A decisão do governo francês de construir uma prisão de segurança máxima no território ultramarino da Guiana Francesa provocou uma onda de protestos entre autoridades e moradores locais, informa reportagem do portal g1. O novo presídio vai funcionar no meio da selva amazônica para abrigar traficantes de drogas e detentos condenados por radicalismo islâmico. A construção será erguida em Saint-Laurent-du-Maroni, município marcado por seu passado como sede de uma notória colônia penal. A inauguração está prevista para 2028.
Segundo o ministro da Justiça da França, Gérald Darmanin, a instalação contará com um anexo de segurança máxima com 60 vagas, dentro de um complexo prisional com capacidade total para 500 detentos e orçamento estimado em 450 milhões de dólares (cerca de R$ 2,5 bilhões). Em entrevista ao jornal Le Journal du Dimanche, publicada neste domingo, Darmanin justificou a iniciativa como parte da estratégia nacional contra o narcotráfico.
— Sessenta vagas, um regime prisional extremamente rigoroso e um objetivo: retirar de circulação os perfis mais perigosos envolvidos no tráfico de drogas — afirmou o ministro.
Segundo o Ministério da Justiça, 15 dessas vagas serão destinadas especificamente a condenados por envolvimento com o radicalismo islâmico. Darmanin destacou que a localização isolada da unidade, no meio da selva amazônica, servirá como um mecanismo de ruptura entre os líderes do crime organizado e suas redes.
— Minha estratégia é simples — atingir o crime organizado em todos os níveis. Essa prisão será uma salvaguarda na guerra contra o narcotráfico — declarou o ministro, durante visita à Guiana Francesa.
História penal e tensão colonial
A escolha do local reacende memórias sensíveis na história da Guiana Francesa. Saint-Laurent-du-Maroni foi sede de uma colônia penal que operou entre os séculos 19 e 20 e ficou conhecida por abrigar prisioneiros políticos franceses, muitos dos quais enviados à Ilha do Diabo. A antiga prisão inspirou o livro Papillon, posteriormente adaptado para o cinema.
Atualmente, a Guiana apresenta o maior índice de homicídios proporcional à população entre os territórios franceses — 20,6 assassinatos por 100 mil habitantes em 2023, número quase 14 vezes superior à média nacional. A região é rota de tráfico de drogas para a Europa, com registros frequentes de passageiros transportando cocaína em voos com destino a Paris.
Mesmo assim, o anúncio do novo presídio foi recebido com indignação por autoridades locais, que afirmam não terem sido consultadas previamente.
— É, portanto, com espanto e indignação que os membros eleitos da Coletividade descobriram, junto com toda a população da Guiana, as informações detalhadas no Le Journal du Dimanche — escreveu Jean-Paul Fereira, presidente interino da Coletividade Territorial da Guiana Francesa, em comunicado oficial.
Segundo Fereira, o projeto inicial, firmado em 2017, previa a construção de um presídio para aliviar a superlotação da prisão já existente no território, e não a transferência de presos de alta periculosidade da França continental.
— Embora todos os representantes locais tenham, há muito tempo, solicitado medidas fortes para conter o aumento do crime organizado em nosso território, a Guiana não deve se tornar um depósito de criminosos e pessoas radicalizadas vindas da França continental — criticou.
O deputado franco-guianense Jean-Victor Castor também se posicionou contra o plano, chamando-o de “retrocesso colonial”.
— É um insulto à nossa história, uma provocação política e um retrocesso colonial — afirmou Castor em nota pública, pedindo a retirada imediata do projeto pelo governo francês.
A polêmica se insere em um contexto mais amplo de tensões históricas entre o governo central da França e seus territórios ultramarinos, onde decisões tomadas em Paris frequentemente são vistas como imposições, desconsiderando as realidades locais. A instalação da nova prisão, próxima a um marco do passado penal da Guiana, aprofunda essas divergências e reabre debates sobre autonomia, memória e justiça.