por quê?
“Esta é uma boa pergunta. E há várias respostas”, afirmou à BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC) o matemático David Richeson, autor do livro Tales of Impossibility (“Contos de impossibilidade”, em tradução livre).
“Uma resposta é que o compasso e a régua são registrados muito claramente nos postulados do livro fundamental de matemática Os Elementos de Euclides [cerca de 300 a.C.]”, explica ele.
“Outra é que eles representam as ferramentas mais básicas que sempre foram usadas. Com uma corda, você pode traçar uma linha reta e, se fixar uma das extremidades ao solo, com a outra pode desenhar um círculo.”
“Mas também por sua simplicidade e elegância”, afirma o matemático. “Para mim, o surpreendente não é tanto o que não se pode fazer, mas tudo o que se pode fazer com estas ferramentas.”
Você pode, por exemplo, bissectar um ângulo (dividi-lo em dois ângulos iguais) com facilidade.
(1) Apoie o compasso no vértice do ângulo e desenhe um arco. (2) Apoie o compasso em um dos pontos de intersecção do arco com as linhas e desenhe um arco. (3) Faça o mesmo no outro ponto de intersecção. (4) Trace uma linha entre o vértice do ângulo e o ponto de intersecção dos dois arcos.
“A bissecção de um ângulo é algo que aprendemos na aula de geometria na escola. É muito simples”, destaca Richeson. “Mas a pergunta que interessava aos gregos é: se você tiver um ângulo, poderia dividi-lo em três partes iguais?”
“A resposta é: às vezes, sim, mas não existe uma regra geral para isso.”
O matemático prossegue: “Isso não quer dizer que estes problemas sejam insolúveis, independentemente das ferramentas que você utilizar. Mas, com as ferramentas euclidianas clássicas, é impossível resolvê-los.”
Arquimedes, um dos maiores matemáticos da história, demonstrou que, se a régua tiver apenas duas marcas, é possível medir exatamente uma distância, o que seria suficiente para proceder à trissecção de qualquer ângulo, segundo Richeson. “Ou seja, se as suas ferramentas fossem um pouquinho mais sofisticadas, estes problemas poderiam ser solucionados.”
Mas, assim, não vale. O desafio é resolver os problemas respeitando as regras do jogo, o que é irresistível para mentes brilhantes…
…muito brilhantes
O primeiro matemático conhecido por tentar atingir a quadratura do círculo foi Anaxágoras, famoso por ter sido o primeiro a introduzir a filosofia em Atenas, na Grécia, no século 5° a.C.
Anaxágoras foi preso por afirmar que o Sol não é um deus, mas uma rocha que arde em vermelho vivo, e que a Lua reflete sua luz, segundo conta o historiador Plutarco (46-120 d.C.).
Ele passou seu tempo na prisão tentando construir, apenas com régua e compasso, um quadrado com a mesma área de um círculo. Mas seus esforços foram em vão.
Seu contemporâneo Hipócrates de Quio, um dos matemáticos cuja obra foi sintetizada na geometria euclidiana, conseguiu uma solução parcial alentadora: a lúnula de Hipócrates, a primeira quadratura de uma figura curvilínea da história.
Seriam necessários 23 séculos para que o grande matemático e físico suíço Leonhard Euler (1707-1783) encontrasse dois novos tipos de lúnulas que podiam ser transformadas em quadrados, em 1771. Mas sua descoberta não contribuiria para a quadratura do círculo, como se chegou a pensar.
Este é apenas o princípio de uma longa lista de matemáticos, amadores ou não, que tentaram atingir este objetivo, armados apenas com as duas ferramentas.
“Leonardo da Vinci [1452-1519] passou um período realmente fascinado pela matemática e pela geometria e tentou resolver estes problemas, mas também incorporou seu talento artístico para criar desenhos com eles”, destaca Richeson.
E da Vinci não foi o único renascentista a tentar resolver os problemas clássicos. O artista mais famoso do Renascimento alemão, Albrecht Dürer (1471-1528), foi outro dos matemáticos mais importantes daquela época.
No segundo volume da sua obra Os Quatro Livros da Medida, Dürer forneceu métodos aproximados para atingir a quadratura do círculo, utilizando construções com régua e compasso. E também forneceu um método para obter, de forma bastante aproximada, a trissecção do ângulo com ferramentas euclidianas.
Para Richeson, uma das histórias mais fascinantes fala sobre a construção de polígonos regulares – ou seja, a divisão do círculo em partes iguais.
“Este sempre foi um problema notoriamente complicado”, ele conta. “Sabia-se fazer vários deles, mas não todos. Alguns, como os polígonos com 7, 9 e 17 lados, eram desconhecidos e, por muitos anos, as pessoas se perguntavam se seriam impossíveis.”
Desde o tempo da Grécia clássica até o final do século 18, não houve progressos significativos usando apenas as ferramentas euclidianas. Até que surgiu o prodígio matemático alemão Carl Friedrich Gauss (1777-1855).
“Em 1796, Gauss era apenas um adolescente, mas acabou sendo um dos matemáticos mais famosos da história. Ele demonstrou que é possível construir um polígono regular com 17 lados.”
“Foi uma de suas primeiras descobertas – algo que era impossível para gerações de matemáticos”, conta Richeson.
É preciso também ter em mente que, como estes problemas são teóricos e não práticos, as provas da sua resolução são mais importantes do que a resolução em si. E a profunda análise feita por Gauss para comprovar sua descoberta abriu as portas para ideias posteriores sobre a chamada teoria de Galois.
Por isso, se você se perguntava qual o benefício de tantas mentes brilhantes terem se esforçado tanto, tentando conseguir algo que, em vários casos, poderia ser atingido com outras ferramentas, este é um exemplo de processo de retroalimentação que gerou muitos outros conhecimentos.
“Tentar resolver estes problemas realmente impulsionou a matemática, mas também, à medida que a matemática se desenvolvia, as pessoas retornavam aos problemas antigos e verificavam se as novas descobertas ajudavam a resolvê-los”, explica o especialista. “Foi uma espécie de ida e volta ao longo dos séculos.”
Mas nem tudo é possível
Tentar solucionar estes problemas contribuiu para o progresso da matemática, mas a demonstração da sua impossibilidade dependia desses avanços.
“Foi preciso esperar pela invenção da geometria analítica, da álgebra, do cálculo, dos números complexos, a compreensão profunda do número π e até um pouco da teoria dos números”, afirma Richeson, “e esta foi parte da razão por que demorou tanto tempo.”
No caso da quadratura do círculo, por exemplo, “o tiro de misericórdia ocorreu quando se descobriu que π é um número transcendental”.
Após séculos de uma obsessão que chegou a receber um nome na Grécia antiga – tetragonidzein, ou ocupar-se com a quadratura do círculo –, a busca chegou ao fim.
A quadratura do círculo não foi apenas uma ambição dos luminares mais ou menos célebres, que trouxeram avanços ao conhecimento com seus esforços. Milhares de pessoas, ao longo dos anos, sofreram do que o matemático britânico Augustus De Morgan (1806-1871) chamou de morbus cyclometricus – a doença da quadratura do círculo que, segundo ele, afetava os entusiastas mal informados.
Uma dessas pessoas foi o contador e matemático amador argentino Elías O’Donnell. Em 1870, ele publicou um livro com “a mais íntima consciência de que, neste tratado, é demonstrada, da forma mais convincente e rigorosa, a desejada resolução exata da quadratura do círculo”, segundo declarado pelo autor, logo na primeira página da obra.
“E, por mais grave que pareça esta afirmação, ela será verdadeira para todos os séculos da posteridade.”
Mas, desde 1801, já se sabia, graças a Gauss, que π (a área do círculo com raio 1) é transcendente e, por isso, a quadratura do círculo é impossível.
Em 1882, outro matemático alemão, Ferdinand Von Lindemann (1852-1939), demonstrou que, de fato, π é um número transcendental.
E, 45 anos antes, o matemático francês Pierre Wantzel (1814-1848) havia comprovado, em uma das sete páginas de um artigo de sua autoria, que os outros três problemas também são insolúveis.
Tudo isso é assombroso, pois comprovar que algo é impossível é imensamente difícil… e importante.
“Geralmente, quando pensamos que algo é impossível, acreditamos que seja muito difícil, que pode levar muito tempo ou algo assim”, explica Richeson. “Mas, quando um matemático demonstra que algo é impossível, isso significa que, do ponto de vista lógico, aquilo não pode acontecer: não existe forma de proceder à trissecção de um ângulo geral. Não há forma de fazer a quadratura do círculo.”
“Não se trata apenas de ‘não somos suficientemente inteligentes’, ‘não nos esforçamos o suficiente’ ou ‘precisamos de mais tempo. É: ‘paramos por aqui: é impossível’.”
“Existem diversos teoremas de impossibilidade famosos na matemática e todos são muito venerados porque foi demonstrada a negação: que algo não pode acontecer”, prossegue o matemático. “E este é um sucesso incrível.”
Mas isso não significa que as pessoas se deem por vencidas.
Em 1897, por exemplo, o Senado de Indiana, nos Estados Unidos, discutiu um projeto de lei para legalizar um método de quadratura do círculo descoberto pelo médico e matemático amador Edwin L. Goodwin.
A lei procurava “introduzir uma nova verdade matemática”. Ela foi inicialmente aceita por um comitê, até que foi finalmente rejeitada.
Conta-se que não existe matemático que não tenha recebido por e-mail soluções sobre a quadratura do círculo, duplicação de cubos ou trissecção de ângulos, de pessoas convencidas de terem encontrado a solução.
“Elas insistem por não entenderem o significado de ‘impossível'”, explica Richeson. E também porque as supostas soluções “são fáceis de descrever e brincar com elas”. Por isso, eles tentam, acreditam ter resolvido “e enviam as soluções para os matemáticos das universidades”.
“Com certeza, haverá um erro em alguma parte, seja ele matemático ou com as regras. De forma que, talvez, elas tenham encontrado uma forma de resolver algum desses problemas, mas não usando as regras clássicas.”
Euclides construiu todo um arcabouço de sabedoria e possibilitou a criação de novas ideias, pois seus contemporâneos e as gerações seguintes continuaram tentando impulsionar o conhecimento, valendo-se apenas de régua e compasso.
No caso destes quatro problemas, talvez se suspeitasse desde a Grécia antiga que a sua solução seria impossível. Mas tentar resolvê-los foi muito enriquecedor.