Quase um quarto das mulheres eleitas para a maior bancada feminina da história da Câmara dos Deputados são esposas de políticos. Das 91 deputadas que tomarão posse em 2023, a Folha de São Paulo, identificou que ao menos parte do capital político de 21 delas está ligado a maridos e ex-maridos.
Entre elas estão segundo a Folha campeãs de votos nos estados. Daniela do Waguinho (União Brasil-RJ), recebeu 213 mil votos no dia 2. Ela é mulher de Wagner dos Santos Carneiro, o Waguinho, prefeito de Belford Roxo, na baixada fluminense pelo mesmo partido.
Em alguns casos, as esposas estreantes superaram a votação do padrinho político. No Maranhão, Detinha (PL) foi a mais votada para a Câmara. O marido dela é o deputado federal Josimar Maranhãozinho (PL). Ele se reelegeu, mas ficou em terceiro lugar no estado, com 3.000 votos a menos que a cônjuge.
“A própria lei eleitoral incentiva isso”, diz Iara Cordeiro, assessora parlamentar da Secretaria da Mulher da Câmara. “Como os partidos têm que preencher a cota dos 30% acaba sendo mais fácil para eles investirem em mulheres que acabem já herdando um capital político.”
O caso de Detinha e Josimar, em que marido e mulher concorrem ao mesmo cargo é incomum, já que significa que um disputa voto com outro. Normalmente, o apadrinhamento político dos casais se dá em cargos diferentes.
No caso dos maranhenses, por exemplo, em 2018 Detinha concorreu à Assembleia Legislativa do estado enquanto o marido, então deputado estadual, disputava uma vaga em Brasília.
“As mulheres sofrem diversas violências políticas na disputa”, diz Cordeiro, que é parte do Observatório Nacional da Mulher na Política.
“Elas não recebem recurso, ou recurso não é repassado a tempo. Isso também influencia nas mulheres que se projetam, porque as que não têm sobrenome podem acabar sendo escanteadas pelos partidos.”
As eleições de 2022 foram marcadas também pelo fenômeno das puxadoras de voto. Como os partidos passaram a receber dinheiro do fundo partidário em dobro por cada voto em mulheres ou pessoas negras, candidatas que já tinham visibilidade foram visadas.
Os estudos sobre mulheres eleitas para a Câmara ao longo de várias legislaturas mostram que há três caminhos comuns para a eleição de mulheres: a família, o movimento social e a fama pregressa —ser atleta, artista ou influencer, por exemplo.
No caso de esposas de líderes políticos, o potencial de herança de votos acaba tornando-as desejadas para as siglas.
Há também o fenômeno da circulação de poder dentro do âmbito familiar —que vale tanto para esposas quanto para filhos de políticos, por exemplo. Essa estratégia serve para manter um espaço conquistado pelo grupo político enquanto o “titular” está fora, seja para concorrer em outro cargo ou por estar inelegível.
Algumas vezes, o apoio é explícito. No Ceará, o deputado federal Capitão Wagner (União Brasil) disputou o governo do estado e sua esposa concorreu à Câmara com o nome de urna Dayany do Capitão (União Brasil). Ganhou, assegurando a permanência da família no Congresso. Estreante na política, ela recebeu R$ 2,9 milhões do partido.
Em outros casos, as mulheres entram na vida pública com o apadrinhamento do marido, mas constroem trajetórias de sucesso próprias. Soraya Santos (PL-RJ), reeleita para o terceiro mandato, é esposa do empresário Alexandre Santos (MDB). Ele foi deputado por cinco mandatos, de 1995 a 2015, até passar o bastão para Soraya.
Mas a parlamentar, que já foi presidente da bancada feminina da Câmara e parte da Mesa Diretora da Câmara, é considerada uma das mais influentes entre as deputadas.
O mesmo pode ser dito de Rejane Dias (PT-PI), esposa do ex-governador Wellington Dias (PT-PI). Deputada federal desde 2015, ela foi eleita para seu terceiro mandato como a mulher mais votada pelos piauienses.
Cordeiro destaca o caso de Elcione Barbalho (MDB-PA). Ex-mulher de Jader Barbalho e mãe do atual governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), ela está no Congresso desde 2007.
“Não se pode desconsiderar que a construção feita por ela dentro do partido fez com que ela conseguisse não só se reeleger, mas eleger uma bancada de mulheres”, diz. No estado, quatro mulheres foram eleitas pelo MDB.
Também se elegeram as esposas dos ex-ministros Sergio Moro (União Brasil-PR) e João Roma (PL-BA). Rosângela Moro (União Brasil-SP) e Roberta Roma (PL-BA) são estreantes na política.
Apesar de estarem majoritariamente nos partidos de direita e centro direita, também há deputadas casadas com candidatos ou políticos à esquerda.
Ana Paula Lima (PT-SC) e Ivoneide Caetano (PT-BA) são esposas, respectivamente, do candidato ao Governo de Santa Catarina Décio Lima (PT), e de Luiz Caetano, coordenador da campanha de Jerônimo (PT) ao Governo da Bahia. Ivoneide foi candidata a prefeita em 2020, enquanto Ana Paula é deputada estadual desde 2003.
O capital político familiar é uma das principais vias de acesso ao poder institucional —e isso vale para homens e mulheres. No caso dos homens, porém, estudos mostram que a principal transferência é a hereditária: ou seja, de pais para filhos. É o caso, por exemplo, de Otto Alencar Filho (PSD), deputado federal mais votado da Bahia, filho do senador Otto Alencar (PSD).
No caso das mulheres, embora haja a presença de filhas de políticos —como Daniela Cunha (MDB-RJ), filha de Eduardo Cunha (MDB-SP), ou Luiza Canziani (PSD), filha do ex-deputado Alex Canziani— estudos mostram que há uma prevalência do capital político como casal.
A importância do apadrinhamento masculino a candidaturas de mulheres ainda é alta —23% do total de cadeiras—, mas vem diminuindo. Em 2006, das 45 eleitas para a Casa metade tinha relação familiar com algum político. Dessas, 62% eram esposas.
Em 2018, levantamento do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar) mostrou que dentre os homens eleitos, 33% tinham familiares políticos, contra 36% das mulheres eleitas.
A grande diferença está no grau de parentesco. Apenas 8% dos homens com parentesco político eleitos tinham uma companheira que também atuava na vida pública, número que salta para 54% em relação às mulheres.