A campanha eleitoral nas redes sociais deu uma guinada no segundo turno e tem sido marcada, nos primeiros dias, por uma escalada de conteúdos que exploram o medo e a rejeição a uma eventual vitória do ex-presidente Lula (PT) ou do presidente Jair Bolsonaro (PL). A tática de “terrorismo eleitoral” passa pela associação dos candidatos a temas que vão do aborto e drogas ao canibalismo e tem lançado mão de formatos e textos sensacionalistas para capturar a atenção de usuários das plataformas digitais.
Dados da empresa de análise de dados Palver, que monitora mais de 15 mil grupos no WhatsApp, registram o crescimento. Conteúdos com desinformação e ataques a Lula e Bolsonaro não apenas estão em patamares maiores que os contabilizados no primeiro turno como sua viralização tem se mostrado mais equilibrada nos últimos dias. No último sábado, pela primeira vez desde o início da campanha, os ataques contra Bolsonaro ultrapassaram os direcionados a Lula nos grupos monitorados.
A cada 178 mil mensagens analisadas nos grupos, foram detectadas ao menos 255 com textos, vídeos e imagens mirando o atual presidente, principalmente a partir de associações com canibalismo, maçonaria e zoofilia — tópicos que ganharam força nas redes nos últimos dias —, contra apenas 94 que relacionam o petista a questões como defesa do aborto, fechamento de igrejas e satanismo, temas que costumam ser mais associados a Lula.
Nos demais dias da campanha de segundo turno, porém, prevaleceram os ataques a Lula. O pico até o momento ocorreu no último dia 5. Nesta fase da eleição, o volume de mensagens mirando o petista tem sido, em média, o dobro do registrado no primeiro turno.
A campanha de Bolsonaro encaminhou uma notificação ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) alegando descumprimento da ordem que determinou, no sábado, que a campanha de Lula parasse de divulgar uma propaganda associando Bolsonaro ao canibalismo.
Diretor de estratégia da Palver, Luis Fakhouri chama atenção para a virada de chave da estratégia de aliados do ex-presidente Lula. Ele pondera, porém, que a circulação desses conteúdos anti-Bolsonaro ainda não tem a mesma constância observada no campo oposto.
— Os ataques com fake news contra Bolsonaro ainda são pontuais e não são tão consistentes quanto os contra Lula, que já eram frequentes no primeiro turno. Ainda é cedo para dizer se a estratégia vai se solidificar — diz Fakhouri. — De toda forma, é impressionante o crescimento dessas mensagens tanto contra Bolsonaro quanto contra Lula. O que dá para perceber é que o que viraliza é a campanha do medo, criar no opositor a figura de alguém que vai causar mal ao Brasil de diferentes formas.
Lives e vídeos
Professor do Departamento de Estudos de Mídia da Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos, David Nemer destaca que a própria dinâmica das redes sociais favorece a circulação de postagens que buscam explorar o sentimento:
— Mensagens sensacionalistas de mídia social que despertam medo tendem a viralizar com mais facilidade quando comparadas a postagens que são essencialmente informativas. Esse tipo de conteúdo tende a engajar mais. Quanto mais engajamento, curtidas, compartilhamentos e comentários, mais o algoritmo prioriza tal conteúdo.
Aliado de Lula, o deputado André Janones (Avante-MG) tem sido um importante disseminador de conteúdos com desinformação e fora de contexto sobre Bolsonaro em redes abertas, como o Facebook. Nos últimos dias, o parlamentar fez lives com declarações de que Bolsonaro teria feito um pacto com uma seita maçônica para vencer a eleição e, mais recentemente, afirmou que o senador e ex-presidente Fernando Collor (PTB-AL) seria o ministro da Previdência em um eventual segundo mandato do atual titular do Palácio do Planalto. No vídeo, Janones também afirma que pensões e aposentadorias dos brasileiros estariam em risco. Bolsonaro negou, em entrevista, que o senador assumirá a pasta em um eventual segundo mandato.
No primeiro caso, a live transmitida por Janones teve mais de 2 milhões de visualizações somente no Facebook. Já as declarações sobre Collor foram assistidas mais de 900 mil vezes na mesma rede social.
No campo bolsonarista, o caso mais recente é o vídeo no qual a ex-ministra e senadora eleita Damares Alves (Republicanos-DF) fala em “guerra espiritual” contra Bolsonaro ao afirmar, sem apresentar provas, que crianças na Ilha de Marajó (PA) são traficadas. Apenas as três postagens que mais circularam no Facebook, compartilhadas pelos perfis dos deputados Marco Feliciano (PL-SP) e Carla Zambeli (PL-SP) e do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), somaram 365 mil visualizações no domingo.
Outro vídeo foi gravado pelo vereador e deputado federal eleito Nikolas Ferreira (PL-MG), e compartilhado por parlamentares como Flávio Bolsonaro. Na gravação, Nikolas associa, com a frase “faz o L”, uma possível eleição de Lula, por exemplo, ao uso de drogas por crianças e adolescentes, ao fechamento de igrejas e ao incentivo ao crime. Na página de Flávio, a peça teve mais de 493 mil visualizações, o maior número no Facebook.
— Quando as igrejas forem fechadas, padres forem perseguidos, e proibirem de professar sua própria fé, faz o L — diz o vereador do PL.
A campanha de Lula entrou com representação no TSE em que pede a remoção do conteúdo que alega ser “mentiroso e difamatório”. Os petistas argumentam que a gravação dissemina “estigmas sabidamente inverídicos”.