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Instalações de desembarque na Rússia em setembro de 2021 / Reprodução /Nord Stream 2 / Nikolai Ryutin
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terça-feira 25 de janeiro de 2022 às 15:37h

Entenda como gasoduto russo de US$ 11 bilhões dividiu a Otan e UE em momento de crise

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Um encanamento submarino que entrega gás da Rússia para a Alemanha tornou-se exatamente o que os dois países sempre insistiram que nunca seria: uma arma em meio a uma crise geopolítica.

Os Estados Unidos, Reino Unido, Ucrânia e vários outros estados membros da União Europeia se opuseram ferozmente ao gasoduto desde que ele foi anunciado pela primeira vez em 2015, alertando que o projeto aumentaria a influência de Moscou sobre a Europa.

O gasoduto de 1.200 quilômetros foi concluído em setembro e agora aguarda a certificação final. Mas mesmo que ele ainda não esteja operação, já atua como uma enorme rusga entre os aliados tradicionais em um momento de tensões entre a Rússia e o ocidente.

De acordo com especialistas, isso por si só já é uma vitória para o presidente russo Vladimir Putin.

Kristine Berzina, membro sênior do German Marshall Fund dos Estados Unidos, um centro de pesquisa apartidário, disse que Moscou se beneficiou do drama gerado em torno do gasoduto. “Tudo sobre o gasoduto Nord Stream 2 tem sido uma vitória para a Rússia”, disse ela à CNN.

“Dado que o objetivo da Rússia é dividir todo mundo, se eles estão buscando romper a unidade entre a União Europeia e a Otan, este gasoduto tem sido um caminho maravilhoso”.

Durante anos, tanto a Rússia quanto a Alemanha argumentaram que o projeto é puramente um empreendimento comercial e não tem nada a ver com política.

Mas na Europa Central e Oriental, onde o fornecimento de gás da Rússia desempenha um papel essencial na geração de energia e aquecimento doméstico, poucos tópicos são mais políticos do que a segurança energética.

Com o gás natural já alcançando preços recordes, muitos temem que mais tensões possam causar problemas aos consumidores europeus.

Embora a Rússia tenha negado usar energia para pressionar a Europa, a Agência Internacional de Energia culpou Moscou por contribuir para a crise dos preços do gás na Europa ao cortar a oferta.

Os EUA e a Europa estão se preparando para a possibilidade de que a Rússia possa usar como arma as suas exportações de gás para a Europa para retaliar em casos de possíveis sanções.

Autoridades americanas familiarizadas com as discussões disseram à CNN que o governo Biden está conversando regularmente com vários países da Europa, Oriente Médio e Ásia sobre aumentar a produção de gás natural liquefeito deles para a Europa, caso uma invasão russa da Ucrânia leve à escassez de gás.

Como maior consumidor de gás da Rússia, a Alemanha relutou em usar o gasoduto para pressionar Moscou. Menos de duas semanas atrás, a ministra da Defesa alemã, Christine Lambrecht, alertou contra colocar o Nord Stream 2 no conflito.

No entanto, à medida que as tensões sobre a Ucrânia se acumularam entre a Rússia e o ocidente, a alegação foi discretamente abandonada pelos alemães.

Sob pressão dos EUA, a ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock, reconheceu na semana passada que o gasoduto Nord Stream 2 poderia ser incluído em um pacote de sanções contra a Rússia por seu envolvimento na Ucrânia.

Ao mesmo tempo, os EUA reduziram um pouco a oposição ao gasoduto falada abertamente. No início deste mês, o Senado americano rejeitou a proposta do senador republicano Ted Cruz, do Texas, para sancionar entidades associadas ao Nord Stream 2.

O principal argumento do governo Biden era que as sanções ao gasoduto prejudicariam os esforços dos EUA para impedir a ameaça russa ao dar ao ocidente menos influência.

“Putin quer ver o Nord Stream 2 acontecer. Se de alguma forma o projeto for morto antes de qualquer invasão em potencial, ele terá uma razão a menos para não invadir a Ucrânia”, disse o presidente de Relações Exteriores do Senado dos EUA, Bob Menendez.

A Ucrânia e outros países do leste europeu alertaram que o novo gasoduto pode tornar a região mais vulnerável aos caprichos da Rússia.

As disputas sobre os preços da energia atormentam a relação entre a Rússia e a Ucrânia desde o colapso da União Soviética em 1991, com a Rússia cortando seu fornecimento de gás para a Ucrânia em várias ocasiões.

No momento, a Rússia precisa da Ucrânia, porque grande parte do gás que vende para a Europa ainda flui para o resto do continente através do território da Ucrânia.

Ao contorná-la, o Nord Stream 2 tornaria mais fácil para a Rússia isolar a Ucrânia.

A decisão da Alemanha de não fornecer armas à Ucrânia tornou a situação ainda mais complexa. Enquanto vários outros países da Otan, incluindo os EUA, o Reino Unido e a República Tcheca, disseram que enviariam armas para o país, a Alemanha se recusou até agora, provocando críticas das autoridades ucranianas.

Comentários controversos do chefe da marinha alemã, vice-almirante Kay-Achim Schönbach, sobre Putin “provavelmente” merecer respeito e sugerindo que a Ucrânia perdeu permanentemente a península da Crimeia, no Mar Negro, para a Rússia, só aumentaram as tensões.

Embora Schönbach tenha renunciado por causa dos comentários, o embaixador ucraniano na Alemanha, Andrij Melnyk, disse no domingo que o governo alemão “precisa mudar seu curso em relação a Kiev” para “restaurar a confiança total na política alemã”.

O projeto é especialmente valioso para a Rússia, que depende das exportações de petróleo e gás em mais de 40% de suas receitas governamentais. Se operacional, ele entregaria 55 bilhões de metros cúbicos de gás por ano diretamente da Rússia para a Europa.

A Gazprom, empresa estatal russa proprietária do gasoduto, disse que seu preço médio de exportação foi de US$ 280 (cerca de R$ 1.540) por 1 mil metros cúbicos de gás em 2021, o que significa que o novo gasoduto pode valer mais de US$ 15 bilhões por ano (o equivalente a R$ 82,6 bilhões) .

A Gazprom já investiu cerca de US$ 11 bilhões no projeto (cerca de R$ 60,6 bilhões).

“O ocidente precisa de todas as formas possíveis de influência para dissuadir a Rússia de invadir a Ucrânia”, disse Berzina, acrescentando que não sancionar o gasoduto agora significa que ele pode ser usado como influência no futuro.

“As ambições da Rússia agora são enormes e os pedidos explícitos que fez ao ocidente sobre o retorno das tropas para onde estavam no início dos anos 90 e para fechar as portas à expansão da Otan, estes não estão de acordo com os valores do ocidente, então o ocidente realmente não pode dar à Rússia o que ela quer”.

Andrey Kortunov, diretor-geral do Conselho de Assuntos Internacionais da Rússia, disse que Moscou vê o projeto Nord Stream como um teste da autonomia estratégica da UE em relação aos Estados Unidos.

“Se o projeto Nord Stream 2 for por água abaixo, o que é possível, serviria como uma confirmação dessa percepção de que a Europa não é um parceiro confiável e de que você não pode trabalhar com a União Europeia, porque eles não conseguem concordar em nada e não tomam qualquer decisão. Então, se você quer que algo seja realizado, você deve ir para Washington”, disse ele.

A Rússia alertou repetidamente o ocidente para não arrastar o Nord Stream 2 para a crise política. O ministro russo das Relações Exteriores, Sergey Lavrov, disse que as tentativas de politizar a questão do Nord Stream 2 eram “contraproducentes”.

Mas, embora o gasoduto seja extremamente valioso para Putin, é duvidoso que ele possa desempenhar o papel decisivo em convencê-lo a reduzir quaisquer planos de cruzar a fronteira da Ucrânia.

“Se o projeto falhar, será uma grande perda para a Gazprom e a economia russa, mas não é como se os russos dissessem que tudo bem, você pode prosseguir com a ampliação da Otan, desde que o Nord Stream 2 esteja operacional, está tudo certo”, disse Kortunov.

“A questão é: qual é o objetivo final [de Putin]? Ele tem o dinheiro, as reservas monetárias que a Rússia economizou, e pode se dar ao luxo de perder dinheiro agora […] é a relação econômica, o gasoduto, é um custo que ele está disposto a pagar?”, acrescentou Berzina.

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