Sem o chinês Xi Jinping e o russo Vladimir Putin, os líderes do Brics se reúnem a partir deste domingo (6), no Rio de Janeiro, em uma cúpula esvaziada e que ainda tem pelo menos dois pontos relevantes em aberto na sua declaração final: a reforma do Conselho de Segurança da ONU e os termos para condenar as recentes ações militares contra o Irã.
A delegação iraniana exigiu uma postura mais firme do Brics contra os ataques recentes de Israel e dos Estados Unidos às suas instalações nucleares, com linguagem que vá além da nota conjunta divulgada pelo grupo na semana retrasada, expressando “profunda preocupação” e enfatizando a violação do direito internacional.
Para o Irã, o termo é brando demais e há necessidade de ser mais incisivo. A adoção de uma linguagem mais dura, no entanto, esbarra em países — Índia, Arábia Saudita, Egito e Emirados Árabes — com boas relações ou laços de segurança com o eixo Washington-Tel Aviv.
O chanceler iraniano, Abbas Araghchi, está a caminho do Rio e deve jogar mais pressão por esses termos. Um diplomata do Brics envolvido nas negociações reconhece que a divergência tem potencial para complicar a declaração dos líderes do Brics.
Esse diplomata teme, inclusive, que a linguagem do grupo sobre a questão palestina e a situação em Gaza — consolidada em encontros anteriores — seja contaminada pelo impasse. O Irã é apoiador do Hamas.
Desfalques
Xi e Putin não serão os únicos desfalques. O presidente do Egito, Abdel Fatah Al-Sisi, e o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, já haviam comunicado sua ausência na cúpula.
O presidente do Irã, Masoud Pezeshkian, sinalizava a possiblidade de vir ao Rio mesmo após os ataques de Israel e dos Estados Unidos ao país. Nesta semana, avisou a decisão de cancelar.
Até países da região, escolhidos pelo Brasil como convidados, estão enviando representantes menores. Em crise política interna, o colombiano Gustavo Petro mandou apenas o embaixador do país em Brasília. A mexicana Claudia Sheinbaum também acabou não vindo.
Diante dos desfalques, algumas presenças destacadas no encontro são:
- Narendra Modi, primeiro-ministro da Índia
- Cyril Ramaphosa, presidente da África do Sul
- Li Qiang, primeiro-ministro da China
- Prabowo Subianto, presidente da Indonésia
- Pham Minh Chinh, primeiro-ministro do Vietnã
- Sergei Lavrov, ministro das Relações Exteriores da Rússia
- Mohamed bin Zayed, príncipe-herdeiro de Abu Dhabi e presidente dos Emirados Árabes Unidos
- Antonio Guterres, secretário-geral da ONU
- Tedros Adhanom, diretor-geral da OMS (Organização Mundial da Saúde)
- Ngozi Okonjo-Iweala, diretora-geral da OMC (Organização Mundial do Comércio)
As ausências são obviamente lamentadas pelo governo brasileiro, mas o Palácio do Planalto e o Itamaraty tentam enxergar o copo “meio cheio”.
Reservadamente, diplomatas citam certo “alívio” com o não comparecimento de líderes em meio à crescente tensão no Oriente Médio, o que poderia lançar olhares da comunidade internacional sobre um suposto caráter “anti-Ocidente” do Brics.
A intenção do Brasil, à frente da presidência do grupo, é fazer uma defesa firme do multilateralismo. O presidente Lula da Silva (PT) receberá seus convidados no Museu de Arte Moderna (MAM), no Aterro do Flamengo, sob forte esquema de segurança.
As Forças Armadas fizeram uma “megamobilização”: caças F-5M e aviões A-29 (Super Tucano) equipados com mísseis, oito helicópteros, nove embarcações, 38 blindados, 147 motocicletas, 361 viaturas.
O Exército, a Marinha e a Aeronáutica chegaram a simular um ataque com armas químicas, biológicas, radiológicas e nucleares em meio à cúpula para testar e aperfeiçoar suas capacidades de resposta.
Outras divergências
Nas negociações, além dos ataques ao Irã, outros dois pontos ainda estavam em aberto. Um era a linguagem a ser adotada pelos países do Brics para condenar medidas protecionistas — em referência à guerra tarifária deflagrada pela Casa Branca.
Em maio, os ministros de Comércio do Brics se reuniram em Brasília e disseram estar “profundamente preocupados com essas práticas e políticas que minam as regras da OMC (Organização Mundial do Comércio) e o sistema multilateral”.
Havia divergências, porém, sobre os termos na declaração final dos líderes. Alguns países, como o Brasil, preferiam uma linguagem mais direta — embora sem menções específicas a Trump.
Outros, como China e Índia, estão em um delicado processo de negociação comercial com os Estados Unidos para amenizar a aplicação de tarifas. Por isso, segundo relatos feitos à CNN, preferiam um jogo de palavras menos incisivo. Nas últimas horas, essas divergências foram praticamente contornadas.
A segunda indefinição, que permanece, diz respeito ao Conselho de Segurança da ONU. O Brasil tem interesse em cobrar, como nas declarações anteriores nas cúpulas do Brics, uma reforma do colegiado e a inclusão de novos membros permanentes. Egito e Etiópia resistem.
Os dois países africanos já haviam impedido, em abril, um comunicado final na reunião de chanceleres do Brics. Foi a primeira vez, na história do bloco, que isso ocorreu.
A resistência do Egito e da Etiópia é vista como uma percepção das duas nações de que, caso haja uma reforma das Nações Unidas em algum momento, os assentos do continente africano no Conselho de Segurança venham a ser preferencialmente ocupados por África do Sul e Nigéria — economias maiores e mais robustas.