Indícios de irregularidade e atrasos na nova rodoviária geram descontentamento entre moradores e autoridades na Bahia
Indícios de irregularidades na elaboração do edital, possíveis danos aos cofres públicos, atraso na confecção do projeto, morosidade na execução e abandono de obras. Todos esses aspectos credenciam a nova Rodoviária de Salvador, que está sendo erguida no bairro de Águas Claras, como um dos principais “calcanhares de Aquiles” do governo da Bahia.
A “herança” deixada pela gestão Rui Costa (PT) para Jerônimo Rodrigues (PT) tem de acordo com reportagem de Thiago Teixeira, do portal BNews, gerado impaciência e descontentamento tanto em moradores da capital baiana como também ao próprio governador, que já chegou até a sugerir a possibilidade de desfazer o contrato — o que é improvável a essa altura do campeonato.
A edição deste último domingo (23) do ‘BNews Premium’ traçou uma linha do tempo para explicar os indícios de fragilidade no projeto de concessão da nova Rodoviária de Salvador, que culminaram em um processo no Tribunal de Contas do Estado (TCE-BA), e os motivos levaram as obras a contabilizarem mais de 2 anos entre paralisações e atrasos.
Edital da rodoviária feriu lei de licitações
Em maio de 2019, a Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos (Agerba) lançou o edital de licitação para a nova Rodoviária de Salvador, que, em setembro do mesmo ano, seria vencido por um consórcio formado pela AJJ Participações e pela Sociedade Nacional de Apoio Rodoviário e Turístico (Sinart) — mesma empresa que administra a atual rodoviária, em Pernambués.
O processo ocorreu a todo vapor já que uma única proposta foi enviada. Com a concessão firmada em R$ 749,1 milhões, o contrato entre o governo da Bahia e a concessionária foi firmado em dezembro de 2019. Seriam 36 meses (três anos) divididos entre elaboração (12 meses) e execução das obras (24 meses). A previsão era que as intervenções fossem concluídas em dezembro de 2022.
No entanto, o BNews Premium apurou que o TCE já estava de olho em todo o processo antes mesmo do contrato ser assinado. A elaboração do edital de concessão da nova Rodoviária de Salvador deixou uma “pulga atrás da orelha” da Corte, que iniciou uma auditoria para apurar possíveis irregularidades no processo ainda em setembro de 2019 — cerca de três meses antes da assinatura do vínculo contratual.
O TCE investigava, dentre outras questões, a lisura e transparência do processo. Umas das principais “pontas soltas” deixada pela gestão Rui Costa foi o fato do edital ferir a Lei de Licitações vigente à época (Lei nº 8.666/93) — que determinava a realização de audiências públicas com o objetivo de promover um amplo debate com a sociedade civil devido às altas cifras da licitação.
Apesar de não estar mais em vigor, sendo substituída pela Lei nº 14.133/2021, a antiga Lei de Licitações era clara quanto à necessidade da participação da população no processo, sobretudo, enquanto agente fiscalizador e por ser o principal interessado. No entanto, nada disso foi feito.
Agerba bateu a porta na cara do TCE
O foco da investigação do TCE, que durou mais de 5 anos, foi o projeto de concessão do novo terminal. A Corte queria analisar as receitas obtidas entre 2015 e 2019 pela Sinart, administradora da atual rodoviária, para verificar se as variáveis da modelagem econômico-financeira da concessão do novo terminal foram adequadamente projetadas.
O Bnews informa que havia a suspeita de que o governo da Bahia teria subavaliado a outorga a ser paga pela concessionária responsável pela nova rodoviária — valores estimados em R$ 28 milhões em 2019. Ou seja, a gestão Rui Costa teria pedido um valor inferior para ceder o equipamento a Sinart e AJJ.
Além disso, havia risco de majoração (aumento do custo) das tarifas que serão cobradas na nova rodoviária, estimadas em R$ 6,50 em 2019. Devido à gravidade dos indícios, o TCE pediu para que a Agerba disponibilizasse demonstrações contábeis de 2015 a 2019.
No entanto, a agência sonegou as informações que deveriam ser públicas, apesar de reiterados pedidos do tribunal, inviabilizando o seguimento das investigações. Com portas fechadas pela Agerba, o TCE se viu forçado, após 5 anos, a encerrar as investigações em outubro de 2024 — mesmo sem ter avançado substancialmente.
Trata-se de informação que nem precisaria ser demandada pelos auditores, pois a lei de concessões e o próprio contrato já obrigam a publicação dos demonstrativos auditados. A situação demonstra a fragilidade da atuação da Agerba, agência que tem como competências a regulação e a fiscalização de serviços públicos concedidos à iniciativa privada”, informou o TCE ao BNews Premium.
Elevação de custos e abandono de obras
O edital da nova rodoviária limitou os estudos de confecção do projeto em, no máximo, R$ 91,9 milhões. Eles deveriam ser entregues em até 12 meses (um ano) a contar da data de assinatura do contrato, ou seja, em dezembro de 2020 — o que não ocorreu. Devido a isso, as obras já começaram fora do prazo, sendo iniciadas em fevereiro de 2021.
Além disso, o Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil (Sinapi), parâmetro adotado pelo edital para calcular os custos da obra, previa um investimento de R$ 103 milhões para tirar o empreendimento do papel. No entanto, os valores amplamente divulgados pelos canais de comunicação do governo da Bahia citam que R$ 120 milhões foram investidos — ou seja, um aumento de 16,5%.
Apesar de três meses de atraso até o início das obras, e em meio às investigações do TCE, o avanço das ações em Águas Claras eram satisfatórios. No entanto, em fevereiro de 2022, um ano após o começo das intervenções, a AJJ abandonou as obras — deixando a Sinart sozinha com a responsabilidade de tocar o projeto.
A partir dali, as obras se tornaram cada vez mais inviáveis para a Sinart, que alegou não possuir condições financeiras para arcar com o projeto sem um parceiro. Em meio a isso, em julho de 2023 — com as obras já atrasadas —, a Agerba abriu um processo administrativo sancionatório para apurar eventuais irregularidades na obra.
De lá para cá, já são mais de 2 anos de atraso. Em fevereiro, o secretário de Infraestrutura (Seinfra), Sérgio Brito (PSD), revelou que a nova Rodoviária de Salvador está 80% concluída. O prazo para a entrega do equipamento foi reajustado para o segundo semestre deste ano. No melhor dos cenários, o terminal será entregue mais de 2 anos e meio após o período fixado no edital.
O que dizem as partes
Thiago Teixeira questionou a AJJ para entender os motivos que levaram a empresa a abandonar o consórcio, mas não recebeu retorno até a publicação desta reportagem. A Sinart também foi procurada para comentar o impacto da desistência da AJJ nas obras, mas também não houve resposta. Em ambos os casos, o espaço segue aberto.
O BNews elaborou uma série de questionamentos à Agerba, que foram desde as inconformidades do edital da nova rodoviária em relação à Lei de Licitações vigente à época, até o motivo da agência ter sonegado informações ao TCE. No entanto, nenhuma resposta foi enviada até o momento. Ressaltamos, novamente, que o espaço segue aberto.