Como muitos brasileiros, o maranhense Silas Silva Mello, de 32 anos, decidiu se mudar para Portugal em abril de 2022.
Formado em Marketing, Silas planejava se estabelecer na Europa para enviar dinheiro ao Brasil, apostando na valorização do euro. Seu objetivo era ajudar suas duas irmãs e pagar as prestações de um apartamento na planta que havia comprado em São Paulo.
No entanto, após alguns meses, ele decidiu deixar Portugal e voltou ao Brasil endividado.
“Meu sonho virou um pesadelo. Logo me deparei com a falta de moradia, aluguéis exorbitantes, e pediam 3 mil euros [hoje mais de R$ 18 mil] de caução que eu não tinha. Ainda desligavam o telefone na minha cara quando percebiam que eu era brasileiro”, diz Silas.
Ele conta que morou em um albergue por um tempo.
“Depois consegui vaga num quarto por indicação de amigos, mas daí eu já estava quase sem recursos financeiros”, lembra.
Em Portugal, Silas trabalhou como supervisor em uma loja na cidade de Portimão, na região do Algarve, no sul do país.
Sem visto de trabalho, ele enfrentava uma jornada exaustiva, sem folgas nos finais de semana, e o salário de 850 euros (hoje cerca de R$ 5,2 mil) não era suficiente para se manter no país e honrar os pagamentos no Brasil.
“Eu estava desesperado, já estava me alimentando de sopa no centro de acolhimento e com contas para pagar no Brasil.”
Silas deixou Portugal oito meses depois, em dezembro do mesmo ano, e hoje trabalha como fotógrafo em São Paulo.
“O que vivi lá eu não desejo para ninguém. Não guardo mágoas, mas meu sonho foi frustrado. Não quero voltar a morar na Europa.”
O retorno de Silas ao Brasil aconteceu pelo programa Retorno Voluntário, voltado para imigrantes que desejam voltar para o seu país de origem, independentemente da situação em que se encontram no exterior: regulares ou não.
Programas similares de retorno voluntário de migrantes estão disponíveis em outros países.
Em alguns deles, como Bélgica, Espanha e Irlanda, os governos têm parceria com a OIM, a Agência da ONU para as Migrações, que custeia passagens aéreas e emissão de documentos, oferece recursos financeiros para reintegração no país de origem, além de dar assistência psicossocial para as famílias.
‘Voltar foi um alívio’
Em Guararapes, no interior de São Paulo, Lucas Ferreira, de 37 anos, também buscou ajuda por meio do programa da OIM para retornar ao Brasil após viver quatro anos em Portugal.
Lucas imigrou em 2018 para a vila da Moita, na área metropolitana de Lisboa, onde trabalhou como barbeiro, profissão que já exercia no Brasil havia 10 anos.
No entanto, sem visto de trabalho, ele enfrentou condições desfavoráveis, incluindo longas horas de trabalho, sem folga aos domingos e feriados, e baixa remuneração.
A situação se agravou durante a pandemia, quando a barbearia onde ele trabalhava fechou, deixando-o sem dinheiro.
“Cheguei a pedir cesta básica, alimento em ONG, recebi ajuda de pessoas para comer. Passei por coisas lá que eu nunca tinha passado no Brasil”, relembra, emocionado.
Lucas voltou para o Brasil em março de 2022 e hoje tem seu próprio negócio.
“Além das passagens e toda a documentação, recebi da OIM 2 mil euros [hoje cerca de R$ 12 mil] para recomeçar no Brasil”, conta.
“Com esse dinheiro, abri minha barbearia, onde atendo há quase dois anos. Voltar foi um alívio devido à situação que passei. O Lucas que foi era aventureiro. O Lucas que voltou é o Lucas pé no chão.”
Aumento da busca por ajuda para voltar ao Brasil
As histórias de Silas e Lucas são exemplos de uma situação crescente entre brasileiros vivendo na Europa: a busca por ajuda para retornar ao país quando o sonho da imigração é frustrado.
Em 2023, a Agência da ONU para as Migrações apoiou o retorno de 1.661 brasileiros, segundo levantamento que considera 34 países.
Esse número é mais que o triplo do total de brasileiros auxiliados pelo programa em 2016.
Além de países europeus, o programa também acontece em nações como Austrália, Costa Rica, Japão, Marrocos, México e Uruguai.
Desde 2016, entre as pessoas que tiveram o retorno custeado, 1.316 indivíduos também receberam apoio financeiro da OIM para recomeçar em seus países, a chamada reintegração socioeconômica.
A organização diz que as situações são avaliadas caso a caso, e considera critérios como quantidade de filhos, formação acadêmica, situação de vulnerabilidade, situação prévia no Brasil, entre outros.
Segundo a OIM, 42% optaram por investir o auxílio recebido em empreendimentos próprios, 29% usaram para despesas médicas e 14% aplicaram em educação ou treinamento profissional. A OIM afirma que utiliza seus próprios recursos financeiros globais para viabilizar o retorno de migrantes pelo mundo.
Goiás (33%), Minas Gerais (15%), São Paulo (15%), Distrito Federal (4%) e Paraná (4%) são os principais Estados para onde retornaram os migrantes brasileiros entre 2016 e 2023, segundo a OIM.
Brasileiros lideram pedidos em Portugal, Irlanda e Bélgica
Em Portugal, Irlanda e Bélgica, os brasileiros lideram as solicitações de Retorno Voluntário, conforme dados da OIM.
Em Portugal, onde são a maior comunidade estrangeira (30,7% dos imigrantes), eles representam 80% dos pedidos de retorno. A maioria (61%) dos brasileiros que retornaram ao Brasil tinha entre 25 e 35 anos.
“O desemprego, as dificuldades de acesso ao mercado de trabalho, os desafios na regularização e a situação econômica são os principais motivos citados, muitas vezes interligados, que aumentam a vulnerabilidade e o desejo de retorno ao país de origem”, explica Vasco Malta, chefe da OIM em Portugal.
Na Irlanda, os brasileiros, que são apenas 4% dos imigrantes, solicitaram 44% dos pedidos de retorno voluntário — 71 de um total de 161 solicitações, segundo dados do governo irlandês. Esses números incluem tanto retornos pelo programa da OIM quanto pelo programa financiado pelo governo irlandês.
Na Bélgica, onde os brasileiros representam 3% dos imigrantes, eles foram responsáveis por 43% dos pedidos de retorno em 2023. Dos 2.308 pedidos registrados no ano passado, 995 foram feitos por brasileiros, conforme dados do governo belga em parceria com a OIM.
Retorno de brasileiros em outros países
No Reino Unido, onde o governo financia os retornos voluntários sem a ajuda da OIM, a comunidade brasileira ficou em terceiro lugar entre as nacionalidades que mais solicitaram o programa no ano passado, com 12% do total. Apenas albaneses (20%) e indianos (15%) tiveram mais solicitações.
Na Espanha, onde o governo também cobre os custos dos retornos voluntários, 86 dos 1.019 pedidos feitos em 2023 foram de brasileiros, representando 8,4% do total. Apesar disso, os brasileiros são apenas 0,13% dos mais de 5 milhões de imigrantes no país.
Na Alemanha, segundo o Escritório Federal de Migração e Refugiados, apenas 17 dos 10.673 pedidos de retorno em 2023 foram feitos por brasileiros.
A presença brasileira entre os imigrantes na Alemanha é também baixa, com cerca de 58 mil brasileiros em um total de 13,9 milhões de estrangeiros residentes no país.
‘Voltar faz parte’
Embora muitas pessoas possam ver o retorno ao país de origem como um sinal de fracasso ou vergonha, pesquisas recentes sobre migração indicam uma mudança de paradigma, segundo o professor Leonardo Cavalcanti, Coordenador Científico do Observatório das Migrações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB).
“Hoje, o retorno não é mais visto como uma decisão definitiva, mas como uma etapa em um mundo cada vez mais dinâmico. É comum que uma pessoa volte para o país de origem e depois se desloque para outro país onde tenha redes migratórias conhecidas. Esse fenômeno é uma parte atual do processo de migração, impulsionado por fatores como crises econômicas, dificuldades de adaptação e necessidades familiares”, explica o professor.
Cavalcanti também observa que, para muitos brasileiros, retornar ao Brasil pode representar uma grande oportunidade de recomeço.
Mesmo aqueles que não conseguiram empregos qualificados no exterior podem encontrar novas perspectivas profissionais e oportunidades de relacionamento devido à experiência adquirida.
“Quem retorna ao Brasil traz consigo uma bagagem cultural e um conhecimento de mundo valiosos. Esse retorno representa um potencial e um diferencial para a sociedade brasileira. O país deve reconhecer e aproveitar a contribuição dessas pessoas bem formadas para o desenvolvimento nacional”, afirma Cavalcanti.