Programa Nacional de Comitês de Cultura, que vai custar R$ 58,8 milhões em dois anos, beneficiou ONGs de filiados ao PT e até instituições ligadas a servidores do ministério; pasta diz não haver impedimento a ONGs dirigidas por filiados e que o modelo do programa afasta ‘riscos de instrumentalização partidária’
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criou comitês de cultura nos estados para fomentar e mobilizar artistas. A estrutura, prometida ainda na pré-campanha de 2022 e com custo de R$ 58,8 milhões por dois anos, acabou servindo para fins políticos e eleitorais.
Como mostrou a reportagem de Vinícius Valfré, do Estadão, o Programa Nacional de Comitês de Cultura (PNCC) é marcado pela ligação direta com filiados ao Partido dos Trabalhadores e com ONGs ligadas a atividades partidárias e campanhas eleitorais. E até organizações ligadas a servidores do ministério.
Os comitês de cultura, criados nos estados, são ligados a uma outra estrutura também criada pelo atual governo, os escritórios regionais do Ministério da Cultura. Essas “filiais” da pasta nos Estados também foram distribuídas a militantes partidários.
Entenda a polêmica dos comitês de cultura do governo Lula ligados ao PT
Programa de R$ 58,8 milhões tocado pelo Ministério da Cultura beneficia ONGs ligadas ao partido do presidente
1) Dos 26 escritórios regionais, 19 são coordenados por membros do PT, um por filiado ao PSB e outro é de integrante do PSOL.
2) No Paraná, por exemplo, a ONG escolhida para coordenar o comitê de cultura é a Soylocoporti. Ela é de João Paulo Mehl, candidato a vereador pelo PT em Curitiba, no ano passado. Ele é considerado um articulador de movimentos governistas.
3) As atividades do comitê paranaense ocorrem em torno do Terraço Verde, um projeto de João Paulo Mehl que também funciona como braço cultural de seu grupo político. O espaço serviu para atividades da campanha eleitoral dele. Em dois anos, a Soylocoporti receberá R$ 2,6 milhões.

4) A chefe da filial do ministério no Paraná, Loana Campos, é uma aliada de longa data de Mehl. Eles apagaram registros das redes sociais depois da reportagem do Estadão.
5) A ministra Margareth Menezes foi pessoalmente ao Paraná fazer o lançamento do comitê de João Paulo Mehl, em junho de 2024, às vésperas da campanha eleitoral. O ato contou com um evento na rua no qual o pré-candidato apareceu em destaque ao lado da chefe do ministério.
6) A escolhida pelo ministério para fazer a coordenação do comitê do Amazonas é a ONG Instituto de Articulação de Juventude da Amazônia (Iaja). A entidade foi fundada por Anne Moura, secretária nacional de Mulheres do PT, que mantém influência sobre a ONG e disputou a eleição de 2024 para vereadora de Manaus.
7) Anne Moura foi gravada dizendo que a entidade precisava atuar em benefício da campanha dela a vereadora de Manaus e que essa função eleitoral tinha o aval da cúpula do Ministério da Cultura.
8) Anne Moura realizou evento partidário, com filiações, no endereço onde funciona a ONG Iaja, em Manaus.

9) Uma emenda parlamentar enviada para a ONG Iaja por um deputado estadual do PT no Amazonas não foi usada para escolas que seriam contempladas com projeto cultural, mas chegou à presidente da escola de samba de Manaus que homenageou Anne Moura em fevereiro do ano eleitoral.

10) No Rio Grande do Norte, a ONG coordenadora do comitê de Cultura é a Associação Grupo de Teatro Facetas, Mutretas e Outras Histórias, de Rodrigo Bico. A entidade vai receber, até o final do programa, R$ 1,7 milhão. Ele foi candidato a vereador em Natal pelo PT, em 2020. Em 2024, atuou fortemente na campanha de Natália Bonavides (PT) à prefeitura da capital potiguar.
Em nota, o Ministério da Cultura informou que não existe impedimento a ONGs dirigidas por militantes partidários, “desde que não envolvam membros de Poder ou servidores públicos responsáveis pelo edital”. A pasta também acrescentou que o “modelo do PNCC fortalece o controle social e a fiscalização cidadã, afastando riscos de instrumentalização partidária”.