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terça-feira 17 de dezembro de 2019 às 09:15h

30 anos depois, o que pensa Fernando Collor da eleição de 89?

CURIOSIDADES


Trinta anos depois de uma das eleições mais disputadas da história do Brasil, Fernando Collor de Mello, eleito após vencer Luiz Inácio Lula da Silva, olha para trás e consegue enxergar semelhanças, ainda que poucas, com o momento político atual.

Na avaliação do hoje senador Collor (PROS-AL), o que lhe atribuiu a vitória foi ter feito uma campanha inovadora ao usar a linguagem da televisão para transmitir uma mensagem de abertura comercial, de modernização, de diminuição do Estado e, sobretudo, de mudanças. “Eu vi que havia um espaço vazio que poderia ser preenchido exatamente com essa mensagem de mudança”, afirma.

Collor foi eleito no segundo turno, em 17 de dezembro de 1989, com 35 milhões de votos, contra 31 milhões de Lula – em 1992, ele renunciaria em meio a um processo de impeachment.

O ex-presidente afirma que uma das semelhanças entre aquele pleito e o de 2018 é a maneira de como levar a mensagem à população. Em 89, a novidade foi o uso da televisão, enquanto as redes sociais marcaram a eleição que deu a vitória a Jair Bolsonaro.

“O fato de eu ter sabido me utilizar desse meio para comunicar ao eleitorado as minhas propostas e os projetos é que se identifica um pouco com a campanha de 2018, só que o meio de comunicação, o instrumento, ao invés de ser a televisão, foi a mídia social. Em 2018, por saber utilizar o potencial da mídia social, o novo presidente foi eleito”, afirma.

Para Collor, o País saiu polarizado das eleições de 2018 e a postura de Bolsonaro “agrava” a divisão. “O papel dele (Bolsonaro) como chefe da nação brasileira é de reconciliar a sociedade brasileira, e não agravar a divisão que se estabeleceu a partir da eleição que o elegeu”, afirma. O ex-presidente prevê problemas para Bolsonaro pela maneira que ele lida com o Congresso. “Foge um pouco da lógica do que pode dar certo”.

Abaixo, leia os principais trechos da entrevista:

Atribuo a vitória ao fato de que houve uma perfeita sintonia entre a minha mensagem, o meu projeto, e as expectativas de uma sociedade em rápida transformação tanto no plano mundial quanto no plano nacional. Essa interação foi fundamental para que o projeto de mudanças proposto por mim fosse aprovado pelos eleitores.

Foi uma campanha inovadora em todos os sentidos, do conteúdo ao formato. Tratávamos de temas como a questão da privatização, da abertura comercial. Foi uma mensagem muito eficiente, inteligível e facilmente entendida pela população que, no final, teve de optar por um projeto de mudança que havia sido muito bem assimilado pelo conteúdo e pela forma com que foi transmitido.

Havia muito mais liberdade. Na medida em que o tempo foi avançando, os debates foram sendo cada vez mais sofisticados pelo excesso de regras, de parâmetros. Perderam muito em autenticidade. Como o 1.º debate presidencial depois de 29 anos foi aquele, não havia cultura de como os debates poderiam se processar no rádio e na televisão. Os temas eram colocados de forma mais clara e a participação de todos os candidatos também era mais propícia a um juízo que a população faria. No segundo turno, chegaram dois programas antípodas, o que um falava A, o outro falava Z. Depois, nas campanhas posteriores, há muito pouca diferença, sobretudo no segundo turno.

A semelhança que vejo é na utilização de meios de comunicação como um instrumento de fazer chegar à população a mensagem de cada um dos candidatos. Em 1989, tínhamos um grande instrumento que, embora não fosse inteiramente, sua utilização no processo era nova, a televisão. O fato de eu ter sabido me utilizar desse meio para comunicar ao eleitorado as minhas propostas e os projetos é que se identifica um pouco com a campanha de 2018, só que o meio de comunicação, o instrumento, ao invés de ser a televisão, foi a mídia social. Em 2018, por saber utilizar o potencial da mídia social, o novo presidente foi eleito. Mas gostaria de dizer que há mais diferenças do que eventuais semelhanças entre as duas campanhas e as duas personalidades.

Na campanha, os erros são praticados muito em função das paixões que estão desencadeadas. E no calor de uma campanha muitos exageros e excessos são cometidos. Isso é próprio de um processo eleitoral em qualquer país do mundo. Já em relação aos equívocos que eu tenha cometido no governo, acho que o principal foi não ter me preocupado como eu deveria com a construção de uma base parlamentar de apoio ao meu governo e às medidas que eu estava enviando ao Congresso Nacional. Embora tenha tido apoio do Congresso para todas as medidas que encaminhei, não consegui construir essa base de apoio que concedesse a solidariedade do Congresso ao presidente da República em um momento de necessidade.

Considero o presidencialismo a carroça do sistema político brasileiro, sobretudo esse presidencialismo de coalizão, que faz com que as relações político-institucionais se deturpem com muita facilidade. Ele traz no seu bojo a incerteza e o vírus da ingovernabilidade. A cada seis meses, assistimos uma crise instalada. E a cada crise sofre o País, a administração, as incertezas se agravam, o sistema econômico fica prejudicado. O parlamentarismo, ao contrário, traz no seu bojo a estabilidade. Quando um governo cai, devido à administração profissionalizada, temos o retrato de um país que continua funcionando, independente de não ter o primeiro ministro escolhido pela casa legislativa. É o sistema mais apropriado, moderno e adequado.

Vai trazer mais problema. O presidente da República tinha a seu dispor um partido político com 53 parlamentares, a segunda maior bancada. Foge um pouco à minha lógica como um presidente que tem uma base já estruturada de 53 deputados, base em torno da qual ele poderia iniciar a construção de um bloco majoritário que lhe garantisse o apoio parlamentar necessário para governar, abre mão desse partido para se lançar no inesperado. Pela frente ele tem a criação de um novo partido em um ano de eleições municipais em que vai começar do zero, contando com alguns dissidentes dentro do PSL que manifestaram o desejo de ir para essa nova agremiação. Mas é uma nova agremiação que nasce sem fundo eleitoral, sem fundo partidário, sem ter o que oferecer aos deputados que queiram se integrar. Isso gera instabilidade política, gera insegurança. De acordo com o que o futuro venha a nos mostrar, vai causar a ele uma série de dificuldades ainda maiores na construção de uma base parlamentar que ele ainda não possui.

O Brasil saiu muito dividido nas últimas eleições. A polarização foi muito grande e se aprofundou ainda mais depois da eleição porque o presidente talvez ainda não tenha entendido que o papel dele como chefe da nação brasileira é de reconciliar a sociedade, e não agravar a divisão que se estabeleceu a partir da eleição que o elegeu. Depois da eleição, cabe ao vitorioso estender as mãos para que essa reconciliação traga um “animus” dentre os contendores que permita haver um diálogo, uma busca de um certo consenso, para que o governo possa caminhar com mais facilidade, os investidores ficarem mais confiantes em relação ao futuro do País e para que a família brasileira se reconcilie, o que hoje não está existindo. Esse é um ponto que o presidente da República deve se preocupar bastante: a reconciliação da nação brasileira.

É uma hipótese. Mas foge um pouco à lógica do que pode dar certo. Qual seria essa lógica? Falar para um porcentual do eleitorado, entre 15% e 20%, que é o núcleo duro de seu apoio. É muito perigoso porque exclui dessa equação quase 80% da população brasileira que, eventualmente, tenha até algum tipo de simpatia, que ficou demonstrada na eleição dele em 2018, porque os votos foram dados a ele, pelo que ele pregava, falava, defendia, mas uma grande parcela foi de eleitores que não queriam uma volta do PT ao poder. Então esse eleitorado que votou nele em função de não querer o PT é um eleitorado que talvez não esteja entendendo e aceitando muito bem essas mensagens radicais, que ele anuncia a cada vez em que ele se depara com um grupo de pessoas, seja na saída do Alvorada, seja nas efemérides das quais ele participa. Não é uma mensagem de apaziguamento, de pacificação, é uma mensagem sempre no sentido de aumentar as diferenças, de aumentar esse enorme abismo que existe hoje entre aqueles que estão a favor do governo e aqueles que estão contra o governo. Isso não colabora com a governabilidade, não colabora com a pacificação da sociedade brasileira. As informações são do Estadão.

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