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sábado 14 de setembro de 2024 às 09:41h

Especialistas consideram fala de Lula sobre privatização atrasada e fora de contexto

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O presidente Lula da Silva (PT) trouxe à tona novamente, na sexta-feira (13), o debate sobre as estatais ao afirmar que o papel dessas empresas não é apenas de dar lucro, mas de prestar serviços à população e que uma parte dos ganhos dessas companhias geridas pelo Estado tem que ser revertida em benefício do desenvolvimento nacional. Lula também criticou as privatizações feitas no país nos últimos anos: “A venda da BR Distribuidora melhorou em que para a sociedade? Barateou o combustível? Tiraram um pedaço da Petrobras! A Vale está melhor agora por ser privatizada ou era melhor quando era do Estado? E a Eletrobras”, questionou.

Especialistas ouvidos pelo jornal Valor consideram que a discussão levantada por Lula é atrasada e fora de contexto diante dos números apresentados pelas empresas que passaram para as mãos da iniciativa privada. Os especialistas reconhecem a importância das estatais na economia, mas ressaltam que problemas de governança e ineficiências impedem uma gestão mais ágil e abrem espaço para ingerências políticas.

Após as falas, as ações de Petrobras reduziram os ganhos na bolsa na sexta-feira. Lula fez as declarações em discurso na inauguração do Complexo de Energias Boaventura, antigo Comperj, em Itaboraí, na região metropolitana do Rio. Na ocasião, o presidente também atacou a remuneração dos executivos de ex-estatais, com ênfase na Vale e na Eletrobras. Ele classificou quem defende os processos de privatizações como “um bando de imbecis”.

O complexo de energia Boaventura é o terceiro nome da unidade, que inicialmente era batizado de Comperj e foi renomeado para Polo Gaslub pelo governo de Jair Bolsonaro em 2019. A pedra fundamental foi lançada em 2006 e as obras, iniciadas em 2008, mas foram paralisadas em 2015, após as denúncias de corrupção investigadas pela Operação Lava-Jato, a partir de março de 2014. Ao todo foram investidos cerca de US$ 13 bilhões (R$ 71,5 bilhões pelo câmbio atual) desde o lançamento do Comperj.

Marcus D’Elia, sócio da Leggio Consultoria, disse que o grande mérito da Vibra (antiga BR Distribuidora) de estar fora da Petrobras é poder se adaptar às necessidades da transição energética: “A Vibra atua sem a limitação que a Petrobras poderia trazer a uma distribuidora subsidiária.” Para o consultor, entre as distribuidoras no Brasil, a Vibra é a que mais busca diversificar o tipo de combustível que vai oferecer ao mercado: “A Vibra tem uma linha muito clara em busca da transição energética. Na época em que a BR Distribuidora era da Petrobras, essa visão não existia. Hoje é uma visão secundária na estatal, dada a própria visão da presidente Magda Chambriard, que tem focado em fósseis. Os investimentos em renováveis são secundários dentro da Petrobras, isso não é segredo”, diz D’Elia.

O professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV EESP), Joelson Sampaio, vai além e afirma que faltam políticas para mensurar os ganhos com a privatização e evitar que as discussões sejam somente baseadas em opiniões: “O Estado precisa implementar um processo de avaliação das privatizações. O contexto de desestatização não reduz o papel do Estado, que sai de executor direto das atividades para um fiscalizador.”

Na visão de Sampaio, as falas de Lula levantam a questão sobre as incertezas em torno aos resultados das privatizações: “Precisamos avaliar as empresas privatizadas em termos de benefícios econômicos, sociais e ambientais.”

O economista Claudio Frischtak, presidente da consultoria Inter.B, ressalta que Lula acredita que as estatais têm papel importante no desenvolvimento do país, mas essa visão embute dois problemas.

O primeiro, segundo ele, é o fato de que muitas delas possuem déficit de governança, em maior ou menor grau, com uso de cargos de gestão como moeda de troca política – prática que se verifica ao longo de décadas. “Talvez ele [Lula], não veja isso como um problema, mas é um problema enorme, que distorce as decisões que são tomadas”, disse.

O segundo ponto é que mesmo quando há boa governança nas estatais, com pouca interferência dos governos, os gestores dessas empresas padecem do fato de só poderem fazer o que a lei permite, sujeitando-se ao Direito Público, com menos flexibilidade dos gestores de companhias privadas: “Os outros [concorrentes privados] fazem tudo, exceto o que a lei proíbe, fica difícil competir”, avalia.

Para Sérgio Lazzarini, professor do Insper, não existe alguma consideração que justifique a presença de uma estatal no setor de distribuição de combustíveis. No caso da Vale, ainda na visão do professor, existe o argumento de que a privatização pode ter tornado a empresa muito orientada para o lucro e mercado externo: “Mas o setor da Vale é naturalmente de grande inserção internacional. As empresas exportam muito e direcionam seus investimentos para vários países.”

Lazzarini prossegue: “Alguns também argumentam que a orientação voltada ao lucro do acionista da Vale pode ter contribuído para os desastres ambientais que ocorreram. Mas o remédio para esse problema é institucional: reforço de órgãos de regulação e punição para desvios. Não ser necessariamente resolvidos com mais ou menos presença estatal.”

Gesner Oliveira, sócio da GO Associados e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), ressaltou que o desempenho de empresas privatizadas demonstra que o Estado não tem vocação empreendedora, atuando melhor na fiscalização e regulação de mercados. Segundo ele, a privatização da então BR Distribuidora duplicou o valor de mercado da companhia, o que significa mais arrecadação e mais investimentos, o que é melhor para o país. Da mesma forma, a atuação da Petrobras deveria ser pautada, na visão dele, em boa gestão, como no setor privado.

“Acho que as declarações do presidente Lula não correspondem aos números”, disse.

Oliveira salientou que a companhia tem grande conhecimento acumulado na exploração de águas profundas e um corpo técnico muito qualificado. Na visão dele, um bom desempenho das ações passa por boa governança e exposição a critérios de mercado e o presidente Lula deveria “olhar para a frente”, na direção de um debate real sobre como aumentar investimentos e fortalecer governança, trazendo o setor privado para essa discussão.

Segundo Oliveira, o investimento público está em níveis mínimos históricos e grande parte dos investimentos em infraestrutura, por exemplo, está baseada no modelo de parcerias público-privadas (PPP).

Além disso, a companhia deveria escolher os melhores investimentos, com alocação ideal de recursos. Para o especialista, a Petrobras pode contribuir muito na diversificação da matriz energética com entrada em fontes renováveis e na substituição de importação de fertilizantes, cuja dependência ficou clara com a guerra na Ucrânia.

A redução da dependência passaria pela fabricação de produtos convencionais ou orgânicos, de modo a garantir a segurança na cadeia do agronegócio. E também deve continuar explorando petróleo, ao mesmo tempo que as novas fontes de energia podem ser impulsionada pelo dinheiro gerado pelas “velhas fontes”.

“Tenho impressão que esse debate ‘Estado versus mercado’ parece anacrônico”, concluiu Oliveira.

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