A menos de três meses do primeiro turno das eleições, as expectativas para a economia brasileira na virada de 2022 para 2023 indicam sufoco para quem assumir o comando do país.
A combinação prevista é de baixo crescimento, inflação ainda corroendo o poder de compra da população e uma ausência de sinais de melhora no nível de emprego formal e na renda das famílias.
Tudo isso em um país que viu subir o número de pessoas que passa fome, chegando a 33 milhões de brasileiros (15,5% da população). E onde mais da metade da população vive com algum grau de insegurança alimentar — ou seja, enfrenta dificuldade para comer, segundo dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar.
Para explicar as previsões, a BBC News Brasil reuniu projeções de órgãos oficiais e instituições internacionais em relação a quatro pontos centrais para a economia — que sinalizam como está ou estará a condição de vida do brasileiro.
Antes de detalhar esses indicadores, é preciso lembrar que essas projeções vêm sendo reavaliadas diante de cada novo acontecimento relevante no mundo (como os efeitos da Guerra na Ucrânia e o medo de uma recessão global) e no Brasil (como a incerteza diante da eleição e os efeitos de medidas propostas às vésperas dela).
1. Crescimento econômico
As perspectivas para o crescimento da economia brasileira apontam que pode vir um “pibinho” ao fim de 2022 — as diferentes projeções giram em torno de 1% para o ano. O PIB (Produto Interno Bruto) é a soma de bens e serviços produzidos por um país.
Mas o que isso significa, de fato?
“É andar de lado, igual a um caranguejo”, diz o economista Fábio Terra, professor de Economia da Universidade Federal do ABC (UFABC). “É uma imagem triste, mas é a mais realista que a gente tem”.
No boletim Focus (levantamento semanal de expectativas do mercado colhidas pelo Banco Central) divulgado nesta segunda (11/7), a projeção de PIB para este ano está em 1,59%.
A OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) revisou em junho sua expectativa para 0,6% de crescimento do Brasil neste ano; o Banco Central prevê 1,7%, e a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado estima cerca de 1,4%.
Segundo a previsão da OCDE, o crescimento previsto para o Brasil representa um quinto da projeção de crescimento mundial (3%).
A entidade destacou que a inflação afetou o poder de compra dos brasileiros e aponta que a eleição presidencial de 2022 adiciona incerteza, afetando o investimento. Acrescenta ainda que “a recuperação do mercado de trabalho tem sido lenta” (como será detalhado no terceiro tópico desta reportagem).
Para 2023, a entidade prevê um crescimento de 1,2% para o Brasil, pouco menos da metade da projeção para o avanço no mundo (2,8%). Antes, a OCDE previa que o Brasil poderia crescer 2,1% no próximo ano.
A economista Vilma Pinto, diretora da Instituição Fiscal Independente do Senado, destaca que, de maio para junho, a IFI diminuiu sua projeção de crescimento para 2023, de 1% para 0,8%. Ela diz que medidas que vêm sendo adotadas pelo Brasil se refletem “na perda da credibilidade na condução da política fiscal” — como a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que abre brecha para que o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) turbine programas sociais às vésperas da eleição, apelidada de PEC Kamikaze.
O Senado já aprovou a proposta, que propõe o reconhecimento do estado de emergência, o que, em tese, daria respaldo legal para o governo criar benefícios em ano eleitoral. A expectativa é que a Câmara avalie o texto nesta terça-feira (12/7). Se a PEC for aprovada, seu impacto nos cofres públicos pode chegar a R$ 41,2 bilhões.
O governo defende a medida afirmando que ela é importante para diminuir o efeito da alta da inflação sobre as pessoas mais vulneráveis. A PEC prevê benefício para caminhoneiros autônomos de R$ 1 mil por mês até dezembro deste ano, um auxílio para taxistas, aumenta de R$ 400 para R$ 600 o Auxílio-Brasil, dobra o valor do Auxílio Gás, compensa Estados pela gratuidade do transporte público de idosos, entre outras medidas.
E, fora do Brasil, as expectativas para a economia mundial têm sido impactadas por um receio que cresceu nos últimos dias: a possibilidade de uma recessão global, o que é uma notícia ruim especialmente para países emergentes.
Quando há recessão global, investidores tendem a buscar maior segurança, o que significa tirar dinheiro de países como o Brasil.
Esse temor de recessão está ligado principalmente à expectativa de que países como os Estados Unidos subam mais os juros, fortalecendo o dólar em relação a outras moedas.
“E aí tem efeito sobre a inflação: tudo aquilo que é comprado em dólar se torna mais caro. E o poder de compra acaba corroendo mais ainda, o que é ruim para o consumo e para a atividade econômica”, explica Terra.
Vilma Pinto diz que o desafio do Brasil será “tentar recuperar um pouco da credibilidade que foi perdida ao longo do tempo”, para então “recuperar capacidade de investimento, tentar melhorar o zelo com as contas fiscais e tentar criar mecanismos para que o Brasil consiga crescer mais, ter menor inflação e ter um desemprego menor”.
2. Inflação
Órgão responsável por manter a inflação sob controle, o Banco Central (BC) já reconheceu que a meta estabelecida para 2022 não será cumprida. A projeção da instituição é que o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, índice oficial para medir inflação no Brasil) fique em 8,8% neste ano, bem acima da meta de inflação, fixada em 3,5% para este ano (com margem para oscilar entre 2% e 5%).
As expectativas dos economistas do mercado financeiro estão hoje em 7,67%, segundo o boletim Focus divulgado nesta segunda (11).
Os números refletem o que os brasileiros já estão sentindo na prática — os aumentos de preços de alimentos e de combustíveis estão entre as principais queixas.
Com a pandemia e a guerra na Ucrânia, a inflação é um problema que vem afetando países no mundo todo — inclusive alguns que lembravam muito pouco como era ter que lidar com um aumento tão acelerado do custo de vida, como o Reino Unido.
No entanto, o Brasil está agora entre os poucos países com inflação de dois dígitos (em 12 meses até maio), como mostra levantamento da OCDE. Entre os integrantes do G20, inflação brasileira só não é maior que Tuquia, Argentina e Rússia.
Com a inflação nas alturas, o Banco Central sobe a taxa de juros para tentar contê-la, mas isso também impacta negativamente na atividade econômica, pois se trata de um desestímulo para o investimento produtivo, como explica Terra.
“O Banco Central corretamente subiu a taxa de juros a partir de 2021 porque a inflação estava já incômoda e demonstrando que não cederia fácil. Talvez ele tenha subido demais. O Brasil tem hoje a maior taxa real de juros do mundo. Isso é muito desestimulante ao investimento”, opina o professor. “O Brasil tem hoje uma renda real de trabalho que é 7,5% menor do que em 2021. Portanto, as pessoas conseguem consumir menos e o Brasil talvez esteja entrando agora no período mais complicado, em geral, das dificuldades políticas do país, que é o período eleitoral.”
As previsões para 2023 são de uma inflação menor que em 2022, mas ainda em níveis elevados. O Banco Central, por exemplo, prevê um IPCA em torno de 4%.
Terra aposta em um índice mais alto, perto de 5 ou 6%. E a economista Vilma Pinto lembra que medidas tomadas recentemente pelo governo para tentar aliviar preços estão afetando essas previsões – reduzindo um pouco a projeção para este ano, mas aumentando para o próximo.
A meses da eleição e com a alta dos preços de combustíveis, o governo vem promovendo medidas para tentar reduzir o preço desses produtos — como a lei que zerou até o fim deste ano os tributos federais sobre diesel e gás de cozinha.
Também houve a imposição de um teto de 17% no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre combustíveis. E, em um decreto editado antes da eleição e que vale até o final de 2022, o presidente Jair Bolsonaro (PL) determina que postos exibam os preços dos combustíveis antes e depois dessa lei.
Vilma Pinto destaca que a IFI aumentou para 4,2% a previsão de inflação em 2023 e que está voltando a revisar essa previsão.
“É provável que a gente tenha um número pior do que esses 4,2% que a gente está projetando hoje, lembrando que esse número já é pior do que o que a gente projetava em maio por conta desse efeito de corte de impostos para 2022 e reversão disso para 2023.”
3. Desemprego
O mais recente indicador do nível de desemprego mostrou uma recuperação. A taxa de desemprego caiu para 9,8% no trimestre encerrado em maio, a menor desde o trimestre encerrado em janeiro de 2016, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Apesar disso, 10,6 milhões de brasileiros seguem sem trabalho.
Especialistas destacam que uma análise mais detalhada desses números mostra que a alta foi puxada por trabalhos sem carteira assinada, como aponta Terra.
“A gente fala que o mercado de trabalho está melhorando. Mas qual é essa melhora? Sobretudo, o mercado de trabalho informal. Há uma metáfora para comunicar isso, que é o ‘se vira nos 30’ — a renda está caindo, a pessoa precisa trabalhar, agora já não tem mais que fazer distanciamento social, tem vacinação… Aí as pessoas estão fazendo o que dá para sobreviver, para poder trabalhar — então vai trabalhar como entregador, como diarista”, diz o economista.
O problema, segundo Terra, é que não há hoje elementos para acreditar que haverá uma melhora na atividade para dar força ao emprego com carteira assinada.
“A pergunta para 2003 é: o que vai puxar o crescimento econômico? Se a gente não tem nada muito forte puxando o crescimento econômico, a gente não vai ter nada que apareça muito forte puxando o emprego formal. A dinâmica do trabalho informal vai continuar para o ano que vem. Não vejo diferença com relação a esse ano.”
Isso se reflete na renda dos trabalhadores.
Vilma Pinto, da IFI, chama atenção para o fato de que o rendimento real (descontando o efeito da inflação) está menor.
“Se por um lado a gente vê, em termos de quantidade, uma melhora, uma redução em um número de pessoas desempregadas, por outro lado, essa questão da inflação está de fato piorando a situação econômica como um todo. E quando a gente olha em termos de salários, o salário real está sendo altamente afetado”, diz a economista.
Os dados do IBGE apontam que o rendimento médio real do trabalhador (R$ 2.613) ainda é 7,2% menor na comparação do trimestre encerrado em maio de 2022 com o igual período de 2021.
Vilma prevê que, em 2023, a população ocupada fique estagnada (ou seja, em níveis parecidos com os de 2022). “Nas situações de curtíssimo prazo, a gente enxerga uma melhora, mas a perspectiva de médio prazo não é tão animadora”, diz.
4. Contas públicas
A inflação — a mesma que corrói o poder de compra dos brasileiros — tem um efeito “positivo” para os cofres públicos: aumenta a arrecadação do governo. Isso acontece devido ao aumento dos preços dos produtos — com as empresas lucrando mais, a base de arrecadação também sobe.
“O aumento de preços de commodities está fazendo com que as finanças públicas se comportem bem melhor do que o esperado. E isso implica que tem sido bom o fluxo de caixa”, avalia Terra.
O resultado mais recente da arrecadação de tributos federais, por exemplo, aponta que essa receita foi a mais alta em 28 anos — atingiu R$ 165,3 bilhões em maio, recorde para o mês desde 1995, quando começou a série histórica da Receita Federal.
No entanto, o aumento de arrecadação costuma ser comemorado quando ele reflete uma atividade econômica mais aquecida. E outro problema sobre o cenário atual, dizem os economistas, é que essa melhora é pontual.
Vilma Pinto, que é especialista em finanças públicas, defende que o governo não pode contar com esse aumento de arrecadação no médio prazo.
“Esse aumento de receita tende a ser temporário, na medida em que esse choque (de commodities) passa”, argumenta. “A gente precisa ter um pouco mais de cautela na hora de adotar medidas que gerem impactos permanentes.”
E alerta: “As medidas fiscais que estão sendo adotadas do ano passado para cá, principalmente, vão no sentido não só de piorar a trajetória fiscal futura em termos de aumento de gastos e redução de receita, mas também no sentido de diminuir a confiança das pessoas no compromisso com a responsabilidade fiscal”.
“Isso gera melhora fiscal aparente de curtíssimo prazo, dá impressão de que teto está sendo cumprido, mas isso é piora fiscal lá na frente”, conclui a economista.