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terça-feira 25 de março de 2025 às 07:15h

TCU vê irregularidades em licitação de R$ 16 bilhões da Petrobras para embarcações

DESTAQUE, JUSTIÇA, NOTÍCIAS


O Tribunal de Contas da União (TCU) detectou indícios de irregularidades e direcionamento em quatro licitações da Petrobras para a contratação de embarcações no valor de R$ 16,5 bilhões e cobrou explicações da companhia conforme registra Johanns Eller e Malu Gaspar, do O Globo, que foi alertada sobre a possibilidade de os certames serem suspensos caso as suspeitas sejam comprovadas.

A advertência foi dada em um parecer da unidade técnica AudContratações no fim de janeiro, obtido com exclusividade pela equipe da coluna. O caso é relatado na corte contábil pelo ministro Walton Alencar.

Conforme antecipado pelo colunista Lauro Jardim, o TCU foi provocado por uma denúncia da Associação Brasileira dos Usuários dos Portos, de Transporte e Logística, segundo a qual as empresas Bram Offshore Transportes Marítimos e a Starnav Serviços Marítimos foram beneficiadas em concorrências abertas no ano passado para o afretamento e construção de 12 embarcações OSRV, voltadas para a contenção de derramamentos de óleo em alto mar.

As duas são as maiores do setor no Brasil e detêm 55% da frota usada pela petroleira neste segmento.

De acordo com os técnicos do TCU, “pode ter havido direcionamento em benefício da empresa Bram Offshore” nas duas primeiras concorrências, e “há também indícios de um possível beneficiamento” da Bram e da Starnav nas outras duas licitações.

O documento destaca ainda que “as supostas irregularidades apontadas pelo denunciante afetam o interesse público e podem caracterizar fraude à licitação”.

Por isso, os técnicos pediram a abertura de uma investigação, que está em curso e é sigilosa.

Histórico

Um dos principais indícios de direcionamento apontado pelos técnicos do TCU é que a segunda licitação, anunciada em julho, foi aberta logo depois de a Bram ter sido eliminada no primeiro certame, por ter apresentado uma proposta baseada em uma planilha de diárias de aluguel da frota com valores desatualizados.

Essa primeira licitação tinha sido aberta em abril para o afretamento de até cinco navios em dois lotes. Concorreram 26 empresas, mas dez foram desclassificadas, entre elas a Bram.

No mesmo dia em que a companhia foi eliminada, a Petrobras já anunciou que não analisaria as propostas do segundo lote de navios, justamente aquele em que a Bram disputava. A medida surpreendeu os concorrentes porque o edital dizia que o segundo lote só poderia ser descartado houvesse condições para que todo o primeiro lote fosse preenchido.

De acordo com o parecer do TCU, algumas concorrentes chegaram até a oferecer diárias abaixo das praticadas em maio de 2024.

Mesmo assim, ao final do processo, em 19 de agosto, a Petrobras só ficou com uma embarcação, da Bravante. Com isso, na prática, a empresa sinalizou à indústria que não necessitaria de mais de uma embarcação. Só que não.

A segunda concorrência

Para estranheza dos técnicos do TCU, 16 dias depois da eliminação da Bram e enquanto a primeira licitação ainda estava em curso, a Petrobras abriu a segunda concorrência, prevendo a contratação de outras quatro embarcações para serem entregues na mesma data das que estavam sendo pedidas na licitação anterior.

E mais uma vez, houve mudanças de regras que chamaram a atenção. Inicialmente a concorrência previa dois lotes, de quatro e duas embarcações cada, respectivamente. Mas, em 20 de agosto, dia seguinte ao anúncio de que a Petrobras só ficaria com um navio do primeiro certame, o edital foi modificado.

De acordo com o parecer, as especificações técnicas da nova licitação eram “idênticas” à anterior, “para o qual a referida empresa [Bram] havia apresentado, antes de sua eliminação, a proposta mais atrativa” – antes de ser eliminada por causa da planilha desatualizada.

A Bram, então, se apresentou imediatamente para a segunda concorrência. Segundo a denúncia apresentada pela entidade de usuários de portos ao TCU, na a comissão de licitação chegou inclusive a divulgar um comunicado enfatizando a mudança na planilha de cotação.

“Além de abrir a mesma oportunidade (com as mesmas datas) que a EMPRESA BENEFICIADA I [Bram] havia perdido na Oportunidade 1, deixou o aviso no sistema da Petronect alertando que a planilha de cotação havia sido atualizada, evitando, assim, que a empresa cometesse o mesmo erro”, diz a denúncia formalizada pela associação.

Com a mudança de regras, a segunda concorrência, aberta para o afretamento de seis navios divididas em quatro lotes (A, B, C e D), passou a ser uma espécie de espelho do lote B do primeiro certame – para o qual a Bram havia apresentado a melhor proposta, a despeito de sua desclassificação posterior.

Desta vez, a empresa não só não foi desclassificada como venceu em dois lotes. Os valores destes contratos em específico, que preveem três embarcações, não foram divulgados pela companhia e nem detalhados pelo TCU.

Ainda assim, a companhia ainda abriu mais duas licitações para o afretamento de embarcações – uma para navios do tipo OSRV e outra para o suporte a plataformas, do tipo PSV, anunciadas respectivamente em abril e setembro de 2024. Desta vez, o objetivo era contratar até seis e dez navios nas respectivas concorrências – ou seja, a Petrobras sinalizou o possível afretamento de mais 16 navios, na previsão menos conservadora.

Mais mudanças

De acordo com os técnicos do TCU, a terceira concorrência teve novas mudanças nos critérios do edital, que beneficiaram tanto a Bram quanto a Starnav. Agora, a mesma companhia poderia ser contratada em lotes distintos e o limite de navios contratados por empresa foi ampliado de quatro para seis.

Em setembro, veio a quarta licitação, que reproduziu as mesmas especificações do certame aberto um mês antes, e que já tinha sido vencido pela Bram e a Starnav.

Para o TCU, isso garantiu “excessiva vantagem às empresas vencedoras, que se beneficiaram do ganho de escala e puderam oferecer taxas diárias muito atrativas” na nova licitação, prejudicando a competitividade entre as demais concorrentes.

As duas empresas também levaram esse último contrato, que não havia sido assinado até a publicação deste texto.

Ao final de todo o processo, Bram e Starnav ficaram com seis embarcações cada uma, pelo valor total de R$ 16,5 bilhões. A operação prevista é de 12 anos.

O parecer do Tribunal de Contas da União alerta ainda a Petrobras “quanto à possibilidade de o TCU vir a conceder medida cautelar para a suspensão do ato ou procedimento impugnado, caso haja indicativo de afronta às normas legais e/ou possibilidade de ocorrência de prejuízos à administração”.

Após a manifestação dos técnicos, a Petrobras respondeu aos questionamentos do TCU, mas o conteúdo do caso é mantido sob sigilo. A equipe do blog apurou que o material ainda está sendo processado pela área técnica. A movimentação mais recente registrada na busca processual do tribunal ocorreu na última sexta-feira (21).

Questionada pela equipe do blog sobre as suspeitas levantadas pelo parecer técnico do Tribunal de Contas da União, a companhia não esclareceu quais respostas encaminhou à corte durante as oitivas, mas declarou que “prestou e continua prestando” ao tribunal contábil “os esclarecimentos solicitados dentro dos prazos estabelecidos” e frisou que “permanece à disposição das demais autoridades competentes para fornecer informações adicionais”.

Além disso, a Petrobras afirmou que as licitações são pautadas “pela isonomia e competitividade, sem qualquer favorecimento a empresas específicas” e que todas as contratações seguem “critérios previamente definidos” pelo edital. Destacou, ainda, que “adota rigorosos mecanismos de compliance” com o objetivo de garantir que as licitações “atendam aos mais elevados padrões de integridade e às melhores práticas de governança corporativa”.

Procuradas, a Bram e a Starnav não se manifestaram até o fechamento da reportagem. O espaço segue aberto.

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