Quase metade dos cursos privados de Medicina que tiraram as piores notas no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) há dois anos foi criada de acordo com reportagem de Bruno Alfano, do O Globo, entre 2015 e 2018, segundo a base de dados do Ministério da Educação. Nesse período, foram abertos 80 cursos na área, mas 24 não atingiram a nota 3 no Enade, considerada como aceitável.
Esse cenário levou a formação em Medicina a ser a segunda área a passar por mudanças na avaliação pelo Ministério da Educação — atrás da formação de professores nas licenciaturas. Nessa semana, o ministro Camilo Santana anunciou que os formados não farão mais o Enade, mas o Exame Nacional de Avaliação da Formação Médica (Enamed). Além de o Enade ser feito de três em três anos, tem 40 questões. O Ename será dado anualmente e terá 100 itens.
Outra frente em discussão é a criação do Exame Nacional de Proficiência em Medicina. É uma ideia defendida pelo Conselho Federal de Medicina, com o apoio de senadores oposicionistas ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
O Ministério da Educação não apoia a ideia, ainda que não tenha se manifestado formalmente contra ela. O projeto já passou na Comissão de Educação da Casa e passaria por votação terminativa no CAS — dali seguiria direto para a Câmara, sem passar pelo plenário. Mas a senadora Teresa Leitão (PT-PE) conseguiu aprovar uma audiência pública para debater o novo exame, que ainda não tem data para acontecer.

O Enade de 2023 avaliou formandos de 309 cursos de Medicina. Desses, 62 tiraram notas 1 e 2, consideradas abaixo do adequado na escala do teste, que vai até 5. A maior parte (55) é de instituições privadas. Cursos que começaram a funcionar em 2019 ainda não possuem alunos concluindo a graduação, momento em que participam da prova do Enade.
A prova mostrou que alguns estados apresentam graves problemas na formação de seus médicos mesmo considerando as instituições públicas. No Amazonas, quatro dos cinco cursos na área estão nas piores notas, do Enade. Assim, dos 469 formados no estado em 2023, 349 (75%) estudaram em cursos com notas 1 e 2.
No Maranhão, seis dos oito cursos de Medicina tiveram resultados ruins. Com isso, 307 de 431 graduados, ou 71% do total, saíram de formações consideradas insuficientes pelos critérios do Enade.
Entre os cursos com resultado insuficiente no Maranhão, está um que é veterano em notas baixas no Enade: o da Universidade Ceuma. A formação da instituição privada em São Luís esteve abaixo do nível nos exames de 2010, 2013, 2016, 2019 e 2023.
Mesmo assim, o Ceuma conseguiu autorização na Justiça para passar o número de novas vagas de 149 para 194 por ano em 2024 na capital maranhense. Em 2017, a universidade já havia aberto mais uma filial, em Imperatriz (MA), com outras 100 vagas. Essa unidade ficou com apenas 2 no Enade 2023. A instituição não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Rio e São Paulo
O problema afeta também os estados mais ricos no país. No Rio, 10 de 22 cursos avaliados tiveram um resultado aquém do esperado. Desta forma, 1,3 mil (44%) dos 2,9 mil médicos que terminaram seus estudos no ano do último Enade estavam em graduações que não atingiram o patamar esperado. Em São Paulo, as notas insuficientes foram em 16 de 56 cursos. Assim, 2,4 mil (32%) dos 7,5 mil profissionais formados no estado estão em curso com nota insuficiente.
Por conta da explosão de novos cursos, o Ministério da Educação determinou em 2018 a proibição de abertura de novas vagas em Medicina. No entanto, a regra foi contornada principalmente por decisões judiciais. Houve um crescimento de 98 mil matrículas nesse período — ou mais da metade de todos os alunos (192 mil) registrados em 2023.
Essas novas vagas estão no topo das preocupações do Conselho Federal de Medicina (CFM), para quem as instituições que têm investido na área, por atrair estudantes de alto poder aquisitivo, não garantem condições mínimas. Como laboratórios adequados, professores preparados ou vagas de estágio suficientes e de qualidade.
— Em 2023, entraram no mercado de trabalho 7,3 mil profissionais (de um total de 31 mil avaliados) que se formaram em cursos com notas 1 ou 2. Essas graduações deveriam estar fechadas. O Enade é uma prova que o acadêmico faz no final do curso. Certamente essas pessoas começaram a atuar sem preparação adequada — alerta Alcindo Cerci, conselheiro federal e coordenador da Comissão de Ensino Médico do CFM.
O Enade mostrou também que os cursos de Medicina pioraram em relação à avaliação feita em 2019. Há dois anos, 20% não atingiram patamar considerado satisfatório. Quatro anos atrás, essa proporção era de apenas 13%.