sexta-feira 11 de outubro de 2024
Manifestantes fazem vigília em homenagem a Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah, em Bagdá — Foto: MURTAJA LATEEF / AFP
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sábado 28 de setembro de 2024 às 18:14h

Morte de líder do Hezbollah gera impactos no Oriente Médio que são incertos

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“Sua Eminência, o mestre da resistência, o servo justo, Sayyed Hassan Nasrallah, passou para o lado de seu Senhor como um grande mártir”. A declaração emitida pelo Hezbollah, na manhã de sábado, confirmou a morte de seu líder, um dos mais influentes líderes políticos e militares do Oriente Médio nas últimas décadas, quase um dia depois de um ataque israelense em Beirute, anteontem. Um episódio que marca, além do que analistas veem como resultado de um erro de cálculo do grupo libanês, o início de um período de incertezas e instabilidade em toda a região.

Desde o bombardeio contra o local apontado como base do Hezbollah no subúrbio de Dahyeh, rumores sobre o destino de Nasrallah iam desde relatos de que ele estava bem, até os que apontavam que ele poderia ter morrido. No ataque, os israelenses usaram armas do tipo “bunker-buster”, feitas para penetrar estruturas de concreto, como a que abrigava o chefe do grupo armado há anos.

— Acho muito difícil imaginá-lo vivo após um ataque como esse — afirmou, em caráter de anonimato, um oficial israelense ao jornal Times of Israel, na noite de sexta. Horas antes, Ali Larijani, conselheiro do líder supremo do Irã, Ali Khamenei, disse que “qualquer líder da resistência martirizado (morto) poderia ser substituído”.

Na manhã de sábado, veio a confirmação. Primeiro de Israel, com uma mensagem curta e direta de Nadav Shoshani, porta-voz militar, na rede social X: “Hassan Nasrallah está morto”. Depois, em um comunicado da própria milícia.

“Que Allah conceda ao sr. Hassan Nasrallah, que Allah esteja satisfeito com ele, o mais alto prêmio divino, a Ordem do Imã Hussein, que a paz esteja com ele, cumprindo seus desejos mais preciosos e os mais altos níveis de fé e crença pura”, diz o texto, divulgado pela mídia do Hezbollah.

Mas como mostraram outras mortes de líderes de grupos armados, a fim de Nasrallah não significará o fim do grupo — seu primo, Hashem Safieddine, é apontado como provável sucessor — tampouco o fim do conflito. Mas um evento crucial como o bombardeio de sexta-feira em Dahyeh deve ter repercussões amplas e ainda incertas.

A principal delas diz respeito ao Irã. Principal apoiador do Hezbollah, o regime em Teerã não tem dado sinais de que queira se envolver em uma guerra ampla, mas segue usando suas forças aliadas, incluindo milícias no Iraque, Iêmen e Síria, para desferir ações pontuais contra os israelenses. Contudo, caso a morte de Nasrallah leve a um enfraquecimento das posições militares do Hezbollah, o cálculo pode mudar: afinal, o grupo é considerado a primeira linha de defesa do Irã contra Israel.

— É realmente uma questão saber se o Hezbollah tem a capacidade de lançar ataques com mísseis de grande alcance contra Israel neste momento — disse, ao New York Times, Julien Barnes-Dacey, diretor do programa para o Oriente Médio e Norte da África do Conselho Europeu de Relações Exteriores, observando que, se não for o caso, “isso pode levar o Irã a ir atrás de armas nucleares, já que eles considerariam essa a única forma eficaz de enfrentar Israel ainda possível”.

Teerã, além de decretar luto oficial de cinco dias, levou Khamenei para um local seguro e convocou tropas, que estão em estado de prontidão. O líder supremo também prometeu se vingar do ataque, repetindo palavras como as ditas após o assassinato do chefe político do Hamas, Ismail Haniyeh, em Teerã, em julho. A retaliação, contudo, jamais veio.

Ao longo do dia, foram lançados foguetes do Líbano em direção a Israel, e o Exécito aficmou que um projétil caiu na Cisjordânia, causando um incêndio, mas sem deixar vítimas. Mais cedo, o Hezbollah disse ter lançado mísseis de longo alcance na direção de Jerusalém, e sirenes chegaram a ecoar pela cidade, mas não há registro de danos ou de que as armas tenham sido interceptadas.

Clérigo formado na cidade sagrada de Najaf, no Iraque, Nasrallah rapidamente subiu na escala de poder do Hezbollah nos anos 1980, aliando qualidades de comando militar em um Líbano ainda em guerra civil com as de liderança político-religiosa, que soube cultivar laços com o maior aliado e financiador do grupo: o Irã. Em 1992, após o assassinato de Sayyad Abbas Musawi em um ataque israelense, assumiu o comando do Hezbollah, e moldou a “Resistência”, como o grupo se refere a si mesmo, como uma força militar e política única no Oriente Médio.

Com a saída de Israel do sul do Líbano, em 2000, e após a guerra de 2006 contra os mesmos israelenses, o status de Nasrallah foi elevado a um patamar similar ao de um chefe de Estado informal: no começo da década de 2020, o Hezbollah tinha uma forte presença no conturbado meio político libanês, e era visto por analistas como a maior potência militar não-estatal do mundo. O arsenal de “100 mil mísseis”, sistemas de defesa antiaérea e tanques, herdados da Síria, eram considerados pelos líderes da organização (e também por Teerã) uma ferramenta eficaz de dissuasão contra Israel, mesmo em tempos menos turbulentos do que os vividos nos últimos 12 meses.

Um excesso de confiança que pode ter definido seu destino.

Após os ataques do grupo terrorista Hamas contra Israel, em 7 de outubro de 2023, o grupo libanês iniciou um conflito de baixa intensidade com os israelenses ao longo da fronteira, marcado por lançamentos mútuos de foguetes e centenas de vítimas, incluindo militantes e civis. A ideia era servir como força de apoio ao Hamas, grupo que, embora seja de orientação sunita, também integra o “Eixo da Resistência”, liderado pelo Irã e que tem em Israel seu principal inimigo.

Dezenas de milhares de pessoas dos dois lados precisaram sair de casa para fugir das explosões, e Nasrallah parecia satisfeito: em suas falas, feitas do mesmo bunker onde foi morto, dizia que os ataques cessariam caso Israel baixasse as armas em Gaza. Um blefe que fracassou de forma colossal.

— O Hezbollah acreditava que seu jogo de dissuasão com Israel estava basicamente empatado — observou Michael Young, editor sênior do Carnegie Middle East Center em Beirute, ao New York Times. — Mas os israelenses mostraram que não era bem assim.

Fumaça sobe de um ataque aéreo israelense nos subúrbios ao sul de Beirute, em 27 de setembro de 2024 — Foto: David Guttenfelder/The New York Times
Fumaça sobe de um ataque aéreo israelense nos subúrbios ao sul de Beirute, em 27 de setembro de 2024 — Foto: David Guttenfelder/The New York Times
 Há duas semanas, o premier, Benjamin Netanyahu, disse que os objetivos da guerra tinham mudado, e que agora incluíam o retorno dos moradores ao norte de Israel. O ministro da Defesa, Yoav Gallant, afirmou que tal plano só teria sucesso com uma ação militar, que veio, mas não da forma como se esperava. As explosões de pagers e walkie-talkies mostraram o grau de vulnerabilidade do grupo, e os ataques aéreos incessantes, como o que matou Nasrallah, confirmaram que não se tratava apenas de uma ofensiva normal, mas sim de um evento de decapitação, que eliminou vários integrantes do alto escalão do grupo. Segundo números do governo libanês, 1.030 pessoas morreram desde a intensificação dos ataques aéreos, incluindo civis e membros do Hezbollah.

— Eles (Israel) conseguiram se infiltrar profundamente no Hezbollah, de tal modo que parecem saber tudo hoje, incluindo onde estão os líderes e quando se encontram — disse Young. — Em todos os níveis de escalada, o Hezbollah não foi capaz de acompanhar os israelenses.

Ao comentar a morte, o premier israelense afirmou que era um “ponto de virada histórico”, que o líder do Hezbollah era o principal terrorista da região, que “acertou as contas com ele” e que agora será possível “avançar” com a libertação dos reféns em Gaza.

— Eliminar Nasrallah era uma condição essencial para atingir os objetivos que estabelecemos: devolver os moradores do norte em segurança para suas casas e mudar o equilíbrio de poder na região por anos — afirmou. — [Enquanto Nasrallah estivesse vivo] ele teria rapidamente reabilitado as capacidades do Hezbollah.

Apesar das Forças Armadas locais terem, segundo analistas, a capacidade de manter várias frentes ativas de combate, o cansaço das tropas e a pressão internacional começam a pesar. Cerca de 48 horas antes do anúncio da morte do líder do Hezbollah, EUA e França lideraram um pedido por uma trégua de 21 dias no Líbano. Netanyahu, que teria concordado com o plano, recuou, e deu, na sexta-feira, um bélico discurso na Assembleia Geral da ONU, espécie de prenúncio para os bombardeios.

Antes da confirmação da morte, vários governos analisam planos para seus civis do Líbano, incluindo o Brasil, que tem uma comunidade de 21 mil cidadãos no país. Neste sábado, o chanceler, Mauro Vieira, se reuniu com o premier libanês, Najib Mikati, em Nova York, e discutiu uma eventual operação de repatriação. Até o momento, a ordem é para que as pessoas que desejem sair do Líbano busquem passagens comerciais através do aeroporto de Beirute, que segue operacional.

Contudo, a União Europeia emitiu neste sábado um alerta para que as empresas aéreas do continente evitem os espaços aéreos de Israel e Líbano “em todos os níveis de voo”, até o dia 31 de outubro, citando “uma intensificação geral dos ataques aéreos e degradação da situação de segurança”. Algumas empresas já cancelaram seus voos para a área ao longo da semana, mas as operações nos aeroportos e Beirute e Tel Aviv não foram suspensas.

Logo após o anúncio, o presidente dos EUA, Joe Biden, disse que a morte de Nasrallah era uma “medida de justiça para suas muitas vítimas” — até os atentados de 11 de setembro de 2001, o Hezbollah era o responsável pelo maior número de mortes de cidadãos americanos no exterior. Mas ao mesmo tempo em que apoio “o direito de Israel à autodefesa”, disse que seu objetivo principal era usar a diplomacia para resolver os conflitos em Gaza e no Líbano. Kamala Harris, sua vice e candidata à Presidência, afirmou em comunicado que Nasrallah tinha “sangue americano nas mãos”, apresentou sua defesa dos interesses israelenses e disse que a diplomacia é o melhor caminho para a estabilidade.

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