O Equador vive atualmente um “conflito armado interno”, segundo declarou seu presidente, Daniel Noboa, na terça-feira (9).
O presidente ordenou às forças militares que restabelecessem a ordem nas ruas do país, depois que homens armados invadiram o canal de televisão TC em Guayaquil e fizeram seus funcionários reféns durante uma transmissão ao vivo.
A este incidente se somam incursões de grupos armados em universidades e outras instituições públicas, bem como saques em Quito.
Tudo acontece depois de o presidente ter declarado estado de emergência na segunda-feira (8/1), quando ocorreram graves incidentes em seis prisões, com sequestros policiais e fugas de líderes de duas grandes quadrilhas criminosas.
A BBC Mundo (serviço em espanhol da BBC) reúne, a seguir, três questões-chave que ajudam a entender a grave crise de violência e insegurança que o Equador atravessa atualmente.
1. “Fito” e o poder das gangues
A atual crise de segurança do Equador se agravou especialmente nos últimos três anos.
Em 2023, o país bateu um recorde histórico de homicídios com 7.878 mortes, das quais apenas 584 foram solucionadas.
O país se tornou um importante centro regional de armazenamento, processamento e distribuição de drogas, o que fortaleceu as mais de 20 quadrilhas criminosas que operam por ali.
Essas gangues, que têm seus principais centros de comando e operações nas prisões, estão ligadas aos grandes cartéis de drogas do México e da Colômbia.
Alguns dos mais conhecidos são os Choneros, os Lobos, os Lagartos ou os Tiguerones. Esses grupos protagonizam episódios de extrema violência, seja em conflitos internos ou contra o governo, as instituições ou a sociedade no Equador.
Em agosto do ano passado, o candidato presidencial Fernando Villavicencio foi morto por assassinos contratados, em um crime que ainda não foi esclarecido, mas que muitos analistas associam à ascensão dessas gangues.
“Este e outros crimes visam condicionar o poder político e demonstrar que já há algum tempo, em grande medida, as gangues estão no controle do país”, explicou o analista político equatoriano Andrés Chiriboga à BBC Mundo.
Além disso, graças aos lucros da venda de drogas, estes bandos se tornaram omnipresentes e os seus tentáculos se expandem não só em toda a sociedade equatoriana, como também nas próprias instituições por meio da corrupção.
“Um fator importante é a penetração que eles têm em muitos espaços, não só entre a população, mas também na própria polícia, nas Forças Armadas”, explica o cientista político.
Só assim se explicam as fugas dos seus dirigentes, como a de Adolfo Macías, vulgo “Fito”, no fim de semana passado.
O chefe de Los Choneros cumpria pena de 34 anos desde 2011 por crime organizado, tráfico de drogas e homicídio quando desapareceu da prisão.
Enquanto “Fito” escapava, foram relatados graves motins em pelo menos seis prisões no Equador, com relatos de que vários guardas foram feitos reféns pelos prisioneiros.
Durante esse período outro líder mafioso aproveitou para fugir: Fabricio Colón Pico, vulgo “El Savage”, chefe do cartel Los Lobos.
Todos esses acontecimentos levaram o governo do presidente Daniel Noboa a decretar estado de emergência por 60 dias.
2. A reação à presidência de Noboa
Daniel Noboa chegou ao poder em 23 de novembro. Como está no cargo há apenas um mês e meio, não teve tempo de colocar em prática os principais pontos do seu programa de governo.
Suas propostas mais relevantes, que lhe renderam o apoio majoritário dos equatorianos nas urnas, focam na economia e, sobretudo, na segurança.
Embora se apresentasse como um político moderado, longe de posições contundentes como as de Nayib Bukele em El Salvador, formulou medidas destinadas a enfraquecer as quadrilhas criminosas.
Prometeu promover reformas profundas nas prisões, com um sistema de segmentação que permitiria isolar os presos mais violentos e perigosos.
A sua mais recente proposta, que tentou agilizar recentemente, envolve a instalação de prisões flutuantes em barcos para manter criminosos perigosos longe da costa e evitar que continuem a operar a partir da prisão.
Noboa também quer criminalizar o consumo de drogas em pequena escala, criar um sistema de júri para crimes graves e investir em avanços tecnológicos, como drones e radares, para neutralizar o crime organizado nas estradas e fronteiras.
Para dar impulso ao seu plano anticrime, o presidente manifestou na semana passada a intenção de convocar um referendo para legitimar a imposição de medidas de segurança mais rigorosas.
Para muitos analistas, as intenções e propostas de Noboa são um importante gatilho para a resposta das gangues.
“As máfias ligadas ao tráfico de drogas reagiram para mostrar que são capazes de sitiar a democracia”, afirma Chiriboga.
O cientista político acredita que o recente decreto do estado de emergência – aplicado pelo presidente após a fuga de “Fito” e os motins subsequentes – também contribuiu para agitar a resposta das gangues com a tomada do canal de televisão.
“Seu decreto parece ter encorajado a guerra que os grupos mafiosos estão desencadeando”, diz ele.
E argumenta que “Noboa deu uma resposta sem grandes inovações, muito na linha dos ex-presidentes Guillermo Lasso e Lenín Moreno, tentando mostrar força; e a reação desses grupos tem sido: ‘espera um pouco, quem manda somos nós e vamos mostrar para vocês'”.
3. Controle do mercado de drogas
O Departamento de Estado dos EUA estimou em 2019 que um terço da cocaína da Colômbia passa pelo Equador antes de seguir para a América do Norte e a Europa.
Nos últimos anos, foi reforçado o papel do país que faz fronteira com a Colômbia e o Peru (ambos importantes produtores) no mercado internacional da droga.
Essa mudança de paradigma pode ser percebida também com uma análise do maior número de entorpecentes apreendidos, na descoberta cada vez mais comum de laboratórios e, sobretudo, no aumento exponencial da violência.
As gangues criminosas cada vez mais fortes, entre elas os Lobos, os Choneros ou os Tiguerones, têm fortes ligações com os cartéis do tráfico de drogas.
Os grupos criminosos equatorianos operam tradicionalmente de forma fragmentada, atuando fundamentalmente como subcontratantes de organizações criminosas estrangeiras, conforme definido pelo portal especializado InsightCrime.
Após a desmobilização das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) em decorrência de um acordo de paz com o Estado colombiano, o Equador adquiriu mais destaque no mercado internacional de drogas.
Grupos dissidentes das Farc e outras organizações ligadas ao tráfico de drogas lideraram uma descentralização das cadeias de produção e distribuição de cocaína que trouxeram grupos mafiosos do Equador para o negócio.
Estes grupos, que operam especialmente na fronteira com o Equador, nos departamentos colombianos de Nariño e Putumayo, estão aliados a cartéis mexicanos e outras organizações europeias, principalmente dos Balcãs Ocidentais, que chegam à região.
Assim, a participação de múltiplas organizações criminosas de vários países cria uma espécie de disputa territorial e um aumento da violência no Equador, segundo especialistas.
Entre essas organizações, destacam-se também dois cartéis mexicanos: o cartel de Sinaloa, que acredita-se ter começado a operar no Equador por volta de 2003 com o envio de emissários e de perfil discreto, e o Cartel da Nova Geração de Jalisco (CJNG).
Os Choneros cooperaram historicamente com o cartel de Sinaloa, enquanto os Lobos, os Lagartos e os Tiguerones se aliaram ao CJNG.