De cada três prefeitos eleitos no pleito municipal deste ano, um filiou-se em 2020 ao partido no qual venceu as eleições. Ao todo, conforme a Folhad de S. Paulo, 1.912 novos prefeitos –35% do total– assinaram a ficha de entrada no partido de janeiro a abril, prazo máximo para filiação de acordo com a legislação eleitoral.
Levando em conta os filiados de 2017 a 2020, período que marca a atual legislatura, o percentual de prefeitos cristãos-novos sobe para 49%. Ou seja, metade dos prefeitos eleitos este ano estavam em outros partidos ou não tinham filiação partidária na eleição municipal de 2016.
Os dados mostram um patamar alto de infidelidade partidária dentre os gestores municipais, políticos que estão na base do sistema eleitoral brasileiro e que têm forte influência nas eleições para a Câmara dos Deputados e Assembleias Legislativas estaduais.
Por ser um cargo majoritário, os prefeitos têm liberdade para mudar de partidos durante o mandato sem sofrer punições, conforme entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal) desde 2015.
O mesmo não acontece no sistema proporcional: vereadores, deputados estaduais e federais podem ser punidos até com cassação por infidelidade partidária.
Por outro lado, eles têm uma janela de 30 dias no último ano de mandato caso queiram mudar de partido antes da eleição.
O partido com mais prefeitos eleitos filiados em 2020 será o PSD. Dos 652 novos prefeitos pelo partido, 262 filiaram-se à legenda apenas este ano.
“É um movimento natural. Somos um partido novo, em construção. Então, é mais fácil abrir espaços comparado aos partidos mais consolidados. Nesta eleição, entramos em muitos municípios onde sequer tínhamos um representante”, diz o presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab.
Além do PSD, legendas como o Progressistas e o Democratas aparecem dentre as que mais elegeram prefeitos com ficha de filiação assinada em 2020.
Não por acaso, são os que registraram crescimento em número de prefeitos e figuram dentre os partidos com melhor desempenho em nesta eleição municipal.
Proporcionalmente ao número de prefeitos eleitos, legendas como o Cidadania, Podemos, Republicanos e Avante estão entre os com maior quantidade de prefeitos recém-filiados.
Dos 139 prefeitos eleitos pelo Cidadania, por exemplo, 81 se filiaram em 2020. Este avanço foi puxado principalmente pelo estado da Paraíba, onde foram eleitos 40 prefeitos do Cidadania, todos recém-filiados à legenda.
O crescimento da legenda do estado está diretamente associado à filiação do governador João Azevêdo, que trocou o PSB pelo Cidadania após romper com seu padrinho político, o ex-governador Ricardo Coutinho.
Movimento semelhante aconteceu no Paraná, terceiro estado com maior número de prefeitos recém-filiados. Dois anos após a vitória do governador Ratinho Júnior (PSD), a legenda do governador saltou de 28 para 128 prefeitos. Destes, 71 rumaram para o partido em 2020, e outros 17, em 2019.
Na contramão de PSD, PP e DEM, partidos de esquerda como PT e PC do B –fora do governo federal desde 2016– tiveram pouca capacidade de atrair novos filiados que tenham obtido sucesso nas urnas deste ano.
O cenário é oposto ao de 2012, quando a legenda estava no auge do poder. Naquele ano, o PT elegeu 92 prefeitos na Bahia, dos quase 32 haviam se filiado ao partido naquele mesmo ano.
Professora do Departamento de Ciência Política da Unicamp e pesquisadora do Cebrap, a cientista política Andréa Freitas explica que a migração partidária é um mecanismo comum no sistema político brasileiro e funciona como uma espécie de jogo de ganha-ganha entre os candidatos e os dirigentes partidários.
“De um lado interessa aos partidos trazer para dentro uma pessoa que tenha votos em lugares onde eles ainda não têm voto. Por outro lado, os candidatos trocam de legenda para ter a chance de se posicionar melhor, seja em uma disputa eleitoral, seja dentro do próprio diretório” afirma.
Este ano, explica a professora, o movimento de migração foi particularmente importante por causa da cláusula de barreira, dispositivo que restringe a atuação de um partido que não alcança um percentual mínimo de votos.
Para 2022, os partidos terão que conseguir um mínimo de 2% dos votos para deputado federal para manter benefícios como tempo de TV e acesso ao fundo eleitoral.
Na avaliação da professora Andréa Freitas, o elevado índice de migrações pode ser visto como um sintoma de fragilidade do sistema partidário brasileiro. Por outro lado, a luta por espaço no interior dos partidos revela a importância dos recursos partidários: “[A migração] não é só sintoma de fraqueza”.
Dentre os 1.912 prefeitos com filiação partidária feita neste ano, seis estão em capitais: É o caso de Álvaro Dias, prefeito reeleito de Natal que trocou o MDB pelo PSDB, partido em ascensão no seu estado.
Cícero Lucena (João Pessoa) e Tião Bocalom (Rio Branco) foram para o PP, legenda em alta no cenário nacional por ser um dos principais parceiros do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no Congresso Nacional.
Também assinaram a ficha de filiação em 2020 os prefeitos eleitos Delegado Pazolini (Republicanos) de Vitória, Edvaldo Nogueira (PDT) de Aracaju, e Arthur Henrique (MDB) de Boa Vista.
Por outro lado, o prefeito de capital com filiação mais antiga é Sebastião Melo, eleito em Porto Alegre. Ele é filiado ao MDB desde 1981.
Além de Melo, outros 77 prefeitos eleitos neste ano têm a ficha partidária assinada nos anos 1980. A mais antiga é a de Leandro Baptista (PP), que será o próximo prefeito de Taiúva, cidade de 5,5 mil habitantes no interior de São Paulo.
Em agosto de 1980, ele assinou a ficha do PDS, então partido de sustentação à Ditadura Militar a partir do fim do bipartidarismo.
Desde então, Leandro esteve no mesmo lugar. Seu partido, contudo, passou por uma série de fusões e mudanças de nome ao longo das últimas quatro décadas. Transformou-se em PPR em 1993, PPB em 1995, PP em 2003 até virar apenas Progressistas a partir de 2017.