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sábado 30 de março de 2019 às 15:55h

Viagem de Bolsonaro a Israel será teste de força para olavistas e evangélicos

POLÍTICA


A cena gravada em uma viagem em maio de 2016 é lembrada pelo professor Guilherme Casarões, da Fundação Getulio Vargas, como um marco aproximação do político Jair Bolsonaro com Israel. Na ocasião, além da agenda religiosa, o então deputado teve encontros com membros do Parlamento israelense e visitou o Ministério da Agricultura do país do Oriente Médio. Em outro vídeo gravado durante a mesma viagem, Bolsonaro comemora o impeachment de Dilma Rousseff e diz que está “na hora de reatar ligações com outros países, não ficar voltado apenas para viés ideológico”.

O presidente brasileiro Jair Bolsonaro escolheu justamente Israel para realizar sua quarta viagem internacional, após visitas a Estados Unidos, Chile e Suíça (Fórum Econômico de Davos).

“Essa aproximação não tem exatamente um lastro muito objetivo. Por mais que se busque alegar que a aproximação beneficiaria as nossas Forças Armadas ou que poderia trazer benefícios para a agroindústria, ela tem uma base mais ideológica, valorativa”, afirma Dawisson Belém Lopes, professor de Relações Internacionais da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

A posição é compartilhada por Elaini Silva, professora de Relações Internacionais da PUC de São Paulo, para quem Israel não pode ser considerado um parceiro economicamente relevante.

“A viagem parece se justificar mais ideologicamente, em uma mudança da política externa do governo Bolsonaro em relação a governos anteriores”, diz.

Mas, embora seja um parceiro comercial modesto do Brasil – as exportações e importações com Israel representam apenas 1% de nosso comércio internacional, com déficit para o lado brasileiro -, o país do Oriente Médio é considerado, segundo Casarões, peça central para dois dos polos que disputam poder e a atenção do presidente neste início de mandato: os discípulos do escritor Olavo de Carvalho – entre eles o chanceler Ernesto Araújo e o assessor internacional Filipe Martins – e o eleitorado evangélico.

Na visão de analistas, os resultados da viagem presidencial que se inicia neste domingo (31) dirão muito sobre a força desses dois grupos em sua disputa com militares e outras alas do governo.

Polarização política

“Israel e a Palestina hoje representam causas simbólicas muito ligadas a um dos lados do espectro político. Da mesma forma que quase não se vê grandes manifestações de esquerda no Brasil sem pelo menos ter uma bandeira da Palestina tremulando, Israel foi apropriado pela direita como um símbolo importante”, diz Casarões, da FGV, que é especialista nas relações entre o Brasil e o Oriente Médio.

Se ao longo de décadas – incluindo o período sob o regime militar – o Brasil buscou adotar uma postura equilibrada e baseada nas resoluções das Nações Unidas em relação às disputas territoriais e políticas entre israelenses e palestinos, agora há uma demanda por parte de evangélicos e olavistas para que o Brasil desenvolva uma relação mais próxima com Israel.

Casarões explica que, para os evangélicos – eleitorado fundamental para a vitória de Bolsonaro e que conta com uma poderosa bancada no Congresso -, a defesa de Israel está calcada em questões teológicas, especialmente ligadas ao chamado “dispensacionalismo”, doutrina que liga o estabelecimento dos judeus na Palestina à volta de Jesus Cristo.

“Já para os olavistas, Israel representa o que o assessor internacional de Bolsonaro Filipe Martins chama de ‘benchmark na luta contra o globalismo’, por manter intactas suas lealdades religiosas e nacionais. E por discordar da ONU”, diz o professor da FGV.

De fato, em um post de 2017 em seu site Senso Incomum, Martins afirma que Israel foi a “primeira nação a ter se conscientizado dos riscos do globalismo”, termo comumente utilizado também pelo chanceler Ernesto Araújo para se referir à globalização econômica influenciada pelo chamado marxismo cultural.

Mas, se as origens da admiração por Israel são distintas, os dois grupos concordam em um ponto principal: a aproximação com o país deve ser coroada com a mudança da embaixada brasileira no país de Tel Aviv para Jerusalém, medida ainda em aberto que é vista com ressalvas por militares e por alas do governo ligadas aos ruralistas.

Embaixada em Jerusalém

Durante a campanha eleitoral de 2018, a mudança da embaixada brasileira para Jerusalém foi uma das principais propostas de Bolsonaro em termos de política externa, em uma medida que aproximaria o Brasil de Estados Unidos e Guatemala, países que anunciaram a mudança de suas representações diplomáticas para Jerusalém no ano passado e que, até agora, foram os únicos a fazê-lo – embora outros países, como a Romênia, já tenham anunciado a intenção.

Em janeiro, durante visita ao Brasil, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, chegou a afirmar que Bolsonaro havia garantido a ele que a mudança da embaixada para Jerusalém “não era uma questão de ser, mas uma questão de quando”.

Na quinta-feira, Bolsonaro, no entanto, pareceu ensaiar um recuo, afirmando que o Brasil “talvez” abrisse um escritório de negócios em Jerusalém, sem entrar em detalhes sobre o seu status diplomático.

Jerusalém é alvo de uma disputa que se estende por décadas entre israelenses e palestinos, sendo considerada a capital de Israel por parte de seu governo e tendo sua parte oriental sendo vista como sede de um futuro Estado palestino pelos árabes.

Com Jerusalém Oriental ocupada por Israel desde a Guerra dos Seis Dias, em 1967, a maior parte da comunidade internacional mantém suas embaixadas em Israel na cidade de Tel Aviv, seguindo o entendimento de que Jerusalém Ocidental só poderá ser considerada capital de Israel quando Jerusalém Oriental puder se tornar a capital palestina.

Diante de tal imbróglio diplomático, o simples anúncio da intenção de Bolsonaro de mudar a embaixada brasileira para Jerusalém causou ondas de reação dentro e fora do Brasil.

Em dezembro, os países da Liga Árabe enviaram uma carta ao então presidente eleito afirmando que a medida poderia “prejudicar” as relações do Brasil com os países árabes.

A reação colocou em alerta setores do agronegócio brasileiro, que disseram temer que a medida pudesse trazer implicações comerciais negativas, já que os países árabes e o Irã respondem por cerca de 10% de todas as exportações do setor agropecuário brasileiro.

A ala militar do governo também se mostrou reticente em relação à proposta. Em janeiro, o vice-presidente Hamilton Mourão disse ao embaixador da Palestina no Brasil que “por ora” o país não trabalhava com a hipótese de mudar a embaixada. No mesmo mês, em entrevista à BBC News Brasil, o ministro da Secretaria de Governo, general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz, disse que possíveis consequências práticas dessa decisão poderiam impedir a transferência.

Mas se a mudança da embaixada ficou em uma espécie de banho-maria nos primeiros meses do governo Bolsonaro, ela voltou à tona com a visita do presidente a Israel.

Na última segunda-feira, questionado sobre a mudança da embaixada no programa Pingos nos Is, da rádio Jovem Pan, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, afirmou que a administração ainda estava avaliando “se será possível fazer um movimento em relação a Jerusalém”.

“Estamos aguardando para ser anunciado lá (em Israel) exatamente o que será possível fazer de movimento, dentro do que nós queremos que seja uma nova relação entre Brasil e Israel”, disse o chanceler, sem entrar em detalhes se estava se referindo a uma embaixada ou outra representação diplomática.

Nas últimas semanas, o Brasil já vem dando outras sinalizações de que busca uma relação mais próxima com Israel.

No último dia 22 de março, em uma mudança histórica em sua diplomacia, o país votou a favor de Israel em distintas resoluções em pauta no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, posicionando-se inclusive contra a adoção de um relatório que apura denúncias de violações aos direitos humanos nos territórios palestinos ocupados.

Diante de tais sinalizações, analistas e observadores veem a viagem presidencial a Israel como o palco onde será testada a influências das alas olavista e evangélica no governo.

Queda de braço

“É um governo muito rachado internamente, e cada grupo – liberais, militares, além dos olavistas – ocupa um espaço. Enquanto esses espaços não se chocam, enquanto eles não colidem, cada um desses grupos vai tocando a agenda”, diz Guilherme Casarões, da FGV.

Para o professor, no entanto, quando se fala em política externa, aos poucos a ala olavista vem ganhando mais preponderância nas decisões.

“Essa queda de braço tem favorecido o olavismo em política externa. Em outras áreas, não. Acho que essa agenda a ser feita em Israel vai ser bancada pelos olavistas, naturalmente, com alguma ajuda dos evangélicos. E para esses grupos, a questão de Jerusalém é crucial”, diz.

Casarões também lembra que a questão da mudança de embaixadas para Jerusalém é prioritária para o governo de Benjamin Netanyahu, que enfrenta acusações de corrupção a poucos dias de uma eleição apertada, no próximo dia 9, o que pode aumentar a pressão sobre Bolsonaro.

“Se Netanyahu conseguir de Bolsonaro, a uma semana da eleição, o compromisso de que o Brasil vai transferir a embaixada para Jerusalém, isso vai ser uma vitória estrondosa em termos de política externa e pode ajudá-lo no pleito.”

Dawisson Belém Lopes, professor da UFMG, por sua vez, avalia que, pelo prestígio entre a população e nível de coesão ideológica e organizacional, seria de se esperar que militares pudessem exercer uma maior influência na política externa de Bolsonaro que os grupos mais ideológicos. Mas ele avalia que isso pode não estar acontecendo.

“Se fossemos seguir a teoria, Bolsonaro fecharia com os militares. Mas eu acho que é bastante possível que ele tome essa rota de se aferrar a esse nicho (ideológico) do eleitorado”, diz.

Já Elaini Silva, professora da PUC de São Paulo, afirma que pode haver uma distância entre eventuais declarações por parte do presidente ou seus diplomatas durante a visita a Israel e o que vai ser efetivamente implantado na política externa brasileira. Para ela, ao final, as posições das alas militares podem prevalecer.

“É mais provável que a gente tenha mais discurso, que eventualmente seja contido pela ação dos militares, que são a espinha dorsal do governo. Parece que este grupo é o que efetivamente tem o poder de decisão, ficando o Bolsonaro com o discurso que mobiliza o apoio da população, mas que na prática seja contido”, diz.

“O que temos visto é que essa ala (ideológica) anuncia uma decisão, faz uma declaração e o Mourão, especialmente, na sequência desfaz, refaz ou tranquiliza em uma posição diferente”, diz Silva, citando como exemplos a questão de uma eventual intervenção na Venezuela, que após sinalizações dúbias do presidente e de atores próximos a ele, foi novamente rechaçada pelos militares.

Sinais, fortes sinais

Mas se a mudança da embaixada é considerada como uma espécie de Santo Graal para alguns setores mais ideológicos, um diplomata ouvido pela BBC News Brasil sob a condição de anonimato afirma que o governo Bolsonaro pode optar por sinais mais sutis – mas politicamente bastante relevantes para a comunidade internacional – para selar sua aproximação com Israel.

Segundo este diplomata, a transferência da embaixada seria apenas o mais alto grau de reconhecimento de que Jerusalém é a capital de Israel. Uma das opções seria que o Brasil seguisse o exemplo do governo da Hungria, que neste mês anunciou a abertura de um escritório comercial com status diplomático na cidade.

O movimento húngaro foi saudado por Netanyahu “por ser a primeira missão diplomática europeia a ser aberta na cidade em décadas”. “A medida liderada pela Hungria é importante para mudar a atitude da Europa em relação a Jerusalém”, disse o premiê.

Alguns países europeus possuem consulados em Jerusalém, mas que servem majoritariamente a palestinos. O Brasil não possui consulado em Jerusalém, mas somente a embaixada em Tel Aviv e uma representação diplomática em Ramalha, território palestino na Cisjordânia.

Uma solução do tipo foi sinalizada por Bolsonaro, que afirmou na quinta-feira que “talvez agora abramos um escritório de negócios em Jerusalém”.

Outra opção seria uma parecida com a tomada pela República Tcheca, que em novembro abriu um centro cultural – sem status diplomático – em Jerusalém, no que foi classificado pelo jornal israelense de língua inglesa Times of Israel como “um primeiro passo” no sentido de mudar a embaixada para a cidade.

Movimentos ainda mais sutis podem também trazer importantes sinalizações políticas.

A agenda de Bolsonaro ainda não foi divulgada pelo Itamaraty e oficialmente não há previsão de que o presidente visite territórios palestinos ocupados. Mas uma eventual ida Jerusalém Oriental, incluindo a cidade velha, onde fica o Muro das Lamentações, poderia trazer algumas indicações.

Jerusalém Oriental é considerada território em disputa pela comunidade internacional, e visitas de autoridades brasileiras e internacionais ao Muro, local de peregrinação do judaísmo, normalmente são feitas em caráter privado, sem a presença de membros do governo israelense.

No último dia 21, no entanto, o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, foi a primeira autoridade americana de primeiro escalão a visitar o Muro acompanhado de um primeiro-ministro de Israel. O ato irritou os palestinos, que reivindicam a área desde a ocupação israelense.

Uma eventual visita desse tipo por parte de Bolsonaro poderia ser vista pela comunidade internacional como um reconhecimento tácito da autoridade israelense sobre Jerusalém Oriental, o que poderia representar uma mudança significativa na diplomacia brasileira.

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