Apesar da pandemia e do baixo nível de investimentos, 2020 não será um ano totalmente perdido para a infraestrutura, diz ao Estadão Cláudio Frischtak, presidente da Inter.B Consultoria. Isso porque houve avanços, ainda que lentos, na “parte legislativa”, como a aprovação do novo marco regulatório do saneamento básico. Em relação aos investimentos, como são projetos de longo prazo, tendem a ser menos afetados pela covid-19. Daqui para a frente, porém, será preciso seguir melhorando a regulação para atrair o setor privado, pois não há espaço para investimentos públicos, afirma Frischtak. Só que a política ambiental do governo é uma preocupação, com risco de afastar investidores estrangeiros.
Com a pandemia, 2020 foi perdido para a infraestrutura?
Não acho que é um ano perdido, porque a parte legislativa avançou. Poderia ter avançado mais? Claro, poderia, mas avançou num setor fundamental que é saneamento básico. O marco foi aprovado.
Quais os obstáculos que se mantêm, com ou sem pandemia?
A questão das agências reguladoras. Houve um avanço, ano passado, com a aprovação da nova lei das agências. Nesse caso, os vetos não foram bons, mas temos uma nova lei. Se, de um lado, a legislação avançou e melhorou o ambiente regulatório, a prática da nomeação de diretores e a percepção de interferência política pioraram. Quando colocamos as duas coisas na balança, infelizmente a percepção de interferência domina.
Os investimentos em infraestrutura ficaram blindados na crise?
Temos de entender a natureza do investimento em infraestrutura. É muito diferente de investimentos de curto prazo. Quando o projeto de expansão de uma planta (industrial) está em curso, e o cenário se torna completamente incerto, se tira o pé do acelerador (nas obras). Muita gente fez isso. Em investimentos em infraestrutura, isso não acontece. Os agentes olham 20 ou 30 anos (à frente).
Não vale a pena mudar o teto de gastos para o governo investir mais em infraestrutura?
Em hipótese alguma. O problema do País, do ponto de vista do investimento público, não é o teto de gastos, mas a desobediência sistemática das outras regras fiscais. Temos gastos excessivos de natureza corrente relacionados a pessoal nos três Poderes. Por conta disso, os gastos são insuficientes na infraestrutura. A solução não é romper o teto, é ajustar os gastos. Se o teto fosse rompido, seria um desastre.
A política ambiental pode afastar investidores?
Há um ano e meio, comecei a receber questionamentos de investidores sobre a questão ambiental. Investidores que nunca haviam manifestado interesse ou preocupação sobre a questão ambiental começaram a expressar preocupação. Em meados do ano passado, tive reuniões em que a agenda ambiental se tornou a número um, inclusive para investidores americanos e asiáticos. Isso me parece resultado dos erros sistemáticos cometidos pelo governo na área ambiental. Muitos dos erros foram autoinfligidos, cometidos por, talvez, excesso de ideologia e uma ausência de reflexão técnica.
A pandemia agrava isso?
A pandemia é um segundo obstáculo, de natureza diferente. É a percepção que muitos têm de que o Brasil é um dos poucos países no mundo que nega a ciência.