Quatro meses após a troca nos comandos da Câmara dos Deputados e do Senado, o governo ainda não conseguiu avançar com pautas consideradas prioritárias para este ano e observa um afastamento da nova cúpula do Congresso. Eleitos em fevereiro, tanto o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) quanto o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) foram responsáveis por conduzir votações conforme a coluna de Lauriberto Pompeu, do O Globo, que resultaram em derrotas amargas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva na semana passada. Para o entorno do petista, o movimento é reflexo das articulações eleitorais de caciques do Centrão, que já indicaram a intenção de apoiar uma candidatura de oposição em 2026.
No caso de Motta, integrantes do PT avaliam que há influência principalmente do presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), e do ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL) na mudança de discurso do atual chefe da Casa. Ciro, que foi ministro da Casa Civil no governo Bolsonaro, é considerado um mentor da entrada de Motta na política, enquanto Lira foi o responsável por selar o acordo que alçou o deputado como seu sucessor. Aliados de Motta refutam essa avaliação e dizem que ele representa um conjunto maior de forças políticas. Procurado, ele não comentou. Ciro e Lira também não responderam.
Os dois integrantes do PP encabeçaram as negociações para a formação da federação com o União Brasil, que reúne 109 deputados e 14 senadores, o maior bloco do Congresso. O grupo tem se alinhado à oposição e esteve à frente, por exemplo, do enfrentamento às medidas anunciadas pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) para compensar o recuo em parte do aumento no Imposto de Operações Financeiras (IOF).
Após a nova federação se posicionar oficialmente de forma contrária às medidas, Motta levou ao plenário um requerimento para acelerar o projeto que derruba o decreto do IOF, aprovado pelo expressivo placar de 346 a 97 votos na segunda-feira passada.
Emendas na conta
O mau humor com o governo foi acirrado pelo ritmo lento com que as emendas parlamentares têm sido liberadas neste ano. Com o Orçamento aprovado apenas em março pelo Congresso, pouco mais de 1,5% dos R$ 50 bilhões previstos havia sido empenhado até a sexta-feira passada, o equivalente a R$ 776 milhões. O empenho é a primeira etapa para que os valores sejam pagos.
É creditado também a Lira e Ciro o incômodo de Motta com o atraso. O presidente da Câmara chegou a reclamar publicamente e cobrar mais agilidade do governo, afirmando que “praticamente nenhuma emenda” havia sido paga no primeiro semestre.Já em relação a Alcolumbre, a avaliação de aliados do governo é que, embora mais próximo a Lula do que Motta, ele precisa atender também à sua base no Senado. Bancadas de siglas como PP, União Brasil e Republicanos têm, proporcionalmente, mais integrantes de oposição do que na Câmara, o que pressiona o senador.
Após o revés na votação na Câmara na última segunda-feira, o governo sofreu novas derrotas no dia seguinte com a derrubada de uma série de vetos de Lula pautados por Alcolumbre na sessão do Congresso. Entre eles o que excluía a previsão de contratação de usinas geradoras de energia da lei que regulamenta instalação de equipamentos para energia eólica em alto mar (offshore). Na prática, a medida deve aumentar a conta de luz, o que é visto no Planalto como fator que pode afetar negativamente a popularidade do presidente.
Ao fim da sessão, Alcolumbre ainda leu o requerimento para criar a CPI do INSS, que deve abrir um novo flanco de desgaste a Lula no segundo semestre.
A avaliação entre parlamentares é que o cenário hoje é mais adverso ao governo do que quando a dupla Arthur Lira e Rodrigo Pacheco (PSD-MG) dava as cartas no Legislativo. Eles citam que antes ainda havia interesse em uma aproximação com Lula para ocupação de cargos no Executivo, mas a baixa popularidade do petista e a tentativa da centro-direita de lançar uma candidatura alternativa no ano que vem têm afastado siglas como PP, União Brasil, PSD e MDB do Planalto.
Eles mencionam ainda, como exemplo, o apoio que Lira e Pacheco davam ao governo na pauta econômica, o que não vem se repetindo na atual gestão. Nenhuma das 25 prioridades apresentadas por Haddad no início do ano foi votada.
— Claramente é um quadro de distanciamento já focado em 2026. Está claro que o caminho político é completamente dissociado do PT. A grande maioria da centro-direita e da direita brasileira vai estar em outro palanque em 2026 — disse o deputado Mendonça Filho (União-PE), da Executiva Nacional do partido.
Um dirigente do Centrão próximo a Motta avalia que tanto ele quanto Alcolumbre representam um conjunto de forças políticas e que seus movimentos não podem ser interpretados como individuais. O entendimento é que a maioria dos partidos tem buscado se afastar do governo e, por conta disso, os chefes das duas Casas têm o papel de representar esse sentimento atual do Congresso.
Presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e vice-líder do governo, Otto Alencar (PSD-BA), por outro lado, minimiza as adversidades enfrentadas pelo Executivo.
— Todos os presidentes da República cederam em veto. O governo não acabou, o governo continua, Lula está vivo e vai ser reeleito — disse.
Mudança de ares
O clima hostil enfrentado pelo governo no Congresso nas últimas semanas contrasta com a relação amistosa nos primeiros meses da nova cúpula das Casas. Ainda que fizesse acenos à oposição, Motta vinha até então evitando discursos contra o Planalto.
O presidente da Câmara deu uma série de declarações em apoio a propostas prioritárias do governo, como o projeto que eleva a isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil e a PEC da Segurança Pública. Nenhuma delas avançou até agora.
No caso de Alcolumbre, a pauta de votações esvaziada no Senado também deixou em segundo plano propostas que são consideradas prioritárias pelo governo. Uma delas é o projeto que regulamenta a Reforma Tributária. O texto ainda não avançou e segue em discussão na CCJ da Casa.
Além disso, Alcolumbre travou a sabatina de uma série de indicações do governo para agências reguladoras por conta de uma queda de braço com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.