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domingo 10 de novembro de 2024 às 16:45h

Imigrantes brasileiros temem deportação em massa sob governo Trump: ‘Não dá para sair à noite’

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Quando a mineira Lucimara Rodrigues cruzou a fronteira dos Estados Unidos com o México, sozinha, em busca do “sonho americano” há 21 anos, a imigração estava longe de ser tema de polarização na sociedade. De lá para cá, ela se estabeleceu em Boston, teve dois filhos no país e ascendeu profissionalmente, abandonando a rotina de empregada doméstica para se tornar dona do seu próprio negócio. Tudo isso, no entanto, sem regularizar o seu status migratório. Com o retorno de Donald Trump à Casa Branca e sua promessa de promover “a maior deportação em massa da História”, ela teme que a hostilidade contra imigrantes e a abordagem ostensiva das autoridades tragam de volta a instabilidade que sentiu na pele durante o primeiro mandato do republicano.

— No primeiro governo Trump, eu tinha medo de ser deportada porque ele colocava blitz de agentes da Imigração na rua. Não dá para sair à noite. Você fica com medo de que seus vizinhos chamem a Imigração para pegar você. Ele vai na televisão e fala: “Se você conhece um imigrante suspeito, denuncie.” Às vezes a pessoa não está fazendo nada e é denunciada — conta ao jornal O Globo. — Eu tenho bem mais de 10 anos aqui, já tenho um vínculo com o país e sei dos meus direitos. Eu teria que ver um juiz antes de ser mandada para o Brasil. Mas quem está há menos de 10 anos pode ser deportado de qualquer maneira.

A sua história está longe de ser um caso isolado. Estima-se que, dos quase 2 milhões de brasileiros que residem nos Estados Unidos, 230 mil estejam em situação irregular. O número coloca o Brasil como o 8º país com mais imigrantes sem documentos em território americano, segundo um balanço do Departamento de Segurança Interna de 2023. Entre outubro de 2019 e setembro deste ano, 162 mil brasileiros foram flagrados tentando cruzar a fronteira México-EUA, a 12ª nacionalidade mais apreendida. De acordo com o Itamaraty, os EUA são o principal destino de expatriados, com Nova York, Boston e Miami liderando o ranking de áreas com as maiores comunidades brasileiras do mundo.

Imigração brasileira nos EUA em números — Foto: Arte/O GLOBO
Imigração brasileira nos EUA em números — Foto: Arte/O GLOBO

Direitos na mira

Mesmo aqueles com status migratório regular temem as consequências da “caça aos imigrantes”, nas palavras de Elen Silva (nome fictício), brasileira que falou com a reportagem sob anonimato. Ela migrou para o país com o marido e a filha ainda bebê em 2018, contando com a ajuda de parentes que viviam nos EUA, e seu primeiro emprego também foi como doméstica. Hoje, ela trabalha numa ONG de acolhida a imigrantes em Boston e diz que sua principal preocupação são as ordens executivas (decretos) impostas por Trump, que no primeiro mandato limitaram o acesso de migrantes irregulares a direitos básicos.

— Acho muito difícil acontecer essa deportação do jeito que ele está falando, ele deve tentar tirar quem entrou no país por último ou que tenha algum tipo de processo criminal — pontua ela. — Do que eu tenho medo mesmo são as ordens executivas. A primeira coisa que ele faz é tirar os direitos dos imigrantes. E quando o imigrante precisa pedir auxílio ao governo, isso acaba diminuindo as chances de conseguir o green card depois.

Analistas ouvidos pelo jornal O Globo se mostraram céticos quanto à viabilidade de uma política de deportação em massa, que poderia afetar até 11 milhões de pessoas. Para a advogada Marta Mitico, presidente da Associação Brasileira de Especialistas em Migração e Mobilidade Internacional (Abemmi), muitas das políticas testadas por Trump no passado — como a construção de um muro na fronteira EUA-México (em moldes diferentes do prometido na campanha) e a separação de pais e filhos que fizeram a travessia juntos — não deram certo. Agora, suas promessas esbarram na economia, tema central nas urnas.

— Trump é muito barulhento, mas em termos práticos ele fez menos deportações que [Barack] Obama, que foi mais legalista e firme, mas silencioso — comparou Mitico. — Para deportar pessoas, há um custo astronômico da máquina administrativa. Como você coloca isso no bojo das necessidades do país? Os juízes americanos vão trabalhar só com deportação? Ainda é preciso mapear as pessoas. Elas estão trabalhando na agricultura, na construção civil… Isso vai ter impacto na economia, porque esses imigrantes estão ocupando postos que os americanos não querem.

Donald Trump faz discurso sobre imigração na fronteira EUA-México, no Texas — Foto: Doug Mills / The New York Times
Donald Trump faz discurso sobre imigração na fronteira EUA-México, no Texas — Foto: Doug Mills / The New York Times

Expulsão sob democratas

No primeiro governo Trump (2017-2021), 1,6 milhão de imigrantes foram deportados dos EUA — quase metade do que houve no primeiro mandato de Obama (2009-2012) e 490 mil a menos do que no segundo (2013-2016). Apesar do fluxo de saída de imigrantes irregulares ter sido maior em gestões anteriores, foi durante o governo Obama que houve o maior número de deportações por via legal da História: 3 milhões. Segundo Gustavo Nicolau, advogado de imigração nos EUA, isso foi consequência da chuva de processos iniciados ainda sob George W. Bush (2001-2008), cuja pressão em cima dos imigrantes sem documento levou à saída voluntária de 8 milhões de pessoas “deportáveis” — efeito que pode se repetir sob Trump, já que a via legal é mais lenta e custosa.

Para Lucimara Rodrigues, que morou nos EUA durantes todos esses governos, a atmosfera é menos hostil sob presidentes democratas, embora eles deportem mais.

— Os democratas são os que mais deportam e fazem isso de uma maneira tão correta que você não tem como recorrer a um juiz de imigração. Mas na questão interna, para quem vive aqui, eles não deixam supremacistas brancos abusarem da gente — afirma. — Trump deporta de uma maneira irregular, suja, usa empresas para isso. Você consegue recorrer, mas vive com medo, sai de casa sem saber se vai voltar, seja por causa das blitzes ou por um atentado motivado por racismo.

Agora, com o Senado também sob controle do Partido Republicano, a Câmara se encaminhando na mesma direção, e a Suprema Corte com uma maioria conservadora, tanto Elen quanto Lucimara disseram temer mudanças na legislação que autorizem, por exemplo, policiais locais a abordarem imigrantes e denunciá-los, o que hoje é proibido, ou o cruzamento de dados com serviços de saúde e educação para localizá-los.

Na avaliação de Nicolau, o clima anti-imigrante fomentado por Trump “contamina o sistema de cima para baixo”. Por isso, mesmo normas basilares da Constituição, como o veto à abordagem policial sem uma suspeita fundamentada para isso, podem se tornar mais elásticas.

— O imigrante irregular, em teoria, geralmente só tem um processo de deportação iniciado se for fichado criminalmente. Há pessoas que passam 20 anos sem status regular, nunca foram pegas pela polícia e vida que segue. Ou, às vezes, são paradas por algo menor, como uma infração de trânsito, recebem uma multa e o policial nem pergunta sobre o status migratório — explica. — Mas a eleição de um presidente tão verborrágico influencia a cadeia. Hoje, quando um imigrante comete um crime, o Judiciário alerta o Departamento de Imigração. Trump pode acabar mexendo na gravidade do que aciona esse alerta, incluindo delitos de menor potencial ofensivo.

Fuga de cérebros

Apesar do discurso duro, Nicolau lembra que, no primeiro mandato do republicano, ele encaminhou para o Congresso um projeto de lei que quintuplicava o número de green cards baseados em mérito. Segundo o advogado, o governo Trump deve mirar na concessão de vistos humanitários, enquanto estimula a fuga de cérebros do mundo inteiro para o país.

— Os EUA precisam desesperadamente de imigrantes. Falar que vai deportar todo mundo é bravata de campanha. O Departamento de Imigração americano sabe que o país está perdendo competitividade em certas áreas para China e Rússia — analisa. — O que Trump deve diminuir são vistos baseados em relação de parentesco e asilo humanitário, em que os democratas são mais permissivos, e incentivar vistos para mão de obra especializada.

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